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Homeschoolers não se socializam? Mães contam experiências
| Foto: Isabelle Barone

“Com quem meu filho fará amizade?”.

Essa é uma das principais preocupações de pais que desejam educar os filhos em casa, o chamado homeschooling. Com Cibele Scandelari não foi diferente. Formada em Comunicação Social e Pedagogia, ao tirar as filhas da escola, ela temia afastá-las do convívio social e se questionava como iria fazer para que as pequenas criassem, espontaneamente, laços de amizade.

Para os críticos, não existe garantia de interação social e presença de pluralidade de ideias no ensino em casa, já que é comum considerar que famílias tendem a se aproximar de outras que tenham valores semelhantes. É diferente de uma instituição escolar, onde a convivência geralmente se dá entre perfis diversos.

Homeschoolers também costumam ser rotulados como “antissociais”, que "ficam trancados em casa” ou que não são capazes até de “fazer contato visual” com os outros.

Os exemplos a seguir revelam, no entanto, que essa, muitas vezes, pode não ser a verdade. Embora existam exceções e se perca a oportunidade de estar em um microcosmos peculiar, que é a escola (como se verá no fim da reportagem), crianças em ensino domiciliar demonstram ser amigáveis, abertas, capazes de se relacionar com pessoas de diferentes idades e, em grande medida, maduras e inteligentes.

Convivência não é exclusiva da escola

Nas palavras do consultor de pais homeschoolers, Marcelo Aguiar, ex-secretário da Educação do Distrito Federal, já "não vivemos mais em uma sociedade que tem a escola como ambiente exclusivo de sociabilização". Pelo contrário, ele lembra que, atualmente, é possível contar com outros meios. "A escola, sem dúvida alguma, ocupa um papel importante neste processo, mas não é o único agente. Estar fora dela não significa entrar em uma bolha", defende.

Além disso, é fato que alguns pais necessitam colocar os filhos em atividades complementares à escola, para que criem laços. Sinal de que a instituição formal de ensino pode falhar em prover um ambiente propício ao convívio social.

Mas, antes de testar o homeschooling, qual a garantia de sucesso? Foi assim que pensou Cibele. “É normal ter medo do que é diferente. A primeira vez que pensei no ensino domiciliar, vieram à minha cabeça lembranças de escola, pois foi o que vivi", conta, e confessa: "Eu achava que era ela [escola] quem fazia esse processo de convivência, tinha medo e me questionava ‘como vou fazer isso, será que vou conseguir?’”.

Após perceber, porém, que ela e seu marido também eram protagonistas da sociabilização dos filhos, decidiram se empenhar ainda mais "nessa empreitada, faça chuva ou faça sol". "Prover a oportunidade de a criança ter amizade depende de nós [pais] também", diz.

Cibele e suas filhas em encontro de famílias homeschoolers, em Curitiba.
Cibele e suas filhas em encontro de famílias homeschoolers, em Curitiba.| Isabelle Barone

Além disso, ela chegou à conclusão de que, na verdade, "é muito mais fácil colocar a criança em uma escola e descansar achando que dali sairão laços de amizade”.

No caso do homeschooling, não adianta apenas "ir ao parque", frisa a mãe. Cibele insiste que prover um ambiente de sociabilização envolve ainda frequentar clubes, praticar esportes, atividades extracurriculares, etc. "Não queremos que nossos filhos tenham convivências esporádicas, queremos que eles tenham amizades verdadeiras", insiste.

Além da tentativa de diversificar atividades, porém, pais ponderam para não "sufocar" filhos com atenções exageradas. "O espaço não é sempre o mesmo, é bem diversificado, e não tem o mesmo formato da socialização escolar. Mas, no meu ponto de vista, é uma socialização mais rica, que não está submetida aos vícios e problemas da escola, como o bullying, por exemplo”, diz Kelli Gottemf, mãe homeschooler. “Mas é uma coisa leve, nós não ficamos sufocando as crianças com mil cuidados”.

Família integrada

Muitas famílias optam pelo ensino em casa por não terem encontrado excelência na educação oferecida pela escola. As famílias entrevistadas para essa reportagem afirmam que a prática trouxe ainda outras vantagens, como o estreitamento dos laços familiares, o amadurecimento pessoal e aprimoramento do caráter, além do distanciamento de hábitos que podem ser nocivos (como o já citado bullying) e fazem parte do ambiente escolar.

Antes de estudar em casa, as filhas de Cibele, por exemplo, disputavam a atenção dos pais, como se fossem "adversárias". “A qualidade dos vínculos agora é muito superior. Minhas filhas, quando iam à escola, competiam muito pela nossa atenção. Não viam a irmã como um par, mas como uma adversária", conta. “Agora são muito mais integradas, cooperam, se cuidam e, além disso, são amigas de todo mundo”.

A "liberdade de ralar o joelho"

Na opinião das mães entrevistadas, o homeschooling também ajuda as crianças a adquirir a maturidade esperada em cada idade. Para Cibele, isso é resultado de dois comportamentos normais nas famílias saudáveis: 1) a "liberdade de ralar o joelho", sem muitos dramas, e 2) a imitação que os filhos fazem naturalmente dos bons exemplos dos pais.

“Os pais, hoje em dia, não deixam as crianças ralarem o joelho. Dar 'autonomia' leva as crianças a observarem a realidade e agir. Mas isso leva um tempo, é claro”, diz ela. “A questão de serem maduras, na maioria das vezes, é resultado daquilo que veem em casa. Quando as crianças têm a oportunidade de vivenciar essa liberdade, eles observam os mais velhos e vão imitando. Por isso que o exemplo precisa ser bom”, lembra, algo exigente para os pais.

Leia também: Homeschooling é para todos? Saiba quando ele pode ser uma boa escolha

As mães veem também como vantagem o fato de que crianças homeschoolers convivem com pessoas de diferentes idades e não a maior parte do tempo com os seus “pares”, como ocorre na escola.

Crianças homeschoolers de diferentes idades interagem durante brincadeira.
Crianças homeschoolers de diferentes idades interagem durante brincadeira.| Isabelle Barone

Kelli acredita que seus filhos, como interagem com pessoas de diferentes idades, se relacionam de "modo orgânico", sem mediação ou modelos e, portanto, de forma mais natural. "Na escola, grande parte das atividades são mediadas por um adulto. A socialização no homeschooling, na verdade, tem possibilidades mais amplas”, ela defende.

A mãe observa também que pais que colocam filhos na escola, em alguns casos, podem perder influência sobre eles. "Mas se passam tempo suficiente com a família e os pais conseguem dar bons exemplos, o resultado é mais eficaz. Pais homeschoolers são mais propícios a não transferir essa responsabilidade a outros. E isso é uma vantagem", diz.

"Nada substitui a escola"

No início do ano, quando o governo ainda discutia regulamentar a prática através de Medida Provisória, Luiz Antonio Tozi, ex-secretário executivo do Ministério da Educação (MEC), deixou clara sua opinião em relação ao homeschooling: "Não substitui a escola, mas complementa o processo educacional".

Maria Celi Vasconcelos, doutora em Educação pela PUCSP e pesquisadora na área de História da Educação, que acompanhou 13 famílias de Portugal, na Europa, concorda. Para ela, a instituição formal de ensino é uma espécie de microcosmos, um ensaio das práticas que se dão no mundo, e não há nada, até agora, que possa substituí-la.

"Na escola se tem um convívio com a diferença e multiplicidades, ela é multifacetária à medida que reflete a sociedade em seu multiculturalismo", defende. "No homeschooling, não existem alternativas ao que ocorre lá, pois qualquer atividade que as famílias utilizam são mediadas pelos pais. A escola, por outro lado, não é programada, o quotidiano é natural. As relações acontecem no dia a dia. As situações vão se colocando, aparecendo, e as pessoas vão tendo que resolver as questões. Não podemos negar isso, nada a substitui. Dizer isso é querer suplantar paradigmas".

A convivência na escola, segundo ela, proporciona aos alunos elementos para sua própria convivência no mundo, à medida que se aprende sobre diferenças e se convive com os outros. "Isso, às vezes, deixa marcas, mas que são importantes", diz.

Privar os filhos desse ambiente, aconselha a pesquisadora, exige procurar outros locais de sociabilização. "Não sei se um encontro de família, por exemplo, substitui esse movimento", pondera.

"Estamos no início de um século falando de algo que, para nós, ainda é muito recente [ainda que seja uma prática frequente em outros países]. Não sabemos como, historicamente, o homem do final dos século 21 vai nos julgar”, explica. "É difícil avaliar os bônus que a desescolarização pode causar nesse momento. Mas também é difícil fazer uma crítica absoluta olhando apenas a questão da socialização. Pois esse ambiente tecnológico permite muitas formas de socialização", conclui.

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