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Novo Fundeb ainda tem que ser votado pelo Senado
Novo Fundeb ainda tem que ser votado pelo Senado.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo

Senadores devem deliberar sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante a permanência do Fundo Nacional de Financiamento Estudantil (Fundeb) nesta terça-feira (25). Durante a tramitação da PEC na Câmara, levantou-se a possibilidade de que os recursos do fundo pudessem ser vinculados ao pagamento de aposentadorias e pensões de professores.

Em um primeiro momento, o texto aprovado na Câmara vedou expressamente essa questão, em seu artigo 6º. No Senado, contudo, movimentos tentaram derrubar o veto. Os senadores Lasier Martins (Podemos-RS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentaram emenda para garantir que estados e municípios pudessem incluir os vencimentos de aposentados entre as despesas do fundo. A bancada do PSD voltou atrás, mais tarde, e retirou a emenda.

Especialistas afirmam ser inconstitucional computar gastos com inativos como sendo despesas de "manutenção e desenvolvimento do ensino". Embora não seja considerada corrupção, a medida é tida como desvio de finalidade. Até recentemente, sem um parecer definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF), diferentes interpretações da Constituição Federal e das legislações estaduais permitiram que entes "inflassem" o gasto com Educação com despesas alheias (aposentadoria) ao que constitucionalmente considera-se como "manutenção e desenvolvimento do ensino".

No último dia 17 de agosto, mais de um ano após ser provocado, o STF considerou, na ADI 5719, inconstitucional um dispositivo da Constituição de São Paulo que "permitia" o uso de recursos da Educação para pagamento de aposentadorias e pensões.

Tribunais de Conta são acusados de leniência

Com a conivência dos Tribunais de Contas, muitos entes federados há anos têm destinado recursos que, em tese, deveriam ser direcionados diretamente à educação, para financiar aposentadorias e alcançar o gasto mínimo constitucional para a área.

Alguns órgãos têm questionado a medida judicialmente, mas Tribunais de Conta são acusados de leniência, por fazerem "vista grossa" à manobra. Como foi citado anteriormente, apenas no último dia 17, a medida foi considerada como inconstitucional pelo STF.

Apenas o Rio Grande do Sul, segundo o Tribunal de Contas do estado, utilizou, em 2016, R$ 1,3 bilhão oriundo do Fundeb para pagamento de inativos.

O caso de São Paulo, por outro lado, recentemente analisado pelo STF, funcionava da seguinte maneira: 1) a Constituição do Estado de São Paulo determina que administração estadual aplique em educação, anualmente, 30% de suas receitas oriundas de impostos (pela CF, estados são obrigados a aplicar 25%); 2) a Lei Complementar nº 1.010/2007, também permitiu que benefícios previdenciários de servidores da educação de São Paulo pudessem ser incluídos no percentual de 30%.

"É um erro que denota carência de recursos ou inversão de prioridades", avalia Fernando Scaff, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "Não há de se considerar como educação o que é pagamento de aposentadoria e pensão. Salários dos servidores que estão na ativa são gastos com educação; o pagamento dos aposentados e pensionistas não pode ser considerado como tal".

Para driblar os tribunais, o estado de São Paulo justificava a despesa como "manutenção e desenvolvimento do ensino", item previsto no artigo 70 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). O dispositivo, contudo, não é claro, pois não menciona se pagamento de inativos constitui ou não manutenção e desenvolvimento da educação.

No máximo, a lei estabelece que não constituem despesas dessa natureza gastos com "pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino". Nem mesmo despesas com merenda, por exemplo, são consideradas na LDB.

A lei ainda dispõe que "os órgãos fiscalizadores examinarão, prioritariamente, na prestação de contas de recursos públicos, o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal, no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na legislação concernente". Mas o respaldo dos Tribunais de Conta a estados que assim se comportam tem sido criticado. As contas têm sido sucessivamente aprovadas, apenas com "ressalvas" e, no máximo, são indicadas correções no próximo orçamento.

Para Scaff, os tribunais têm sido condescendentes com os gestores. "Os diversos alertas devem ser obedecidos. Por menos que isso foi deposta uma presidente da República", diz o especialista.

O que é considerado gasto com educação e o que é "perdido" com aposentadoria

A falta de clareza normativa deu margem para que entes federativos desviassem o recurso de sua finalidade. Como já mencionado, a LDB, no máximo, estabelece que não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino "aquelas realizadas com [...] pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino". Não constam na lei gastos com aposentadorias.

A Constituição Federal, por sua vez, apenas determina que estados apliquem um mínimo de 18% de suas receitas em educação e não discorre profundamente sobre o tema.

Na mesma linha de entendimento, já em 1997, o Conselho Nacional da Educação (CNE) se posicionou afirmando ser "evidente que os inativos não contribuem nem para a manutenção nem para o desenvolvimento do ensino. Afastados que estão da atividade, não poderiam contribuir para manutenção das ações que dizem respeito ao ensino. Se não podem sequer contribuir para tanto, menos ainda para o desenvolvimento — democratização, expansão e melhoria da qualidade — do ensino".

Além disso, o Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) do Ministério da Educação (MEC) proíbe que despesas com aposentadoria sejam consideradas como manutenção e desenvolvimento do ensino.

"Conforme a Constituição (art. 24, IX) a competência [de determinar o que pode ou não ser considerado como despesa com educação] é concorrente, isto é, de todos os entes federados. Todavia, cabe à União, nesse âmbito, apenas editar normas gerais que devem ser seguidas pelos estados e municípios. Porém é palmar que aposentadorias não podem ser incluídas no conceito de gastos com educação, pois são exóticas ao núcleo do conceito", explica Scaff.

Segundo o estudo "Inativos da educação: despesa da educação?", de Fábio Araujo De Souza, "apenas 3 estados da Federação retiram da educação anualmente cerca de 14 bilhões de reais para pagamento de inativos, o que representa aproximadamente 70% do total retirado pelos estados todo ano - cerca de R$ 20 bilhões, valor esse suficiente para financiar 4 milhões e 300 mil matrículas em tempo integral".

Fundeb

Na Câmara, a possibilidade de vincular os recursos do Fundeb a esse fim foi expressamente vetada. "É vedado o uso dos recursos referidos no caput e nos §§ 5º e 6º deste artigo para pagamento de aposentadorias e pensões", determinou a deputada relatora da PEC, professora Dorinha Rezende. Mas o texto ainda precisa da chancela do Senado, e há quem acredite que grupos consigam reverter a decisão.

Ouvido pela Gazeta em julho, Flávio Arns (Rede), relator da PEC do Fundeb no Senado, garantiu que não apoiaria qualquer movimento nesse sentido. "Ao se garantir que o cômputo da meta dos 25% considere gastos exclusivos em educação, evitamos a consequente diminuição dos recursos aplicados na área", afirmou o senador por meio de documento explicativo.

"Caso não fosse feito isso [destinação de recursos para aposentadorias], os estados e o DF poderiam universalizar o ensino fundamental e o médio, em tempo integral, alcançando assim as metas previstas na Lei do Plano Nacional de Educação (Lei federal 13.005/2014) para essas etapas da educação básica. Além disso, sobrariam recursos volumosos para investir em outras despesas da MDE, tal como a infraestrutura das unidades escolares", afirma o senador.

Segundo Scaff, se a aprovação da PEC do Fundeb for no sentido de vincular os recursos a pagamento de aposentadoria, seria "outro erro" que, inclusive, faria "o assunto retornar ao STF. Não se pode inserir como gasto com educação aquilo que não é, embora tenha sido quando os servidores estavam na ativa. Uma vez retirados, não se há de computar tais gastos como gastos educacionais", afirmou.

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