Apesar da oposição de alguns docentes, a Universidade de Harvard manterá uma política controversa iniciada em 2016 e que pune estudantes de graduação que participam de fraternidades, irmandades e outras organizações sociais de um único sexo, conforme anunciado por representantes da universidade no começo do mês.
A decisão foi anunciada pelo presidente da instituição, Drew Faust, e pelo associado sênior da Harvard Corporation, Bill Lee, em uma reunião de docentes e em uma declaração enviada para a comunidade universitária. Eles disseram que a política – que impede estudantes que participam de tais organizações de conseguirem papeis de liderança em equipes esportivas e organizações estudantis reconhecidas por Harvard – ajudaria a promover a igualdade de gênero no campus.
Estudantes da turma de 2017 e matriculados depois deste ano letivo que participarem desses grupos não poderão receber cartas de recomendação do reitor de Harvard para oportunidades acadêmicas de elite após a graduação, como a bolsa de estudos Rhodes Scholarship.
Faust e Lee disseram que a cultura da instituição mudou ao longo das últimas décadas e a universidade não pode mais ignorar a participação de estudantes em organizações que não são aprovadas pela instituição e são discriminatórias. Um trecho da declaração diz:
“Não podemos ignorar a responsabilidade que temos em relação às experiências dos nossos estudantes nesses ambientes e o seu efeito na comunidade como um todo. Essas organizações são grande parte de Harvard: elas estão efetivamente no nosso campus, consistem exclusivamente de estudantes e egressos de Harvard e influenciam diretamente o caráter da vida universitária. Acima de tudo, na sua configuração atual, elas impedem a nossa capacidade de oferecer uma experiência educacional totalmente desafiadora e inclusiva para os estudantes diversos que estão atualmente no nosso campus.”
Em uma reunião de docentes em novembro, Harry Lewis, professor de ciência da computação, apresentou uma moção e solicitou um voto em oposição à administração, e pediu uma política que especificaria o impedimento de “castigo, punição ou outra sanção a estudantes” por participarem de “qualquer organização legal”. De acordo com o Harvard Crimson, 130 professores votaram contra a moção, enquanto 90 a apoiaram, demonstrando uma divisão profunda entre o corpo docente.
“Comportamento pernicioso”
Em julho deste ano, um comitê de docentes de Harvard propôs que os estudantes fossem banidos totalmente de participar de fraternidades, irmandades e organizações similares, dizendo que os esforços de impedir “comportamento pernicioso” por alguns membros desses grupos teriam fracassado.
Faust e Lee, entretanto, disseram que o conselho que administra a universidade decidiu manter a atual política, permitindo que os estudantes tomem suas próprias decisões acerca da sua participação nos grupos e enfrentarem as punições.
A declaração diz: “Preservar a escolha e a autonomia também honra as preocupações profundas que escutamos sobre a necessidade de equilibrar interesses competitivos sempre que for possível”.
De acordo com o documento, a política será mantida por cinco anos, e ao final desse período será revisada por seu efeito na vida universitária.
Abaixo, o texto na íntegra do documento de Faust e Lee que foi apresentado ao corpo docente na reunião de dezembro e enviado simultaneamente para a comunidade universitária:
Nos últimos dois anos letivos, esse corpo docente teve uma discussão robusta sobre como a universidade deveria responder às diversas questões apresentadas por organizações sociais não reconhecidas de um único sexo (OSNRUS), incluindo os clubes finais, irmandades e fraternidades. Nós reconhecemos o envolvimento intenso do corpo docente em uma questão que moldará a experiência educacional não acadêmica dos atuais e futuros alunos.
Essas discussões ajudaram tanto a criar um conhecimento maior quanto definir o alcance de opções plausíveis. Agora é hora de decidir o caminho a ser seguido – um caminho que constrói o nosso aprendizado, que estabelece as oportunidades existentes para envolvimento dos docentes e que permite aos estudantes da turma de 2017 a tomada de decisões informadas sobre a sua participação em OSNRUS.
Na reunião de ontem, a corporação, da qual o presidente é membro, identificou a seguinte estrutura para uma decisão:
Primeiro, a universidade deve agir. Os clubes finais, especificamente, são um produto de outra era, uma época em que o corpo estudantil de Harvard era exclusivamente masculino, culturalmente homogêneo e majoritariamente branco e afluente. Hoje, o nosso corpo estudantil é significativamente diferente. Nós tentamos constrangidamente aprovar uma turma que é diversa em muitas dimensões, incluindo gênero, raça e posição socioeconômica.
Walter E. Williams : âà do interesse do sistema educacional deixar os jovens negros em instituições públicas fracassadasâ.#GazetadoPovo via #Educação
Publicado por Gazeta do Povo em Quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
Como esse corpo docente reconheceu, quando apoiou com unanimidade a declaração sobre os benefícios da diversidade, que a diversidade é um ponto central da nossa missão, assim como para a nossa compreensão de um ambiente educacional eficaz em que os estudantes aprendem por meio da exploração das suas diferenças. É essencial para a própria organização da faculdade, que coloca ênfase em uma experiência de graduação residencial onde os estudantes são colocados em residências de modo aleatório como uma forma de maximizar a exposição de cada estudante a pessoas diferentes.
De fato, estamos em meio a um processo legal, além de uma investigação pelo governo dos Estados Unidos, em que estamos defendendo vigorosamente esses compromissos vitais.
Apesar do nosso dever de respeitar a tradição, é incumbente a nós organizar a instituição para o benefício dos nossos alunos atuais e daqueles que virão. Isso exige que nós criemos uma comunidade em que os estudantes tenham uma oportunidade justa de participar de atividades curriculares e extracurriculares independentemente do seu gênero, posição socioeconômica e outros atributos não relacionados a mérito.
Há quem concorde com esse princípio, mas argumente que o impacto de OSNRUS não deveria ser um assunto de interesse da universidade, considerando a situação legal independente das organizações. Nós discordamos. Não podemos ignorar a responsabilidade que temos em relação à experiência dos nossos estudantes nesses ambientes e o seu efeito na comunidade como um todo.
Essas organizações são grande parte de Harvard: elas estão efetivamente no nosso campus, consistem exclusivamente de estudantes e egressos de Harvard e influenciam diretamente o caráter da vida universitária. Acima de tudo, na sua configuração atual, elas impedem a nossa capacidade de oferecer uma experiência educacional totalmente desafiadora e inclusiva para os estudantes diversos que estão atualmente no nosso campus.
Os OSNRUS têm um relacionamento diferente com o campus do que acontecia na geração passada, e não é possível contestar seriamente que o impacto geral é negativo. Houve concordância em relação a isso nas discussões deste corpo docente. Isso foi percebido pelos comitês que visitaram a universidade, assim como pelos comitês universitários, incluindo a Força Tarefa para Prevenção de Assédio Sexual e o Comitê de Funcionários de OSNRUS.
Mais recentemente, o presidente e o vice presidente do Conselho de Graduação, relatando os resultados de uma pesquisa feita com estudantes, concluiu que “a situação atual é insustentável. Os clubes finais são onipresentes e onipotentes. As exterioridades negativas da vida social divisória de Harvard não podem ser ignoradas. A estratificação que muitos desses grupos criam na nossa comunidade é impressionante e o seu impacto é sentido largamente.”
O primeiro princípio da corporação é a necessidade de ação; o segundo é o seguinte: pelo menos como um passo inicial, devemos proceder de modo a oferecer aos estudantes tanto escolha quanto autonomia para trazer mudanças para a cultura do campus.
Isso atende a diversos objetivos. Avança a nossa missão educacional ao pedir aos estudantes que levem em conta os seus próprios valores e as suas responsabilidades como membros de uma comunidade acadêmica. E isso parte de uma premissa de confiança nos nossos alunos para serem participantes ativos em trazer a mudança cultural que os afeta mais diretamente.
Preservar a escolha e a autonomia também honra as preocupações profundas que escutamos sobre a necessidade de equilibrar interesses competitivos sempre que for possível. As tensões entre liberdade e igualdade, entre os direitos individuais e o bem estar da comunidade têm desafiado a sociedade americana há muito tempo e têm sido o foco de grande parte do debate acerca de OSNRUS.
Como um professor de História apontou na reunião de docentes de outubro, “a liberdade de associação aproveitada por alguns dos nossos alunos vem com o custo de excluir a maioria dos nossos alunos dessas associações”.
Finalmente, a corporação enfatizou um terceiro princípio, que ressoa as expectativas antigas desse corpo docente: não devemos nos tornar uma instituição de Sistema Grego, muito menos uma instituição em que essas organizações existem sem supervisão da universidade.
Frente a esses princípios, a corporação, na sua reunião de ontem, votou pela adoção de uma das opções recomendadas pelo Comitê de Funcionários de OSNRUS: que a política atual, adotada em maio de 2016, deve permanecer. Com essa política, os estudantes podem decidir participar de uma OSNRUS e permanecer em uma boa posição. Decisões geralmente têm consequências, como ocorre aqui em relação à elegibilidade dos estudantes para apoio da reitoria e posições de liderança financiadas por recursos institucionais.
A política não castiga ou pune os estudantes; em vez disso, reconhece que os estudantes que servem como líderes da nossa comunidade deveriam ser exemplos das características não discriminatórias e da inclusividade que são tão importantes no nosso campus. Enfim, os estudantes têm a liberdade de decidirem o que é mais importante para eles: participação em uma organização que faz discriminação por gênero ou acesso a esses privilégios e recursos.
O processo de fazer esses tipos de julgamentos, a luta para se definirem, definirem a sua identidade, e as responsabilidades frente à comunidade geral são uma parte valiosa do crescimento pessoal e autoexploração que buscamos para os nossos estudantes. As OSNRUS, por outro lado, têm a escolha se tornarem mistas e assim proporcionarem aos seus membros acesso total a todos os privilégios institucionais.
Ao dar continuidade à política existente, a corporação reconhece que o seu foco mais direto é eliminar a alocação de oportunidades sociais com base em gênero – e que outras preocupações identificadas pelo Comitê de Funcionários de OSNRUS, incluindo outras formas de práticas exclusivas, podem não ser totalmente resolvidas. Nós levamos essas preocupações a sério.
Seguimos na esperança de que a política existente será um catalisador poderoso de mudança. Para as OSNRUS que eliminarem as práticas exclusivas de gênero, uma associação mais inclusiva pode diminuir o seu impacto negativo no campus. Até mesmo para as OSNRUS que resistirem ao nosso pedido de aumento das oportunidades para todo o nosso corpo estudantil, as discussões dos últimos dois anos podem incentivá-las a adotar práticas que limitam o seu impacto.
Processos seletivos abertos e o fim de festas públicas podem ser passos positivos nessa direção, e pedimos às organizações que adotem essas práticas. A mudança também pode vir do corpo estudantil, com a atenção atual direcionada às OSNRUS e à política, que faça com que os estudantes pensem seriamente sobre a sua relação com essas organizações. Se um número suficiente de estudantes fizer escolhas diferentes, mudanças culturais se sucederão.
Ainda assim, reconhecemos que a política atual pode não ser efetiva na resolução de todos os aspectos dos problemas identificados por meio do trabalho cuidadoso realizado pelos comitês nos últimos anos. A Corporação votou explicitamente pela revisão da política após cinco anos e que o relatório resultante seja apresentado e discutido pelo corpo docente. O presidente deliberou com os sub-reitores do corpo docente e da faculdade, que consultará o Comitê de Vida Estudantil para garantir que a faculdade tenha uma compreensão contínua da evolução da experiência universitária frente à nova política.
A faculdade espera consultar o comitê para que, como parte da sua responsabilidade, faça relatórios provisórios periódicos para o corpo docente e para os sub-reitores. Também incentivamos os membros do corpo docente a permanecerem envolvidos nas questões que afetam a qualidade da vida universitária e compartilharem suas ideias e observações com o comitê e os sub-reitores.
É igualmente importante para a universidade que continue os seus investimentos e incentive o retorno da vida social dos estudantes para espaços detidos por Harvard. Muito desse trabalho está sendo realizado por meio da renovação de moradias e criação de um novo espaço estudantil no reformado Smith Campus Center, com abertura programada para o começo do próximo ano letivo. Financiada parcialmente por recursos presidenciais, a faculdade também expandiu drasticamente a sua programação social – incluindo o aumento de recursos financeiros disponíveis para os estudantes, por meio dos seus Comitês de Moradia, Conselho Estudantil e Conselho Intramural, realizarem eventos administrados pelos estudantes.
O presidente se comprometeu em oferecer recursos adicionais para ajudar a financiar os esforços contínuos da universidade nessa área para este ano letivo. Também reconhecemos as preocupações expressadas pelas estudantes mulheres sobre as deficiências do ambiente social do campus que levaram muitas delas a buscarem participação em irmandades. A universidade está comprometida em continuar o trabalho necessário para resolver essas questões de modo consistente com a nossa missão educacional maior.
Queremos falar sobre o papel desempenhado pela corporação nesta decisão. As questões levantadas pelas OSNRUS implicam uma série de interesses institucionais fundamentais. Todas as opções consideradas, incluindo manter a situação atual, apresentaram um conjunto de considerações legais que requereram consulta a advogados. Opções diferentes tiveram implicações diferentes de recursos.
O modo como procedemos tem sido um tópico de interesse entre egressos, com os quais os membros da corporação se envolvem regularmente nos seus papeis institucionais. Finalmente, e talvez principalmente, a decisão se refere à responsabilidade da universidade em atender as necessidades não acadêmicas do seu corpo estudantil e definir o caráter fundamental da própria universidade.
A Universidade está matando a criatividade, mas deveria encontrar formas de incentivá-la //bit.ly/2oojlAs
Publicado por Ideias em Sábado, 16 de dezembro de 2017
Cada uma dessas considerações implica em responsabilidades fiduciárias no conselho – e mais do que isso, nesse momento de transição presidencial, quando a comunidade tem interesse em se assegurar de que a decisão anunciada hoje não é contingente ao ocupante atual do Massachusetts Hall.
Queremos encerrar expressando o nosso profundo agradecimento pelo trabalho do Comitê de Funcionários de OSNRUS, do Comitê de Implementação, do corpo docente como um todo e dos nossos estudantes pela sua atenção profunda a essa questão. Por meio do seu esforço coletivo, desenvolvemos uma compreensão maior da complexidade das questões apresentadas pelas OSNRUS.
A corporação foi educada por esse trabalho, como está refletido na decisão de adotar uma das recomendações apresentadas pelo Comitê de Funcionários de OSNRUS. Queremos agradecer especificamente os estudantes que, por meio da sua liderança, já trouxeram mudanças que levaram ao progresso de uma vida social mais inclusiva em Harvard.
O Comitê de Funcionários de OSNRUS apontou que “para Harvard aproveitar totalmente os benefícios da diversidade [do corpo estudantil], a atenção à inclusão é essencial. Devemos dar passos que garantam que todos os estudantes possam ter sucesso em um ambiente saudável”. É nesse sentido que a corporação tomou a decisão anunciada hoje e que pedimos que a universidade avalie a experiência universitária nos próximos anos.
*Valerie Strauss é repórter de educação e escreve o blog Answer Sheet.
Tradução: Andressa Muniz