Com diferenças de perfil, comportamento e preferências, meninos e meninas têm experiências distintas no ambiente escolar. Ao contrário da percepção de que elas estão em desvantagem desde cedo, estudos indicam que na verdade eles frequentam o lado mais frágil dessa dinâmica: em média, estão 18 meses atrasados em leitura e escrita quando comparados às meninas e tem chances menores de ingressar no ensino superior.
Nos Estados Unidos, dados do Departamento de Educação mostram que as meninas têm melhores notas, se envolvem mais em atividades extracurriculares e participam de mais programas acadêmicos. Enquanto isso, meninos recebem mais suspensões, são reprovados com maior frequência e têm três vezes mais chance de ser diagnosticados com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – as únicas áreas em que o desempenho dos garotos é melhor são esportes e matemática.
“O número maior de homens que têm desempenho perto da base da pirâmide de distribuição em leitura e escrita também possui implicações nas políticas. Parece mais provável que indivíduos com baixo desenvolvimento de letramento tenham mais dificuldade para conseguir emprego em uma economia cada vez mais guiada pela informação. Portanto, alguma intervenção deve ser feita para permitir que eles participem de modo construtivo”, afirmam os pesquisadores da Universidade de Chicago, Larry V. Hedges e Amy Nowell, em estudo publicado na revista científica Issue.
Influência familiar e ambiente feminino
As diferenças também são influenciadas pelo perfil familiar e pelas expectativas distintas que as famílias depositam nos filhos. Em artigo publicado na revista científica Congressional Quarterly Researcher, as expectativas familiares são apontadas como um fator de motivação para o melhor desempenho das meninas, ao mesmo tempo em que retiram o empenho dos meninos para atividades acadêmicas.
“Filhas tentam agradar os professores dedicando mais tempo aos projetos escolares, fazendo atividades complementares e o dever de casa do melhor jeito possível. Os filhos apressam o dever de casa e correm para brincar ao ar livre, sem se preocupar com o modo que os professores avaliarão seu trabalho apressado”, diz a pesquisa.
Com esse perfil das meninas, a resposta dos professores também é diferente; estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne dados de mais de 60 países, indica que o sistema educacional oferece maiores recompensas para meninas, mesmo quando os alunos têm habilidades equivalentes.
De acordo com os dados levantados, professores tendem a dar notas maiores para meninas. A análise sugere ainda que a diferença é uma forma de recompensa secreta, já que elas seriam mais alinhadas às expectativas do ambiente escolar: têm maior probabilidade de apresentarem bom comportamento na sala de aula, terminar tarefas de casa e serem menos negativas à ideia de ir para a escola – e mesmo quando o trabalho dos meninos é tão bom quanto o das meninas, eles tendem a receber as menores notas.
“Meninos e meninas têm um funcionamento diferente. Isso é produto da conjugação de elementos biológicos, fisiológicos, culturais e contextuais. Nossa sociedade valoriza o padrão do ‘bom aluno’, ‘calminho’, ‘quietinho’, que fica sempre sentado, que não questiona. Esse é um aspecto que precisa ser revisto e repensado. Procuramos um padrão de aluno, de pessoa, que às vezes não condiz com a singularidade dos indivíduos, nem com seu verdadeiro perfil cognitivo”, reflete Nelly Narcizo de Souza, doutora em Educação e coordenadora da Pós-Graduação em Neuropsicologia Educacional da Universidade Positivo (UP).
O estudo da OCDE ainda indica uma nova perspectiva em uma das únicas áreas em que meninos se sobressaem: mesmo com as maiores notas em matemática, o desempenho de meninos apresenta maior desigualdade, ocupando também as últimas posições. Já as meninas, apesar de não terem as notas mais altas, apresentam desempenho mais igualitário.
Influência na vida acadêmica
Essa disparidade na educação básica influencia o acesso ao ensino superior. No Reino Unido, cerca de 60% dos estudantes que se candidataram a uma vaga no ensino superior em 2014 são mulheres, uma diferença que cresce a cada ano.
“Existe uma desigualdade entre o número de candidatos homens e mulheres que, seguindo a tendência atual, pode encobrir a desigualdade entre ricos e pobres em menos de uma década”, disse Mary Curnock Cook, presidente do serviço de admissão das universidades britânicas (Ucas), ao jornal The Telegraph. “Os homens jovens estão se tornando um grupo em desvantagem em termos de acesso a universidades, e esse baixo desempenho precisa de um foco urgente no setor de educação”, defendeu ela.
Lá, pelo menos 20 instituições de ensino superior já têm duas vezes mais mulheres do que homens estudando em tempo integral. O número é resultado de uma diferença que começa na educação básica: resultados do teste de qualificação acadêmica aplicado a estudantes britânicos de 16 anos em 2014 mostraram que quase 25% das meninas receberam nota máxima, contra menos de 18% dos meninos.
Para Nelly, a padronização do ensino não dá conta das diferenças entre os dois gêneros. “Nossa sociedade valoriza um perfil de aluno que se aproxima mais facilmente do apresentado pelas meninas. Temos que cuidar com isso, porque acabamos valorizando padrões que não promovem a diversidade cognitiva”, diz.
“Uma questão que se apresenta é: que oportunidades damos para nossos meninos? Baseadas em que elas são possibilitadas para eles? E para nossas meninas? Devemos fugir da tentação de padronizar meninos e meninas. Eles são iguais em direitos e potenciais, mas têm suas singularidades no desenvolvimento e isso deve ser considerado sempre”, conclui.
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