“Prepare-se para a quinta revolução industrial”. É este o alerta feito com insistência pelo consultor de educação tecnológica Vanderlei Martinianos, diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Neurociência Aplicada (IRDNA), na França. Martinianos se apresenta como futurista da educação e discute em eventos internacionais como a humanidade pode se preparar para o que ele prega ser uma forte transformação nos processos de ensino e aprendizagem. O pesquisador está envolvido na criação do Instituto de Pesquisa Aplicada em Neuroeducação (Ipane) no Rio de Janeiro, prevista para 2018, paralelamente à criação de uma unidade da Faculdade 42 (nos moldes da École 42, de Paris), um espaço de estudos gratuito, sem professor, sem provas, que não emite certificado de conclusão e com um teste seletivo para o ingresso baseado em padrões cerebrais e desempenho lógico. Em entrevista durante a 23ª edição da Bett Brasil Educar, que ocorreu em São Paulo de 18 a 21 de maio, o pesquisador conversou com a reportagem da Gazeta do Povo sobre o que podemos esperar da educação do futuro.
Você vai poder aprender com um holograma que se materialize diante dos seus olhos, um professor virtual ou androide, uma figura virtual na tela capaz de ensinar o que desejar dia ou noite.
O que é ser um futurista da educação?
Trata-se de um profissional que une duas competências, dedicado e focado em processos educativos e que segue as premissas do movimento internacional de futuristas.
Futuristas são pessoas preocupadas com questões do amanhã e que esboçam cenários possíveis, pensando em diversas possibilidades baseadas nas ações do presente. Aqui no Brasil ainda é tímido o movimento futurista, mas ao olhar para EUA, Canadá, Europa, especialmente Itália e França, onde há diversos núcleos de composição futurista, essa temática se torna mais evidente. Obviamente o futurismo francês tem uma linha de ação oposta ao futurismo americano, que de forma geral trabalha na linha tecnológica, sendo que os europeus são mais preocupados com a questão social, em especial a França com a prospectiva de Michel Godet.
Eu particularmente, apesar de viver na França, tenho uma boa inclinação no movimento futurista dos EUA, especialmente com uma organização chamada Humanity Plus, que é composta de diversos cientistas e filósofos ligados ao atual engenheiro-chefe da Google, Ray Kurzweil, principal incentivador e líder do movimento denominado transumanista. Na França, este movimento se chama tecnoprogressismo.
Você lidera as iniciativas para trazer para o Brasil um curso de Engenharia das tecnologias educativas, como será a atuação desse profissional?
É um profissional que tem formação ampla e focada na resolução de problemas complexos em educação. Entre as competências necessárias para essa atuação estão conhecimento em tecnologias em educação, a gestão estratégica e estruturada de projetos, a habilidades de lidar com recursos humanos e com a compreensão dos processos cognitivos do homem, em especial a neuroeducação, domínio de pelo menos dois idiomas e a compreensão da aplicação das pedagogias inovadoras para uma educação que esteja em consonância com o século 21. É primordial que este novo profissional acompanhe a evolução das diversas tecnologias observadas pelo movimento futurista, as implicações da tecnologia na educação e a direta relação da mesma com a “Lei de Moore” (Gordon Earl Moore, co-fundador da Intel Corporation).
Infelizmente esse é um movimento que exclui boa parte da população, que tende a ser engolida por processos tecnológicos agressivos, caso não se prepare desde já.
Como a lei de Moore impacta a educação?
Segundo esta Lei, publicada em uma revista científica americana na década de 1960, os dispositivos eletrônicos passarão a ficar a cada dois anos em média duas vezes mais velozes, 50% mais baratos e cada vez menores. Essa lei rege todo o mercado de informática na atualidade, e é observada pelas grandes empresas do grupo GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon), pois por meio de sua aplicação consegue-se prever com exatidão as tendências tecnológicas. Por exemplo, você consegue saber que em 2020 um computador terá uma performance x, um preço y e uma velocidade z, e neste mesmo raciocínio como serão os computadores em 2040 até que esta Lei tenha o seu fim e entremos em um novo paradigma computacional, que será o da Computação Quântica. Segundo Kurzweil, do Google, que desenvolveu a “Lei dos Retornos Acelerados”, uma extensão da Lei de Moore, as máquinas serão mais inteligentes do que homem e entrarão em competição com eles. Trazendo o conceito da física da singularidade para a educação, as máquinas não só serão mais inteligentes que os homens, como não precisarão deles para aprenderem.
A educação tenderá a não fazer parte mais de conglomerados educativos que temos hoje, a tendência é que essas empresas de tecnologia dominem a educação, deixando Harvard ou outros conglomerados para trás ou os fazendo se sentirem obsoletos
Há exemplos de instituições escolares que já estejam se direcionando para fazer uso dessa tecnologia avançada?
Praticamente a totalidade das escolas está fora do processo para um tempo regido por computadores que irão competir em inteligência com os homens. Só ficarão de pé as que fizerem a completa revisão de processos educativos, será um tempo de grandes oportunidades e riscos. Esse é o papel quase “evangelístico” de ser futurista da educação, alertando o setor educacional para que esse novo momento seja o mais democrático possível. Infelizmente esse é um movimento que exclui boa parte da população, que tende a ser engolida por processos tecnológicos agressivos, caso não se prepare desde já. Mas se tivemos cuidados em criar consciência, entender, participar das discussões e demandar de nossos representantes que se legisle apropriadamente no Congresso, podemos ser atores ativos nesse processo quase massacrante da era educativa de base tecnológica.
O que vê de positivo e negativo nesse cenário?
Como aspecto negativo nesse processo de exclusão haverá eliminação em massa de empregos e um processo recessivo que abalará as economias mundiais, segundo a previsão de diversos economistas. Por outro lado, pensando na era onde computadores serão os professores do homem, ensinando-os diversos assuntos por meio da inteligência artificial, viveremos em breve um tempo onde será possível termos de forma instantânea uma análise da sondas cerebrais e de nossas sinapses, recebendo avaliação por meio de softwares e dispositivos, como relógios ou óculos inteligentes com sensores ultrasensíveis, sobre como está nosso foco mental em um determinado dia, ou se estamos retendo e aprendendo de fato no ambiente que estivermos inseridos. O diagnóstico do aprendizado será instantâneo, “on demand”. Hoje temos um relógio de pulso que conta quantos passos a pessoa deu, se caiu, quanto dormiu ou calorias que consumiu. Teremos um que saberá quanto a pessoa leu, o que reteve de informações e o quanto da capacidade do cérebro se está usando, por exemplo.
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Leia a matéria completaEssa mudança de paradigma poderia ser prevista para quando?
Passamos desde 1750 por revoluções industriais e hoje vivemos a quarta grande revolução, na área da Saúde, envolvendo Medicina, Biotecnologia, Nanotecnologia, Genética. Após ela ganhar amadurecimento, entraremos, segundo minhas previsões no campo da engenharia das tecnologias educativas, na quinta grande revolução da humanidade, onde a educação e os processos cognitivos serão as questões centrais. Há 40 anos atrás, um computador tinha poder de processamento de uma calculadora simples de bolso e ocupava o tamanho de um quarteirão inteiro, custando bilhões de dólares. Teremos máquinas mais inteligentes que um homem a partir de 2025 e, em 2045, um dispositivo de celular, se existir nesse formato de hoje, terá mais inteligência que todos os cérebros da humanidade, ou seja, mais do que os 9 bilhões de pessoas que existirão em 2045. Computadores superpotentes caberão em nossa corrente sanguínea e o uso de chips integrados ao corpo será uma realidade. Hoje a capacidade de processamento das máquinas é equivalente à capacidade cerebral de um rato ou macaco, e mesmo assim já temos computadores extremamente inteligentes como o IBM Watson, que já na atualidade pode responder qualquer tipo de pergunta na área de Medicina, Finanças e que leu todo o conteúdo da Wikipédia. Ninguém poderá competir com uma máquina nesta proporção, nem os superinteligentes humanos. Perdemos esta batalha para a velocidade de processamento e capacidade de lidar com grandes quantidades de dados das máquinas e teremos de nos adaptar a esta nova realidade. Na prática, isso nos faz entender que se hoje a educação em uma inteligência artificial embrionária já consegue responder a qualquer tipo de pergunta como o Watson faz, o papel do professor que conhecemos hoje não fará mais sentido.
O que se pode esperar de um professor no futuro?
Ele vai assumir novas funções, vai adentrar muito mais nas questões de neurociência e os neurocientistas passarão e entender muito mais de educação. A velocidade e a inteligência das máquinas farão com que as pessoas não precisem ir à escola aprender com professor. Você vai poder aprender com um holograma que se materialize diante dos seus olhos, um professor virtual ou androide, uma figura virtual na tela capaz de ensinar o que desejar dia ou noite. O espaço escolar será mais para uma questão humana de se socializar, criar tarefas em equipe, mas não para adquirir conhecimento. Colocar laboratório de informática em escolas da atualidade sem pensar nesse futuro é como jogar um balde de água doce no mar, o resultado será nulo.
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Leia a matéria completaO mundo do qual conhecemos vai sofrer uma ruptura abrupta muito forte, teremos um batalhão de excluídos digitais que serão os novos alienados da tecnologia no final deste século. Como o mundo atual é basicamente regido por tecnologias, e a educação depende delas cada vez mais, é claro que a educação passará a ser papel delegado basicamente a máquinas, por causa do desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial (área da informática que busca por meio de processos de softwares dar a máquinas inteligência similar à humana). Veremos a entrada massiva das empresas como Google, Apple, Amazon e Facebook dentro do processo educativo, massacrando conglomerados educativos tradicionais e seculares. Teremos uma educação virtual, disponível na nuvem, gratuita e bilíngue ou multilíngue e que também faça sentido para culturas locais.
A educação será regida pelas tecnologias de velocidade exponencial: Nanotecnologia, Biotecnologia, Tecnologia da Informação, e Ciência do Cérebro (chamadas de NBIC) terão papel crucial nas escolas do futuro. A educação tenderá a não fazer parte mais de conglomerados educativos que temos hoje, a tendência é que essas empresas de tecnologia dominem a educação, deixando Harvard ou outros conglomerados para trás ou os fazendo se sentirem obsoletos. Veremos novos mercados bilionários emergirem para suprir as demandas desta nova era em educação. Todos os países desenvolvidos estão aplicando capital e pesquisa em inteligência artificial e apostando nestas mudanças escolares. Dessas pesquisas é possível que seja desenvolvido um sistema dez vezes melhor que o que temos de mais avançado na atualidade e fazer o IBM Watson obsoleto, acelerando ainda mais todo este processo. A tecnologia nos surpreenderá muito.
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