No pilotis da Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), construção que simboliza um dos cinco pontos fundamentais da Nova Arquitetura proposta por Oscar Niemeyer, aconteceu o Ato contra o Desmonte da Universidade Pública, no final da manhã de sexta-feira, dia 4.
O clima era de festa. Jovens estudantes aplaudiam discursos inflamados de figuras da esquerda brasileira. Ao fundo, uma imensa imagem do educador Paulo Freire com os dizeres “Educação não é mercadoria” e “Paulo Freire patrono da educação”. Em meio às colunas pichadas e às pedras soltas do piso mal conservado; formavam o cenário duas mesas cedidas pela reitoria cobertas com toalhas vermelhas floridas, bem como diversas faixas de movimentos estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE), União Estadual dos Estudantes (UEE) e o RUA-Juventude Anticapitalista.
O grupo de convidados da esquerda era composto pelos deputados do Rio de Janeiro: Benedita da Silva (PT), Jandira Feghali (PC do B) e Marcello Freixo (PSOL). Muito aplaudido e requisitado, o candidato derrotado à presidência da República Fernando Haddad fechou o encontro.
Fundamentalmente, dois pontos em comum destacaram-se nas falas do grupo. Em primeiro lugar, a ideia de que o programa Future-se, proposto pelo Ministério da Educação (MEC), é um modelo para poucos da "elite". Segundo Feghali, trata-se de “um pacto neoliberal, destruidor das relações humanas que impõe o papel de vencedores e perdedores.” “Onde a desigualdade torna-se virtude e os pobres, ineptos”, um acordo que marcaria uma “nova fase do capitalismo contemporâneo”. Para Haddad, é uma maneira de sufocar os anseios autônomos da universidade, “oriundo da indisposição de uma elite provinciana com o modelo de educação” criado durante sua gestão como ministro na era Lula.
Todos os políticos que discursaram negaram o potencial do Future-se como programa capaz de desburocratizar a educação e trazer novas parcerias do âmbito privado, proveitosas, por sua vez, para a universidade pública. Para eles a implantação do projeto coloca em risco um modelo de Estado de caráter coletivista. Segundo Freixo, o governo Bolsonaro pretende que “a universidade não faça sentido e não se ligue aos interesses do Estado.”
Todos também concordavam num segundo ponto: a universidade deve ser o lugar de resistência e congregamento de forças antagônicas contra “o governo Bolsonaro, misógino e facista”. “Não temos o direito de estarmos desunidos, a universidade é onde devemos criar uma frente ampla para enfrentar essa política que traz como produto o medo”, afirmou Freixo.
Haddad argumentou que o novo MEC nega a universidade plural formada por negros, mulheres e alunos oriundos de escolas públicas. Ao citar estatísticas de sua gestão frente ao MEC, destacou dados que apontam o crescimento de níveis de inclusão, porém nada disse acerca do baixo impacto da produção científica brasileira no mundo, ou sobre a absorção de mestres e doutores pelo mercado, problemas existentes anteriormente à gestão do ministro Abraham Weintraub.
Tanto Jandira Feghali como Marcelo Freixo, ademais, elogiaram a atual reitora da instituição Denise Pires de Carvalho, “que não se deixou levar pelo medo” e que “não abaixou a cabeça” ante as acusações de ilegalidade de realização do ato nas dependências da universidade.
Diversos panfletos eram distribuídos. Dentre “Lula Livre” e “Parem de Matar as Mulheres”, um panfleto assinado pelo professor Arildo Nery Júnior chamava especial atenção ao conclamar os estudantes a escreverem “uma pequena frase crítica ao governo no final dos agradecimentos do seu artigo científico antes de publicá-lo”. Continuava o escrito: “Exemplo: O governo brasileiro está tentando desmontar a ciência brasileira, este é um alerta para o mundo!” ou “Está cada vez mais difícil publicar artigos científicos e dar continuidade à ciência brasileira, pois o atual governo é contra fatos científicos, principalmente àqueles que não lhe agradam...”
O ato desta sexta-feira na UFRJ fechou os protestos iniciados na quarta e quinta-feira passadas no Rio de Janeiro. Na quinta-feira, petroleiros e estudantes se encontraram na Avenida Presidente Vargas para manifestar seu descontentamento com a política de privatizações e com o novo regime de exploração dos royalties do petróleo, que segundo eles deveriam ser destinados em maior proporção aos investimentos em educação.
O ato terminou com aplausos, gritos e o gesto da mão em "L" em alusão ao ex-presidente Lula, preso no ano passado por corrupção.