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Parece absurdo, mas ainda hoje não é tão difícil achar famílias que praticam educação domiciliar acreditando que está tudo bem com a condição jurídica de sua prática e que, portanto, uma lei sobre o tema só iria atrapalhar. Investigando um pouco, logo se descobre que essa forma de pensar é baseada, quase sempre, em algo que alguém disse em vídeos do YouTube postados antes do julgamento ocorrido no Supremo Tribunal Federal, em 2018.
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Os argumentos são sempre os mesmos: acordos internacionais assinados pelo Brasil, uma interpretação conveniente da Constituição que supostamente embasaria o direito ao homeschooling e uma interpretação relativista da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - aceita por tribunal nenhum. Os defensores dessa tese foram derrotados naquele julgamento, mas seus principais propagadores nunca se esforçaram para esclarecer devidamente a nova situação àqueles seguidores que acabaram por transformar essa teoria numa crença, mudando inclusive sua rotina familiar e os estudos de seus filhos com base nela. Quando se deseja muito acreditar em algo, é fácil ceder ao discurso que reforça a convicção que já se tem, mesmo que não seja verdade.
É bem verdade que há pais zelosos e capazes que tomaram a decisão de aderir à educação domiciliar cientes da insegurança jurídica com a qual teriam de conviver, pois consideram que nada importa mais do que boa formação de seus filhos. Mas também há quem tenha tirado os filhos da escola, mesmo após o julgamento do STF, por acreditar que a educação domiciliar no Brasil estava num “limbo”, e que, mesmo sem lei, essa prática não seria ilegal, pois não há lei que a proíba.
Os produtores dessa simplista conclusão, claro, evitam ao máximo qualquer menção ao fato de que, embora não haja lei que proíba expressamente a educação domiciliar, há lei que obriga matrícula e frequência em escola. Estamos tratando da própria LDB e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na verdade, eles evitam até mesmo a divulgação do texto integral referente àquela decisão do Supremo, pois nele é dito de forma claríssima que “não há direito” à educação domiciliar no Brasil, mas que o mesmo pode ser “criado” por lei.
Por mais desagradáveis e cruéis que tais palavras soem nos ouvidos de quem defende a educação domiciliar - como eu -, elas são o que são: a decisão final da instância máxima da justiça brasileira. Prosseguir crendo numa interpretação alternativa e conveniente pode até aliviar a angústia, mas não trouxe e não trará nenhuma vitória processual a quem ainda alega ter esse direito garantido no Brasil, mesmo sem legislação específica.
Aquela mesma decisão traz a única saída possível para as famílias que desejam educar os filhos em casa, mas sem infringir o ECA e a LDB: a aprovação de uma lei sobre o tema.
Sem lei, todo praticante de homeschooling no Brasil permanece sendo um infrator. Ter consciência dessa terrível realidade é um passo fundamental para lutar pela urgência da regulamentação.
Sem lei, os filhos dos praticantes de homeschooling continuarão sendo cidadãos com menos direitos do que as crianças que frequentam o sistema de educação escolar.
Sem lei, os pais e mães que educam por essa modalidade permanecerão sujeitos ao preconceito e ao medo de serem injustamente denunciados anonimamente, em qualquer momento, por qualquer desafeto, correndo o risco de atrair para si um processo impossível de vencer e que pode sugar por anos os recursos e energias de toda a família.
Praticante de homeschooling que se opõe à lei desconhece a delicada situação na qual está. Quem trabalha para que não haja lei prejudica gravemente milhares de famílias que já adotaram a modalidade, além das muitas outras que aguardam ansiosas pelo direito de educar como gostariam, mas não querem fazer isso na ilegalidade.
*Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com