Ouça este conteúdo
Quem lê o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018, referente à constitucionalidade do ensino domiciliar, logo se depara com termos incomuns nas discussões educacionais mais populares no Brasil. Um deles é unschooling. No texto do Supremo, embora tenha admitido que o homeschooling é compatível com a atual Constituição, sob determinadas condições, o tribunal excluiu de forma definitiva a possibilidade de se praticar legalmente o unschooling em território nacional.
Considero que para entender melhor a que os ministros se referiam é mais fácil explicar primeiro a modalidade de ensino domiciliar que foi considerada constitucional. É por ela que os grupos e associações de família, organizados em várias partes do Brasil, tanto lutam para obter a regulamentação.
Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, relator do acórdão, “a Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças”. Ou seja, enquanto a atual Constituição estiver em vigor, é imprescindível que qualquer forma de educação de crianças envolva a participação, tanto da família, como do Estado.
O acórdão chegou ao ponto de até determinar como deveria ser essa forma de participação estatal: “que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e objetivos do ensino”. A definição usada pelo ministro para essa forma de homeschooling foi a de “utilitarista” e, hoje, é a única possível de ser regulamentada no país.
Quanto ao unschooling, é difícil até mesmo referir-se a ele como modalidade e não existe um conceito único e inquestionável, mas se observa um conjunto de elementos sempre presente entre os defensores da prática. O absoluto repúdio a qualquer tipo de intervenção ou participação estatal na educação dos filhos é uma delas. A partir disso, pode-se deduzir que seria absurdo imaginar grupos organizados de famílias unschoolers conversando com deputados, vereadores e outras autoridades públicas, de modo a obter a aprovação de uma lei que regulamente o que fazem.
Como a própria palavra induz a pensar, é o unschooling – e não o homeschooling – que critica e combate o modelo escolar de educação, opondo-se, por exemplo, à qualquer tipo de currículo a ser seguido ou adesão a métodos pedagógicos preestabelecidos. Em fóruns na internet, não é difícil achar seus militantes mais radicais criticando até mesmo a existência das escolas, acusando-as de massificar consciências, aplicando em seres humanos o processo industrial.
Uma prática comum entre famílias homeschoolers, que é a de comprar material didático das empresas de educação com as quais mais se identificam, seria impensável para quem adere à “desescolarização”. A parceria entre famílias e escolas para fins de medição de aprendizagem, relação comum na maioria das legislações sobre educação em casa no mundo, seria outro exemplo de corrupção aos olhos do unschooling.
Talvez, um bom exemplo para um leigo entender o unschooling venha do cinema. A história retratada no filme Capitão Fantástico, de 2016, encaixa-se com perfeição na descrição feita até aqui. Estrelado por Viggo Mortensen – o Aragorn, de O Senhor dos Anéis - o enredo fala de um casal que decidiu se afastar da sociedade e criar seus seis filhos no meio da mata, comendo o que plantam, caçam ou colhem. Todos são notoriamente bem educados, leem livros avançados, falam idiomas estrangeiros, desenvolvem habilidades físicas dignas de atletas, mas nenhuma instituição dirige o que aprendem. A aquisição do conhecimento acaba sendo “orgânica”.
***
OBS: aos que se interessaram pelo filme, convém destacar que já tratei de outro aspecto da mesma obra no artigo "Esquerda a favor do homeschooling? Eles existem e são mais comuns do que parece”.
*Jônatas Dias Lima é jornalista e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atua junto à Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling. E-mail: jonatasdl@live.com.