Embora menos presente nas manchetes ultimamente, o movimento Black Lives Matter (“Vidas de negros importam”, em tradução livre) continua a crescer. O que começou em 2013 como uma hashtag propagada por alguns ativistas e acadêmicos, rapidamente se transformou numa onda de protestos ao redor do país e, em seguida, numa espécie de “protesto institucional”, com núcleos locais, nos EUA, e até mesmo no exterior. Com financiamento generoso e muita atenção da mídia, a rede BLM tornou-se o principal órgão da esquerda progressista para o ativismo antirracial. Agora, procura consolidar e expandir esse sucesso. Em seu empreendimento mais ambicioso, o grupo foi das ruas às escolas públicas do país.
Isso não chega a surpreender. Como as próprias afirmações do BLM repetidamente deixam claro, o movimento sempre vinculou as acusações de má conduta policial – a razão de sua existência – a uma crítica generalizada aos Estados Unidos.
“A violência do Estado” contra os negros “assume muitas formas”, de acordo com o manifesto “Sobre nós”, da rede do BLM. A primeira medida de uma agenda amplamente divulgada em 2016 exige “um fim imediato à criminalização e à desumanização da juventude negra”, incluindo “o fim das políticas escolares de tolerância zero e prisões de alunos; a retirada da polícia das escolas; a realocação de fundos destinados às práticas disciplinares punitivas e policiais para modelos de ressocialização”. Opal Tometi, fundadora do BLM, encabeça a lista de signatários de uma carta de 2018, instando os professores a apoiar uma “nova revolta pela justiça racial” nas escolas do país.
Nem Tometi, nem os outros dois fundadores do BLM, entretanto, iniciaram a última campanha. Em consonância com o orgulho dos ativistas na descentralização de sua rede – um desvio autoconsciente do perfil hierárquico, de cima para baixo, que eles atribuem ao movimento dos direitos civis –, o novo movimento é como uma operação de franquia, com células locais de sindicalistas e professores.
Professores de pré-escola ao ensino médio, entusiastas do movimento, têm promovido com sucesso o programa “Black Lives Matter na Escola”, levando seu ativismo e sua ideologia a um número crescente de salas de aula do ensino médio e até mesmo do ensino primário.
Dos sindicatos às famílias
Uma figura se destaca: Jesse Hagopian, sindicalista e professor de estudos étnicos do ensino médio em Seattle. Antigo defensor de um maior financiamento das escolas públicas e contrário à realização de testes para avaliar o desempenho dos alunos e a qualidade do ensino, Hagopian ficou conhecido do público em 2011, quando ele e outros manifestantes tentaram tornar a assembleia de deputados de Washington em uma “prisão”, alegando que os legisladores não haviam cumprido um mandato constitucional do estado para financiar as escolas adequadamente.
Para Hagopian, as questões de financiamento das escolas e a aplicação de testes estão relacionadas ao seu principal interesse – o combate ao “racismo institucional” –, uma causa que lhe chamou a atenção, de acordo com seu relato, em virtude de seu trabalho de conclusão de curso em “Estudos de Mídia e Teoria da Crítica Racial” no Macalester College, faculdade de artes liberais notoriamente de esquerda, em St. Paul, no estado de Minnesota.
O evento catalisador para o trabalho de Hagopian com o BLM ocorreu em setembro de 2016. Um grupo local, liderado por um professor, organizou uma demonstração chamada “Black Men Uniting to Change the Narrative” (Homens negros unidos para mudar a narrativa, em tradução livre) na escola primária John Muir, em Seattle. A decisão de professores e funcionários de usar camisetas do BLM como manifestação de solidariedade suscitou críticas o que, por sua vez, levou um subgrupo do sindicato dos professores, Social Equity Educators (SEE), a planejar um evento na cidade, “Dia do Black Lives Matter na Escola”, que foi realizado semanas depois.
O apoio partiu da Seattle Education Association (SEA), da administração do Distrito Escolar de Seattle e da filial local da NAACP. Milhares de camisetas do BLM foram vendidas, e a SEE e a SEA distribuíram materiais de orientação do BLM para professores e pais. De acordo com a organização do evento, no dia designado, 19 de outubro de 2016, “milhares de professores falaram com dezenas de milhares de estudantes e pais de Seattle, com uma mensagem de apoio aos estudantes negros e franca oposição ao racismo”. Os organizadores do evento, os professores Hagopian e Wayne Au, entusiasmaram-se com o apoio institucional e das famílias de Seattle “a uma ação muito politizada pela justiça racial na educação”.
Seattle era só o começo. Wayne Au circulou uma carta que em poucos dias ganhou o apoio de 250 professores universitários em todo o país. O texto de apoio, assinado por Tometi, recebeu assinaturas de grandes nomes da esquerda, como Melissa Harris-Perry e Jonathan Kozol. As notícias do evento de Seattle se espalharam, inspirando grupos de professores na Filadélfia e em Rochester (cidade no estado de Nova York), a planejar atos semelhantes em defesa do BLM – ou, no caso da Filadélfia, uma semana escolar completa dedicada ao BLM, em 2017.
Professores ativistas formaram um comitê nacional e pressionaram a Associação Nacional de Educação a apresentar uma resolução de apoio. Assim foi concebida a “Semana Nacional de Ação BLM na Escola”, a ser realizada anualmente na primeira semana de fevereiro, para inspirar o “Mês da História Negra”. No ano seguinte, distritos escolares em mais de 20 grandes cidades, incluindo Nova York, Chicago, Los Angeles, Washington, D.C., Boston e Seattle incorporaram em seus currículos a Semana BLM na Escola. Em fevereiro deste ano, em meio à publicidade favorável, distritos escolares em mais de 30 cidades e municípios participaram.
Jesse Hagopian, Wayne Au e o professor de educação Dyan Watson fornecem uma descrição pontual dos objetivos do movimento em sua introdução ao Teaching for Black Lives, um livro didático destinado a ser usado nas ações do BML na Escola.
O objetivo, escrevem, é mostrar como os educadores “podem e devem fazer de suas salas de aula e escolas, locais de resistência à supremacia branca e à ‘antinegritude’, e também para conhecer a esperança e a beleza da negritude”.
Essa ambição, afirmam, não pode ser satisfeita em apenas uma semana no ano letivo. Como fica claro nas declarações de princípios e objetivos dos organizadores, bem como na crescente massa de material didático preparada pelos professores (incluindo aulas para todas as séries), a meta é catequisar os alunos da nação, do jardim de infância ao ensino médio, na visão de mundo baseada na visão de raça do BLM.
Perfis como o de Hagopian dão a impressão de tratar-se de um homem sinceramente generoso, dedicado ao bem-estar de seus alunos. No entanto, aqueles que acreditam que ser antirracista, hoje, significa apoiar a agenda do BLM, devem considerar com mais prudência as ideias que o movimento tenta nos fazer aceitar.
Livros didáticos: extremismo com disfarce de bondade
Na declaração What We Believe (“Em que acreditamos”, em tradução livre) que inclui os “13 princípios orientadores” a partir dos quais os currículos escolares são desenvolvidos, encontramos afirmações que lembram o melhor do movimento da liberdade negra de meio século atrás: “Reconhecemos, respeitamos e celebramos diferenças e pontos em comum”; “Trabalhamos vigorosamente por liberdade e justiça para os negros e, por extensão, para todas as pessoas”. Da mesma forma, no kit de apresentação da “Semana Nacional de Ação BLM na Escola” aparece esta orientação reconfortante sobre como discutir o BLM com crianças pequenas:
Também podemos mencionar o movimento como um grupo de pessoas que querem garantir que todos sejam tratados de forma justa, independentemente da cor de sua pele. Podemos dizer... “O Movimento dos Direitos Civis, liderados por figuras notórias como Martin Luther King Jr. e Rosa Parks, trabalhou para mudar as leis que eram injustas. O movimento Black Lives Matter é feito de pessoas que querem garantir que todos sejam tratados de forma justa, porque, embora muitas dessas leis tenham sido alteradas há anos, ainda há pessoas que não são tratadas de forma justa”.
Para além dessas representações inofensivas, entretanto, encontramos expressões inequívocas do extremismo da justiça social.
Entre os 13 princípios do BLM, por exemplo, estão vários compromissos com a interseccionalidade, ou seja, o foco na sobreposição de categorias de vitimização racial, de gênero ou sexual.
O BLM se dedica a abolir o “privilégio cisgênero”, “libertando-nos das amarras do pensamento heteronormativo”, e “rechaçando os requisitos da estrutura familiar prescrita pelo Ocidente”. O texto de apresentação para o material do ensino infantil declara: “Todos têm o direito de escolher o seu próprio gênero, ouvindo o seu próprio coração e mente. Todos podem decidir ser uma menina ou um menino, ou ambos, ou nenhum dos dois, ou ainda outra coisa, e ninguém pode escolher por outrem”.
O ensinamento do BLM sobre raça não é menos radical. A primeira frase da introdução ao livro didático Teaching for Black Lives (Ensinando para Vidas Negras, em tradução livre) diz: “Mentes e corpos de estudantes negros estão sob ataque”. Tal afirmação é seguida de anedotas sobre tratamento abusivo, preparando o impulso fundamental da pedagogia BLM na escola: “O canal da-escola-para-a-prisão é um dos principais fatores para a epidemia generalizada de violência policial e encarceramento em massa, que funciona como uma das facetas mais cruéis do racismo estrutural nos Estados Unidos”.
O despertar da raiva dos leitores continua com esta caracterização distorcida do evento que desencadeou os protestos de rua do BLM: “Em agosto de 2014, Michael Brown foi morto nas ruas de Ferguson, Missouri. Seu corpo foi deixado nas ruas por horas, como um lembrete aos moradores negros do bairro que suas vidas são insignificantes para o Império Americano”.
Versões dessa retórica incendiária são recorrentes nos materiais pedagógicos recomendados. A ideia que querem passar é que os afro-americanos, ao lado de outros grupos, continuam a enfrentar opressão sistêmica na América – mesmo hoje, vivendo 50 anos na era dos direitos civis. Para todos esses grupos e seus “aliados”, a relação adequada com a sociedade deve, portanto, ser de oposição, e a função essencial do sistema educacional deve ser instruir os alunos sobre a lógica, os meios e os fins da resistência – quanto mais radical, melhor.
Personalidades importantes e pacíficas como Frederick Douglass e Martin Luther King Jr. podem ser homenageadas por sua resistência, mas os verdadeiros heróis, de acordo com os pedagogos do BLM, são as figuras e facções mais extremas na história do protesto negro.
Apresentando a história dos EUA como uma cadeia ininterrupta de opressão, os materiais instrutivos da BLM se esforçam para polir a reputação de nacionalistas negros e socialistas, incluindo Malcolm X e a Nação do Islã, o fundador do movimento Black Power, Stokely Carmichael, e os líderes do Partido dos Panteras Negras.
Em um capítulo dedicado a eles no livro Teaching for Black Lives, o Partido dos Panteras Negras são caracterizados como “uma das mais importantes organizações de direitos humanos do final da década de 1960”, um grupo cuja “ideologia socialista revolucionária” foi responsável pelo nobre trabalho de promover habitação decente, educação e assistência médica para comunidades negras empobrecidas, cuja história “contém lições vitais para que o movimento dos dias de hoje enfrente o racismo e a violência policial”.
Ensino com omissões propositais
Inúmeras questões são levantadas nos materiais de orientação recomendados pelo BLM – geralmente na forma de acusações – em relação a injustiças cometidas contra determinado gênero ou raça nos Estados Unidos.
Se feito num espírito de genuína abertura, tal questionamento estaria em sintonia com o liberalismo clássico dos Fundadores da América, sendo o exemplo de uma desconfiança madisoniana em relação aos partidos majoritários ou uma vigilância jeffersoniana contra governos tendentes à tirania. Para avaliar a qualidade do discurso que os entusiastas do BLM iniciaram nas escolas, no entanto, devemos considerar também questões omitidas no ensino aos estudantes.
Mesmo quando o Teaching for Black Lives exalta os Panteras Negras como defensores dos direitos humanos, e condena sua perseguição pelas autoridades, por exemplo, ainda assim esconde o histórico real do socialismo revolucionário que os Panteras abraçaram, deixando os estudantes concluir que o socialismo na prática não significava nada mais do que alimentar, educar e curar os necessitados. Da mesma forma, os defensores do BLM não questionam o caráter despótico do líder dos Panteras, Huey Newton, um homem propenso a ataques de violência psicopata.
Em seu zelo pela interseccionalidade, os líderes e pedagogos do BLM anunciam sua determinação em “romper a estrutura da família prescrita pelo Ocidente”, mas não deixam qualquer brecha para que os alunos indaguem sobre os efeitos – principalmente para as crianças – da ausência dos pais, predominante entre negros e hispano-americanos das classes mais baixas, e cada vez maior entre os brancos também.
Da mesma forma, ao incitar os alunos a reconhecer a fluidez e autonomia das identidades de gênero, nenhum questionamento é feito sobre os riscos físicos e psicológicos associados às terapias de mudança de gênero, tampouco sobre o futuro das políticas antidiscriminação para as mulheres, se a escolha subjetiva prevalecer sobre o sexo biológico.
Os educadores também não convidam os alunos a se perguntar, pelas mesmas razões, se a identidade racial também pode ser uma questão de vontade humana – e, em caso afirmativo, o que restaria das proteções contra a discriminação racial.
As questões mais evidentes, não abordadas, dizem respeito às principais alegações do movimento sobre abuso policial e o “esquema da-escola-para-a-prisão”. Os alunos, suscetíveis a ficarem assustados ou indignados com as acusações de uma epidemia de violência racial perpetrada pelas autoridades policiais e com preconceito sistemático praticado pelas autoridades escolares, não são encorajados– na verdade, são desencorajados – a fazer as seguintes perguntas:
Quais foram os resultados da diretiva da administração Obama, com base na alegação (propagada pelo BLM) de discriminação racial nas políticas disciplinares nas escolas, segundo a qual as escolas deixariam de impor regras disciplinares que tivessem impacto distinto em alunos de minoria étnica ou racial? As salas de aula se tornaram ambientes mais ordenados e propícios à aprendizagem – ou menos?
No que diz respeito às alegações de uma “epidemia” de assassinatos por motivos raciais – “execuções extrajudiciais” – de pessoas negras por agentes da polícia, o que revelam os dados disponíveis sobre o número absoluto de destacamentos policiais de força letal nos últimos anos?
O que revelam sobre o número de pessoas baleadas pela polícia, em relação ao número de pessoas baleadas por criminosos não-policiais do “setor privado”? O que os dados revelam sobre o número de suspeitos negros baleados pela polícia em comparação aos suspeitos não-negros? Como esses números se relacionam com os números de crimes graves cometidos por negros ante dos cometidos por não negros?
Desde a ascensão, a partir de 2014, de acusações públicas de preconceito racial no uso de força violenta por parte de policiais, como os policiais responderam no policiamento de áreas de alta criminalidade? O que aconteceu com as taxas de criminalidade violenta nessas áreas durante esse período?
Quais evidências justificam as alegações generalizadas dos ativistas do BLM de que há uma “guerra contra os negros” nos EUA, de “violência sistêmica contra os negros” nos EUA, de “um mundo onde a vida dos negros é sistemática e intencionalmente direcionada para a morte” e afins?
Talvez os responsáveis pela Semana BLM na Escola evitem tais perguntas por achá-las tendenciosas ou presumir as respostas. Quaisquer que fossem suas razões, se confrontassem essas questões diretamente, eles descobririam o que os leitores do City Journal provavelmente sabem – que a evidência empírica contraria radicalmente sua visão da política americana como um despotismo imemorial contra os negros.
Um inquérito imparcial observaria descobertas recentes de que um relaxamento das políticas disciplinares escolares não melhora os resultados, seja na organização da sala de aula, seja no desempenho do aluno – muito pelo contrário.
No que diz respeito às acusações de policiamento abusivo e tendencioso, simpatizantes da BLM dispostos a confrontar as evidências descobririam que os homicídios por entes privados superam largamente o número de ações polícias com força letal, sendo que a grande maioria delas envolve perpetradores e vítimas dos mesmos grupos raciais; que a maioria dos mortos pela polícia estava armada ou resistiu violentamente à prisão; e que as porcentagens de assassinatos policiais que envolvem suspeitos negros são quase proporcionais às porcentagens de crimes violentos por criminosos negros, enquanto cidadãos negros são muito mais propensos do que os de qualquer outro grupo racial a serem vítimas em crimes violentos.
Eles também descobririam que os assassinatos em muitas das grandes cidades do país aumentaram significativamente em 2015 e 2016, revertendo uma tendência de declínio de longa data. O aumento foi coincidente com o aumento dos protestos contra a polícia, por parte do BLM; alguns pesquisadores atribuíram o aumento aos efeitos desmoralizadores da radicalização dos protestos sobre a polícia.
Diante desses dados, se os propagadores da visão do BLM de justiça racial se recusarem a lidar com as questões levantadas por essa mesma visão, eles deixarão seu movimento exposto à questão mais desafiadora de todas: Quais vidas negras realmente importam para o BLM – as dos cumpridores da lei ou dos fora da lei? As dos pacíficos ou dos violentos?
Ideologia que atrapalha a luta contra o racismo
Para muitos, a tentativa do BLM de moldar a mente dos alunos é justificada pela ideia de que o grupo é o legítimo herdeiro do movimento dos direitos civis, das décadas de 1950 e 1960. Porém, ainda que os líderes do BLM invoquem Martin Luther King e a “amada comunidade”, essa noção é profundamente equivocada.
O BLM é de certa forma herdeiro da luta pela liberdade negra do século passado, mas daquela parte da luta que desvirtuou o movimento, e não da parte responsável pelos sucessos duradouros.
Enquanto a antiga – e agora reverenciada – tradição de protesto afro-americana, que chegou ao auge na fase clássica do movimento dos direitos civis, acabou sendo bem-sucedida porque pretendia melhorar os Estados Unidos, o objetivo explícito do BLM, inspirado pelas facções do Black Power do final dos anos 1960, é transformar os Estados Unidos.
O problema com o BLM é que seus ativistas e teóricos se agarram a uma interpretação fragmentada e ideológica da América, como se fosse um império de intolerância incorrigível. Essa visão dos Estados Unidos é uma alucinação que, propagada nas escolas, promete piorar, em vez de melhorar, a perspectiva de vida dos jovens mais vulneráveis.
No prefácio da biografia de Frederick Douglass, Booker T. Washington comenta: “A carreira de Douglass se passa quase inteiramente no primeiro período da luta em que o problema [racial] envolvia as pessoas deste país – o período de revolução e libertação. Esse período está agora encerrado. Neste momento, estamos no período de construção e reajuste”. Washington publicou essas palavras em 1906, na mesma época em que Ida B. Wells estava engajada documentando a crescente incidência de linchamentos raciais, especialmente nos antigos estados confederados.
O julgamento de Washington foi exagerado, provavelmente de forma deliberada; Booker sabia que o trabalho de libertação estava longe de terminar. Mesmo assim, em seu o mapeamento dos estágios do progresso, ele foi capaz de enxergar longe. Para os afro-americanos, como para todos os demais, o trabalho essencial da vida moral e política é duplo. Um elemento é a resistência à injustiça – revolução e libertação, como Washington disse: a alteração ou abolição de ordens políticas ou sociais injustas. O outro é a construção: a tarefa de estabelecer a justiça e a virtude. Washington aconselhou que a primeira etapa deveria ser concebida como instrumental e transitória; deveria, em algum momento, dar lugar à construção.
A observação de Washington também reserva uma sugestão mais sutil. O trabalho de construção – o cultivo das virtudes necessárias para o sucesso material, a cidadania e a saúde moral, e a criação e preservação das instituições que as tornam possíveis – deve ser realizado antes que a libertação seja plenamente alcançada, porque a libertação total só é alcançável por meio dessas virtudes.
A sabedoria washingtoniana não nega que existem razões para protestos nos Estados Unidos na era dos direitos civis. Ocorrem faltas graves por parte dos funcionários do governo: o uso de força violenta por parte dos agentes da lei, embora muitas vezes justificado, por vezes não são, de fato, justificáveis. Homens não são anjos; anjos não governam homens. A necessidade de vigilância madisoniana e jeffersoniana é permanente. Mas o ethos do protesto, em excesso, é debilitante, e muitas vezes resulta em exclusão, e até mesmo em desprezo, das virtudes construtivas.
Para ativistas, os negros dos EUA estão na década de 60
Para o BLM, os negros americanos estão congelados no tempo, confinados em um momento revolucionário em que, agora como sempre, a única coisa necessária é protestar; o trabalho de libertação é o único trabalho; os heróis da resistência são os únicos heróis.
A suposição parece ser, para adaptar a frase de Allan Bloom, que o libertado de alguma forma possuirá todas as virtudes, sem qualquer esforço deliberado para cultivá-las.
Os heróis do protesto justo, aqueles que trabalharam de maneira incansável e inteligente ao longo de muitas décadas, com o intuito de abolir a escravidão e a discriminação imposta pelo governo, não são os únicos heróis. Nem a sua preeminência como homenageados é igualmente adequada em todas as épocas.
Onde estão a justiça e a sabedoria na defesa, em 2019, de uma visão pedagógica que confina as possibilidades de vida dos afro-americanos às atividades de protesto e resistência?
Em vez de despertar a imaginação dos alunos com histórias de opressão – embora o principal objetivo dessa educação seja aumentar as fileiras de manifestantes de rua, agitadores de sala de aula, organizadores comunitários, consultores de diversidade e afins –, uma educação antirracista deveria inspirá-los com histórias positivas de realização, extraídas de autores que vão de William Wells Brown a W. E. B. Du Bois, de Carter Woodson a Kareem Abdul-Jabbar, destacando o fato de que, ao longo da história dos EUA, os afro-americanos foram inventores e descobridores, produtores de grandes obras de arte, líderes na indústria e no comércio, fundadores e filantropos de escolas e igrejas, empresas e outras instituições de ascensão social.
Agora que as escolas do país estão determinadas a incorporar a história dos afro-americanos em seus currículos, é um imperativo moral, intelectual e cívico honrar a sabedoria de Booker T. Washington e de outros desconhecidos semelhantes. É chegada a hora de honrar os construtores.
* Peter C. Myers é professor de ciência política na Universidade de Wisconsin-Eau Claire, pesquisador-visitante no B. Kenneth Simon Center for Principles and Politics, da Heritage Foundation.
Tradução: Ana Peregrino
© 2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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