É tentador concluir que depois de seis meses como secretária da educação, Betsy DeVos não conquistou muita coisa.
O Congresso não foi gentil com a sua agenda legislativa, e o Partido Republicano se uniu ao Partido Democrata ao criticar as suas propostas de cortes orçamentários. Ela enfrenta protestos em muitas de suas aparições públicas, que é o motivo dela ter proteção especial do Serviço Secreto dos Estados Unidos, com um custo médio de US$ 1 milhão por mês até o momento. O seu departamento, como muitos outros do governo Trump, ainda não preencheu uma longa lista de cargos.
Mas, goste ou não, DeVos tomou alguns passos importantes para mudar as políticas educacionais, e a sua presença na liderança do Departamento de Educação dos Estados Unidos demonstra algo importante sobre o passado, o presente e o futuro da educação pública nos Estados Unidos.
DeVos é uma bilionária de Michigan que trabalhou extensivamente por décadas para promover alternativas para as escolas públicas, e é vista pelos críticos como a secretária da educação mais ideológica e contrária à educação pública em mais de 40 anos de história do departamento.
Ela deixou claro que a sua prioridade para a educação básica é a expansão das charter schools – escolas que recebem verba pública mas são operadas como instituições privadas – e programas de vouchers, que usam dinheiro público para pagar por escolas privadas e religiosas de diferentes modos. Seus apoiadores dizem que essas medidas oferecem aos pais mais opções, mas os seus críticos dizem que esgotam recursos do sistema de educação pública, a instituição cívica mais importante dos Estados Unidos.
Em todos os seus discursos ela encontra um jeito de promover as alternativas escolares, às vezes dizendo coisas que não são verdade, como em fevereiro, quando ela disse que faculdades e universidades historicamente negras eram “verdadeiras pioneiras quando se trata de alternativas escolares”. Elas não são. Essas instituições foram fundadas porque negros eram barrados das universidades brancas. Formandos da Bethune-Cookman, uma universidade historicamente negra na Flórida, protestaram contra o comentário, vaiando e virando as costas enquanto ela fazia seu discurso de inauguração em maio.
O que ela não comenta são os desafios que as opções de alternativas escolares têm enfrentado em muitas comunidades. Alguns estados têm setores de charter schools tomados por escândalos, e estudos mostram que os programas de vouchers não melhoram e muitas vezes pioram o desempenho dos estudantes. Um desses estudos, publicado em abril, mostra que os estudantes participantes do único programa de vouchers financiado pelo governo federal, em Washington, D.C., tiveram desempenho inferior em exames padronizados um ano depois de entrar em escolas particulares com vouchers, em comparação aos alunos que não participaram do programa.
Devido ao seu papel promovendo as alternativas escolares e sua história denegrindo as escolas públicas tradicionais – ela chamou-as de “sem futuro” em 2015 – DeVos já era uma figura controversa antes da sua nomeação, mas se tornou ainda mais controversa depois da sua audiência de confirmação, em 17 de janeiro, em um comitê do Senado. Durante a sessão, ela mostrou ignorância em relação a aspectos básicos da lei federal de proteção a estudantes com deficiência, além de outras questões chave na educação. Ela perdeu apoio até mesmo de alguns republicanos, e a sua confirmação em 7 de fevereiro aconteceu somente depois que o vice-presidente Mike Pence, enquanto presidente do Senado, deu o primeiro voto de minerva na história dos EUA para garantir a sua nomeação ao cargo.
Mas isso não a impediu de avançar o máximo possível da sua agenda, que prevê administrar as escolas como se fossem empresas e oferecer tantas “alternativas” aos pais que a escolha de uma escola para seus filhos seria equivalente a escolher “um Uber, ou Lyft, ou qualquer outro serviço de caronas”.
Antes de o seu mandato começar, DeVos era conhecida como uma reformista no setor da educação básica, mas as suas ideias para a educação superior não eram muito conhecidas. Nos seus primeiros meses, entretanto, ela deixou uma marca real na educação superior, preocupando os defensores da proteção ao consumidor e agradando a indústria da educação com fins lucrativos. DeVos e sua equipe caminharam rapidamente para começar a reformular o sistema de auxílio financeiro por meio da revogação ou reformulação de leis que foram colocadas em vigor durante o governo de Obama para proteger os estudantes que utilizam financiamentos. Por exemplo:
• O departamento de DeVos restabeleceu uma série de taxas para devedores inadimplentes.
• O departamento começou a desmantelar duas grandes regras de proteção ao consumidor. Uma delas se refere ao emprego remunerado, que responsabiliza programas de educação para carreiras sem diploma quando os graduados tem dívidas grandes; o outro é relacionado à defesa do devedor, que permite que estudantes devedores que foram prejudicados pelas instituições tenham suas dívidas perdoadas.
• DeVos chamou o executivo chefe de uma empresa privada de financiamento estudantil para chefiar as operações trilionárias de auxílio financeiro do governo federal.
Mas vale destacar que o departamento também tomou ações rápidas para implementar uma iniciativa bipartidária para ajudar estudantes universitários de baixa renda a terem acesso a subsídios federais, depois do Congresso aprovar a medida.
Na educação básica:
• DeVos apoiou a decisão do governo Trump de revogar as orientações do governo Obama voltadas para a proteção dos direitos dos estudantes transgêneros e levou o Escritório de Direitos Civis do departamento a considerar as denúncias dos estudantes transgêneros como casos isolados.
• Ela fez esforços para avaliar alguns planos estaduais para se adequarem ao Every Student Succeeds Act (medida bipartidária assinada no governo de Obama pela equidade de oportunidades na educação básica), oferecendo “sugestões” sobre pontos que deveriam ser melhorados e registrando reclamações de republicanos.
• Chocou professores de ciências quando publicou uma declaração elogiando o presidente Trump por retirar os EUA do acordo de Paris.
Uma função essencial do governo para a educação básica e superior é garantir direitos civis. DeVos contratou Candice Jackson, que fez alguns comentários controversos sobre abuso sexual nos campi de universidades, como chefe do Escritório de Direitos Civis. DeVos também fez “audiências” no Departamento de Educação para mudar as regras estabelecidas no governo de Obama sobre como as universidades deveriam lidar com denúncias de abuso sexual. Ela deixou claro que acredita que homens acusados de abuso sexual têm sido tratados injustamente por instituições de educação superior, e que eles precisam de mais direitos. E quando se tornou público que o Departamento de Justiça de Trump lançaria um projeto para processar universidades que utilizam políticas de ação afirmativa que discriminariam contra brancos em seus processos seletivos – e vez de populações historicamente desprivilegiadas – DeVos não contrariou publicamente.
Talvez o ponto mais importante seja que a posição de secretária da educação deu a DeVos uma plataforma nacional para difundir as suas ideias de alternativas escolares, que até então eram consideradas radicais. E o seu ataque recorrente ao governo federal criou potencial para esforços futuros de abolir o Departamento de Educação, um objetivo antigo para muitos conservadores. Até mesmo Trump, durante a sua campanha em 2016, expressou apoio para uma desmontagem ou diminuição do departamento.
O que os indivíduos em cargos públicos dizem tem importância. O presidente Ronald Reagan disse: “As palavras mais assustadoras da língua inglesa são ‘Eu sou do governo e estou aqui para ajudar’”, e o seu retrato consistente do governo dos EUA como um impedimento para resolução de problemas afetou a política e o modo como muitos americanos enxergam o papel dos funcionários públicos.
Do mesmo modo, as acusações de DeVos sobre o governo federal e a sua recusa em fazer qualquer referência mínima ao valor do sistema de educação pública acabam tendo um efeito no modo como alguns americanos se sentem em relação às escolas públicas do seu bairro, que educam a grande maioria das crianças do país. Arne Duncan, secretária da educação no governo de Barack Obama, apoiava as charter schools (apesar de não apoiar os vouchers), mas ainda assim falava sobre a necessidade – e os objetivos aspiracionais – da educação pública. Margaret Spellings, secretária da educação de George W. Bush, também defendia a escola pública e a importância do Departamento de Educação dos Estados Unidos.
DeVos e seu marido, Richard, trabalham em alternativas escolares há décadas, ambos com papel decisivo na aprovação da lei de charter schools de Michigan em 1993, e apoiam programas de vouchers, trabalho que convenceu os seus críticos de que ela pretende privatizar a educação pública nos Estados Unidos. Os críticos destacam o dia 3 de dezembro de 2002, quando Richard DeVos deu um discurso, agora famoso, na instituição conservadora Heritage Foundation em Washington, D.C., revelando uma estratégia para expandir as alternativas escolares em cada estado. Ele aconselhou que os apoiadores chamassem as escolas públicas de “escolas do governo”, de modo pejorativo, mas pediu que tivessem “cuidado ao falar muito sobre essas atividades” para não chamar atenção e criar oposição.
Hoje, DeVos ocupa o cargo público mais alto em educação e não precisa mais tomar cuidado ao expressar a sua visão para reforma escolar. Ela apoia esforços de um grupo conservador conhecido como ALEC, ou Conselho Americano de Troca Legislativa, na criação de modelos de leis para programas de vouchers e similares para serem votados pelos legisladores estaduais. Ela elogiou o ALEC na convenção anual do grupo em julho e tomou para si a filosofia da primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, a Iron Lady, dizendo que “não existe sociedade”, em um ataque a programas sociais do governo. O apoio de uma secretária da educação dos EUA para tal pensamento, mesmo que ela tenha baixa popularidade, encoraja legisladores estaduais e lobistas com ideias similares a impulsionarem as suas agendas políticas.
Para ter certeza, DeVos encontrou desafios
DeVos e Trump apresentaram um orçamento para alternativas escolares para 2018, que busca grandes cortes de investimentos enquanto avança propostas de gastar cerca de US$ 400 milhões na expansão de charter schools e vouchers para escolas privadas e religiosas, e um adicional de US$ 1 bilhão para levar as escolas públicas a adotarem políticas favoráveis a alternativas escolares. Também é previsto que eles pretendem avançar um programa federal de créditos tributários durante qualquer revisão do sistema tributário.
Legisladores deixaram claro que muitos dos cortes propostos são serão feitos, principalmente na educação superior. Eles não parecem favoráveis à aprovação de verba para um novo programa de vouchers, mas um programa federal de crédito tributário tem algum apoio, apesar de pequeno, no Congresso e pode entrar no próximo texto de revisão tributária.
Membros do Partido Democrata criticam DeVos em uma série de questões, mas republicanos também vem sendo críticos da revisão do departamento aos planos para lidar com escolas que apresentam baixo desempenho. Esses republicanos acreditam que alguém que insiste que os estados e distritos escolares locais devem criar políticas educacionais não deveria estar comandando um processo em que o governo determina o que os estados devem fazer.
Enquanto isso, manifestantes seguem DeVos para quase todo lugar, e Gail Collins, colunista do New York Times, criou um concurso sarcástico de pior membro do gabinete e publicou o resultado um junho. DeVos foi a ganhadora.
Apesar disso, ela conquistou algumas coisas. Qualquer um que pensou que ela faria muito mais do que isso em seis meses, considerando a atmosfera política mordaz em Washington atualmente, foi otimista demais. Ou pessimista, conforme o caso.
Tradução: Andressa Muniz
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