O governo federal anunciou no mês passado um aumento no valor das bolsas pagas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) a estudantes de graduação (75%), mestrado e doutorado (40%). Agora, alunos que participam de programas de Iniciação Científica, quase sempre na graduação, receberão R$ 700. A bolsa de mestrado passou a R$ 2.100, e a de doutorado a R$ 3.100. Além disso, o número total de bolsas concedidas foi expandido: já neste ano, serão 10 mil bolsas adicionais, incluindo outras modalidades.
O aumento era necessário: o último reajuste havia sido feito em 2013. Na última década, tampouco houve uma expansão na quantidade de bolsas concedidas. Ainda assim, para muitos pesquisadores, os valores continuam baixos. Nem sempre é fácil convencer alguém com mestrado a receber R$ 3.100 para se dedicar a um doutorado — sem poder realizar atividade remunerada fora da área de estudo. Também há queixas sobre o número limitado de bolsas.
Mas a discussão sobre os valores a serem pagos, e sobre o número de bolsas distribuídas, por vezes oculta um debate igualmente importante: em uma realidade de recursos escassos, quais pesquisadores devem receber prioridade?
O financiamento da pesquisa movimenta valores significativos. O orçamento do CNPq para 2023 é de R$ 1,9 bilhão. O da Capes é de R$ 5,5 bilhões.
Qualquer mudança na definição dos critérios poderia ter impactos consideráveis na produção científica do país.
Um dos debates diz respeito à promoção das bolsas de iniciação científica. Em 2021, o CNPq destinou R$ 150 milhões a esse grupo, ante R$ 392 milhões de mestrandos e doutorandos. O professor Rodrigo De Lamare, da PUC do Rio de Janeiro, afirma que as prioridades precisam ser revistas. Mestrandos e doutorandos, na visão dele, deveriam receber uma parcela maior dos recursos, já que é esse tipo de pesquisa que costuma produzir avanços concretos nas ciências. “Na minha opinião, não se deveria gastar muito com iniciação científica porque estes alunos raramente produzem pesquisas de impacto. A maior parte dos recursos deveria ser alocada às bolsas de mestrado e doutorado”, diz ele, que realiza pesquisas no campo da tecnologia de telecomunicações.
Outra discussão envolve as chamadas bolsas de produtividade. No valor de até R$ 1.560, elas beneficiam professores que, por vezes, já têm salários elevados. São cerca de 15 mil bolsistas nessa categoria. Desses, 6.400 estão na categoria PQ 1, para quem tem pelo menos oito anos de experiência como doutor, e 9.200 na categoria PQ 2, que exige pelo menos três anos de doutorado. Essa modalidade tem como objetivo incentivar a produção de artigos de alta qualidade, mas o resultado é problemático: para alguns, esses pesquisadores estão recebendo bolsas para fazer algo que já deveria ser parte do trabalho deles. Além disso, a principal métrica de avaliação dessa categoria — o número de artigos produzidos — é nebulosa. “A quantidade de artigos não significa nada. O que importa é impacto. E isso o CNPq nunca avalia”, critica Marcelo Hermes-Lima, professor do Instituto de Biologia da UnB e diretor de Avaliação do Capes na gestão anterior.
Quais disciplinas devem ter prioridade?
Outro problema diz respeito ao peso das ciências sociais e humanas. Os dados sugerem que, no mínimo, a distribuição de bolsas nem sempre acompanha as mudanças no mercado e nas demandas criadas pela evolução tecnológica. Alguns pesquisadores afirmam que o país deveria dar prioridade à inovação.
O relatório de 2021 da Capes mostra que as ciências humanas, as ciências sociais, as letras e as artes, juntas, obtiveram 36.620 bolsas. Isso é mais do que a soma das engenharias, ciências agrárias e ciências biológicas (31.142). O professor Rodrigo De Lamare acredita que os números precisam ser revistos. “A Capes e o CNPq deveriam fomentar todas as áreas, mas o valor alocado às ciências humanas e sociais deveria ser compatível com as necessidades do país e com o impacto científico dela. Acredito que o país estaria bem servido com valores mais modestos de fomento em ciências sociais e uma ampliação em ciências agrárias, medicina e ciências biológicas, matemática, física, engenharias e ciência da computação”, ele afirma.
Não é que áreas como História e a Sociologia devam ser deixadas de lado: sem esses campos, não é possível entender o Brasil. Mas, por geralmente não exigirem pesquisas em laboratórios e de alta complexidade, essas disciplinas não necessariamente precisam dos mesmos recursos e da dedicação exclusiva exigida em outros campos. Além disso, elas têm um potencial menor de retorno econômico e de geração de empregos do que a engenharia aeroespacial ou a biotecnologia.
Por fim, alguns campos têm uma competitividade internacional maior. Sem o fomento, o Brasil talvez não consiga competir com a China ou a Alemanha no campo das engenharias. O mesmo não vale para outras áreas. Em outras palavras: o Brasil não compete com outros países no quesito História do Brasil, mas compete no campo da tecnologia.
A proporção pouco mudou durante o governo Bolsonaro, embora o volume total de recursos aplicados ao CNPq e à Capes tenha caído. Tanto a Capes quanto o CNPq possuem comissões próprias, formadas por especialistas de cada área. Dentro do modelo atual, o Executivo tem uma influência limitada. Se a gestão anterior, que era crítica do modelo de financiamento da pesquisa, não conseguiu fazer mudanças importantes, tampouco a atual as fará - até porque não dá nenhum sinal de que vai tentar fazê-las.
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