O local do debate entre Fernando Haddad, Cecilia Angileli e Roberto Romano, na primeira edição do ano do ciclo de debates “Pensando o Brasil”, promovido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e realizado na noite desta terça-feira, 3 de abril, não poderia ser menos auspicioso e mais simbólico: um auditório com cheiro de mofo, no subsolo de um prédio ao estilo brutalista-industrial, em Curitiba. Ao lado, um professor aguarda o início da discussão corrigindo o trabalho de um aluno. Pela quantidade de tinta vermelha e comentários às margens do papel... Boa sorte.
Aos poucos, o auditório se enche e até superlota, com alunos sentados nos corredores (alô, Corpo de Bombeiros!). De repente, se ouve alguma agitação vinda do lado de fora – é o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que entra no auditório acompanhado por um pequeno séquito. Tem início, então, o discurso introdutório da vice-reitora Graciela Bolzón de Muniz. Lendo um texto marcado pela presunção de que a universidade pública no modelo atual é indispensável e pelo surpreendente reconhecimento de que “somos privilegiados agentes de mudanças sociais”, a vice-reitora determinaria o tom das falas seguintes.
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Ao chamar ao palco os convidados, a mestre-de-cerimônias quase perde o fôlego ao mencionar o currículo da professora Cecilia Angileli, vice-reitora da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino Americana).
O mediador do debate, que na verdade é apenas uma sucessão de discursos que concordam entre si, é o reitor da UFPR. O Magnífico, como é chamdo, parece ter a certeza de que as universidades públicas estão sob severo ataque da polícia que ousou fazer incursões por alguns campi pelo Brasil a fim de investigar denúncias de corrupção. Depois de dizer que “o debate público no país precisa ser melhorado”, o magnífico reitor Ricardo Marcelo Fonseca encerrou sua introdução acusando a imprensa de retratar as universidades públicas como “ineficientes, dispendiosas e corruptas”.
Mas não sem antes avisar que Haddad, a grande estrela da noite, está com pressa. Ele tem de sair do evento às 20h30 para pegar um voo.
Lugar de fala – uma longa fala
Alheia à pressa de Haddad, a professora de arquitetura da Unila Cecilia Angileli dá início ao “debate” com um longo discurso. Brandindo seu “lugar de fala” como uma pessoa da periferia, Angileli disse, entre outras coisas, que a classe dominante pretende eliminar o analfabetismo com “mero depósito vocabular”. E prossegue defendendo uma cultura universitária mais militante, contra a meritocracia e a formação de mão de obra e defendendo até que os alunos de mestrado não precisem ler livros em inglês – o que, para ela, é um absurdo.
Haddad tenta, mas não consegue esconder um ou outro bocejo. Na plateia, as pessoas se ajeitam, um tanto quanto incomodadas quando Angileli dá a atender que a Unila é a irmã pobre da rede pública e que, por isso, é “oprimida” pelas irmãs mais renomadas: a USP e a Unicamp, representadas por Haddad e Romano, respectivamente.
Angileli extrapola o tempo, mas ninguém no palco tem coragem de interromper. É preciso que uma mestre de cerimônia sutilmente a avise. Ela reage com alguma agressividade. “Eu me preparei para falar pelo povo. Quer dizer, ele fala por ele”, disse, numa retórica que evoca os melhores piores momentos de certa “presidenta”.
Haddad tem pressa
Fernando Haddad assume o microfone. Ele tem pressa. Sem criar qualquer diálogo com a fala da antecessora, que reclamou bastante das condições da Unila, criada com Haddad no comando do Ministério da Educação, o ex-prefeito de São Paulo desenvolve uma narrativa histórica muito própria, segundo a qual os governos petistas puseram fim ao “pensamento neoliberal” nas universidades federais. E, como se estivesse em campanha, ataca aqueles que defendem a necessidade de investimentos na educação básica, e não na educação superior. “Isso é pensamento de subdesenvolvido”, diz, para depois afirmar que “a universidade pública é o setor mais importante para a retomada econômica”.
Ele encerra sua participação fazendo menção à necessidade de que a educação superior esteja na pauta de debate eleitoral em 2018. Em nenhum momento Haddad mencionou Lula.
Às 20h33 ele sai apressado do debate, acompanhado por boa parte da plateia que, aparentemente, estava ali apenas para ouvi-lo.
Powerpoint
O professor Roberto Romano se levanta e ocupa um lugar atrás do púlpito, onde a iluminação realça o branco de seus cabelos e do bigode. Ele faz o discurso mais político da noite. A plateia o aplaude no meio da fala quando Romano faz menção à audiência que o ministro da educação Mendonça Filho teve com o ator Alexandre Frota. A isso se seguiu o tom apocalíptico de quem prevê o fim de todas as coisas boas no mundo com uma possível privatização das universidades públicas. “O imperialismo não acabou. Ele está aí, ávido por recursos”, diz Romano, sugerindo que a fuga de cérebros é uma estratégia dos países ricos para “sugar a riqueza intelectual de um povo”.
Romano ainda faz menção ao que chamou de “golpe de 2016” e diz que a universidade pública precisa “se preparar para uma perseguição maior, sobretudo daqueles que usam PowerPoint” – numa referência à equipe da Operação Lava-Jato. A plateia, mais uma vez, reage com aplausos e ruídos de indignação. Sentindo dominar a plateia, Romano não hesita em encerrar seu colóquio avisando que não é dramático, mas que “o que está havendo é um genocídio programado” por forças fascistas (faxistas, na pronúncia dele).
Começam as rodadas de perguntas, mas as questões formuladas só ecoam as falas dos participantes, com a exaltação de ações afirmativas e o tom catastrofista dos que temem a privatização das universidades. Mais pessoas deixam o auditório quando Romano diz que preferia que a Unicamp só tivesse alunos do MST e que alunos de classe média deveriam “pensar três vezes antes de roubar equipamentos do laboratório para comprar crack”.
O evento termina e, em grupos, as pessoas comentam o debate. Um grupinho, aparentemente de professores, critica entre risos o discurso de Angileli. “Ficar falando de problemas menores da universidade? Que absurdo”.
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