A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acredita que o ensino domiciliar será aprovado no Brasil até novembro deste ano. Segundo ela, o projeto está bem encaminhado na Comissão de Educação da Câmara e deve passar facilmente pelos dois crivos seguintes, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e do Plenário do Senado.
A ideia é que o Projeto de Lei 2.401/2019 apresentado pelo governo em abril deste ano seja anexado e tramitado em conjunto com dois outros projetos semelhantes, que já estavam em andamento na Comissão de Educação da Câmara sob a relatoria da deputada Professora Dorinha (DEM-TO). Com isso, a ministra espera acelerar a aprovação.
No fim de agosto, Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, pediu a abertura de uma ação por improbidade administrativa contra Damares, depois que seu ministério orientou conselhos tutelares a não registrarem casos de homeschooling como evasão escolar.
No último dia 5, a pasta de Damares publicou um ofício esclarecendo a orientação dada aos conselhos.
A mesma procuradora federal já havia entrado em outros conflitos com a ministra. Em março, pediu explicações sobre o esvaziamento de conselhos do ministério de Damares. Em maio, criticou uma indicação feita pela ministra de Aílton Benedito de Souza, procurador do Ministério Público Federal em Goiás, para membro da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
"Tenho um servidor aqui que fica só respondendo às interpelações, requerimentos e ações que ela está propondo contra mim", reclamou Damares em entrevista à Gazeta do Povo. Confira na íntegra.
A senhora encaminhou uma orientação aos conselhos tutelares para não registrarem casos de homeschooling como abandono escolar. Depois, voltou atrás e disse que a matéria precisava ser anulada. Por que fez isso?
Não voltei atrás. Não fui eu que fiz a nota oficial, quem fez foi a secretária da Criança e do Adolescente. Não havia ali uma ordem expressa para deixar de investigar e fiscalizar. A orientação ali era que, no caso do homeschooling, está tramitando uma matéria no Congresso com a expectativa de aprovação imediata.
O Supremo Tribunal Federal [que, no ano passado, definiu que "não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira"] não disse "está errado, não faz", apenas devolveu a matéria ao Congresso. Aí, houve uma pressão, e a Secretaria [da Criança e do Adolescente] emitiu uma segunda nota dizendo "atenção, nós não estamos dizendo para não fiscalizar". A segunda nota foi um esclarecimento da primeira, mas ninguém voltou atrás. Nós temos posição firmada com relação ao homeschooling. Enquanto não libera, é claro que os pais são obrigados a matricular as crianças em escola.
Pessoalmente, o que a senhora acha do homeschooling?
É uma modalidade de ensino já praticada em outros lugares do mundo com sucesso. Hoje, com a globalização, não tem como o Brasil ficar fora disso. Nós já temos no Brasil o trabalho remoto. Se já existe isso, por que nós não podemos deixar essa pessoa que trabalha de forma remota morar, por exemplo, na zona rural e oferecer educação domiciliar para o seu filho? É uma questão de estar no mesmo pé de igualdade dos países desenvolvidos que já praticam o ensino domiciliar.
Algumas categorias profissionais têm nos procurado muito. O homeschooling vai atender ao pedido de algumas categorias. Vou citar uma que uso muito como exemplo: os servidores do Itamaraty.
Esses servidores – não estou falando de diplomata ou embaixador, falo da chancelaria –, quando eles forem mandados para países como a China, para ficar três anos, levando os filhos, não vão colocar os filhos numa escola chinesa. Não se aprende mandarim em três anos. Aí, quando eles chegam à China, procuram uma escola internacional que ensine em inglês, francês ou português. As escolas internacionais são caríssimas, a exemplo de uma escola internacional no Brasil. Esses servidores falam que, em países como China e Japão, estavam gastando mais de 65% do salário com o pagamento de escola.
Se eles tivessem a oportunidade de fazer o homeschooling, levassem o material didático, e os filhos deles só viessem ao Brasil para fazer a prova, para eles, seria uma bênção. Eles poderiam dar lá no país onde estão trabalhando melhor qualidade de vida para os filhos. Mas, infelizmente, por conta disso [da falta de regulamentação], nós temos servidores que viajam e deixam a família para trás.
Algumas categorias profissionais têm entendido a necessidade do ensino domiciliar. Creio que [o homeschooling] é um apelo da sociedade, das famílias, e não dá mais para a gente não escutar esse apelo. A matéria já está muito bem debatida no Congresso, com mais de 26 anos de debate. Creio que isso vai ser ofertado logo, nos próximos meses, se Deus quiser, para a sociedade.
A regulamentação será fácil?
Muito fácil. Talvez a diferença entre nós e outros países que já aplicam seja a dimensão territorial. Mas, se você observar, as famílias que estão pedindo o homeschooling têm condições de atender os critérios de ensino exigidos.
Muita gente acha que o homeschooling vai ser uma modalidade obrigatória. Não. Ela está na carteira do ministério. Quem quiser, adere. Quem não quiser, não adere. Por exemplo, com a vida corrida que eu tenho, se eu tivesse filho em idade escolar, eu não ia querer o homeschooling. Não teria tempo de gerenciar o conteúdo didático. É uma modalidade para a família que precisa e quer.
Por incrível que pareça, um tipo de família que tem procurado muito essa modalidade é a família de crianças com autismo. Nem todo autista fica bem numa escola. Nós recebemos aqui [no ministério], na semana passada, um menino autista. Ele é extremamente sociável e encantou todo mundo aqui, mas não pode ter contato com muito barulho. Imagina uma criança dessa numa escola comum. Essa criança vai sofrer muito.
Com o homeschooling, essa criança vai ser educada em casa e só vai à escola para fazer prova. Há muitas mães de crianças com deficiência que estão sendo obrigadas a matricular seus filhos na escola e têm tido mais sofrimento do que bênção.
O homeschooling está aí. Não dá para a gente dizer que não há uma demanda. Há uma necessidade, e muita gente vai ser beneficiada com isso.
Por que o homeschooling é uma pauta do Ministério dos Direitos Humanos, e não do Ministério da Educação?
Aqui não é só o Ministério dos Direitos Humanos, não. Olha o nome completo do ministério: da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Nós estamos atendendo a isso como pauta da família. É a família brasileira que está pedindo a liberdade de escolher a modalidade de ensino dos seus filhos.
A senhora se considera perseguida pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat?
Eu acho que a procuradora deve torcer para o Fluminense e descobriu que eu sou corintiana. [A brincadeira da ministra é uma referência ao jogo do Brasileirão que ocorre neste domingo (15) entre Fluminense e Corinthians, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde ela e Deborah residem atualmente.] Só pode ser, cara. Ou, numa outra encarnação, nós éramos inimigas, não sei. Não consigo entender esse amor que ela tem por mim. É um amor que eu vou te contar! Às vezes eu acho que virou uma questão pessoal.
Por incrível que pareça, eu tenho uma admiração muito grande por ela. Eu a considero uma mulher extremamente inteligente, aguerrida, e ela acredita no que está fazendo. Mas me deixe trabalhar, cara! Sabia que eu tenho um servidor aqui que fica só respondendo às interpelações, requerimentos e ações que ela está propondo contra mim. Não sei, não sei o que acontece ali, não.
Eu acho que já virou uma questão pessoal. Ou então ela [ Deborah Duprat] faz parte desse movimento de resistência que precisa resistir para que o governo Bolsonaro não dê certo. Até mesmo na escolha do meu servidor ela se envolve. Se eu demito uma pessoa, ela se envolve. Se mudo a Comissão de Mortos e Desaparecidos, ela se envolve. Se mudo o conselho, ela se envolve. Tudo!
Esses dias eu queria colocar um quadro aqui na minha sala – ganhei um quadro com flores muito bonito – e ia perguntar a ela se podia colocar o quadro aqui na sala. Eu estou falando sério! E pode colocar isso na matéria.
Parece que o Projeto de Lei do homeschooling está parado no Congresso. A senhora acha que vai haver algum avanço ainda neste ano?
Vai. Hoje eu tive uma reunião extraordinária com a deputada relatora da matéria e outros parlamentares. Nós temos que lembrar que nós temos um projeto de autoria do governo, mas já estão tramitando no Congresso dois outros projetos de lei, e já temos relatoria nos outros projetos. A gente gostaria muito que a relatora desses dois outros projetos, que é uma educadora extraordinária, a professora Dorinha [deputada pelo DEM-TO], agora fosse relatora dos três projetos. A tendência, conforme conversamos aqui hoje, é que os três projetos fiquem apensados [isto é, sejam tramitados em conjunto] e que ela continue relatora dos três projetos. Quando ela apresentar o voto desses três, é uma questão de 30 dias para isso ser votado na Comissão de Educação [da Câmara]. Depois, ele vai para a Comissão de Constituição e Justiça [(CCJ), do Senado]. E ele não precisa ir para o Plenário [da Câmara]. Passando na CCJ, já segue para o Senado. No Senado, o ambiente é muito favorável. Acreditamos que, passando pela Câmara, conseguimos avançar. Nós temos a expectativa de que a lei seja aprovada ainda neste ano.
Até novembro?
Eu acredito que sim. Se a gente passar agora, nos próximos 20, 30 dias, na Comissão de Educação, a CCJ só vai discutir sobre constitucionalidade e juridicidade, e o governo é maioria lá. A gente aprova e segue para o Senado. Os senadores têm sido muito coerentes em matérias que dizem respeito à família, têm dado uma atenção muito especial. Eu creio que não vai ser difícil passar pelo Senado, não.
Na semana passada, o presidente diminuiu o Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente]. E, faz algumas semanas, a senhora exonerou uma coordenadora do CNDH [Conselho Nacional de Direitos Humanos]. Há muitos funcionários no seu ministério remanescentes de gestões passadas, inclusive do PT. Esses funcionários têm sido uma pedra no sapato do ministério?
Não. Não. Os servidores que ficaram são muito técnicos. Agora, com relação ao Conanda, eu tenho que dizer o seguinte: a gente precisava repaginar o Conanda seguindo os critérios do decreto anterior que reformulou todos os outros conselhos.
O Conanda era um conselho com 28 membros. Para você ter uma ideia, havia duas cadeiras LGBT, havia a CUT, e muitas instituições que não estão ligadas à pauta da criança e do adolescente. A gente gostaria de ter no Conanda instituições e movimentos que realmente trabalhem com a criança, com os direitos da criança e do adolescente. Foi nesse sentido. Primeiro, diminuir um pouco o número de conselheiros, porque é muito caro marcar reunião, trazer esse povo, é muito caro 28 pessoas. Como a gente está nessa fase de economia e praticidade, nós reformulamos e diminuímos de 28 para 18. E estabelecemos regras de ter instituições que realmente estejam ligadas à pauta da infância. Causou certo desconforto? Causou.
Outra exigência que a gente traz é que as reuniões, agora, não sejam mais mensais, mas trimestrais e, de preferência, por videoconferência. Nós estamos vivendo um momento novo no Brasil. As considerações de conselhos estavam muito ligadas ao passado. Hoje, é tudo muito transparente e tudo muito rápido. Os conselheiros podem se falar por WhatsApp, podem se falar o tempo todo por telefone. Reunir os conselhos uma vez por mês é caro. No Conselho da Mulher, por exemplo, teve reunião que chegou a custar R$ 110 mil por mês.
Hoje, com a tecnologia, não há essa necessidade de reuniões presenciais. A gente propôs o seguinte: quem estiver em Brasília faz reunião presencial e quem estiver fora acompanha por videoconferência. Isso causou certo desconforto.
O maior objetivo do ministério agora é fortalecer os conselhos municipais e estaduais. De que adianta ter um Conanda grande, robusto, reunindo-se uma vez por mês, se eu não tenho conselhos em municípios, se os conselhos dos municípios estão enfraquecidos? O presidente Bolsonaro veio com a seguinte proposta: "mais Brasil, menos Brasília". Nessa linha que a gente trabalhou. Agilidade, praticidade e resultado.
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