Em artigos anteriores, analisamos o impacto científico do Brasil com relação a vários países que apresentam matrizes culturais distintas, tais como Estônia, Qatar e Arábia Saudita. A intenção foi verificar a tendência do impacto desses países com base no índice de citações por publicação (CPP), nos últimos 15 anos, de acordo com as publicações indexadas na base SCImago Journal of Rankings. Evidentemente, ouvimos muitas críticas, tais como “a Estônia e o Qatar são países pequenos”, “eu não conheço nenhum pesquisador da Arábia Saudita”, “o idioma português dificulta a internacionalização da nossa ciência”. Tendo em vista que o Brasil compartilha uma tradição comum com Portugal em virtude do idioma e de elementos socioculturais, o presente estudo visa averiguar se o idioma em si apresenta real limitação para o impacto científico internacional de uma nação.
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Para que o leitor não precise recorrer aos artigos anteriores, faremos um breve resumo dos assuntos abordados, lembrando que as análises foram feitas mediante as seguintes metodologias:
(a) percentual do impacto do Brasil em relação ao 1º lugar do mundo em citações por publicação (CPP);
(b) rank score de impacto, que consiste em atribuir nota 10 ao 1º lugar do ranking CPP e nota 0 ao último colocado.
Partindo dessas duas metodologias utilizadas em artigos anteriores, este estudo trata das publicações do Brasil e de Portugal com base em 24 áreas do conhecimento. Utilizaremos “cut offs” de 2.000, 1.000, 500, 250 ou até 125 publicações mínimas por país, de acordo com as publicações indexadas na base SCImago.
Iniciaremos o estudo com três grandes disciplinas já discutidas em artigos passados: Ciências da Vida (5 áreas), Saúde e Medicina (5 áreas) e Ciências Humanas (4 áreas). Em seguida, verificaremos as disciplinas de Exatas e Ciências da Natureza (5 áreas) e Tecnologias (5 áreas). Esses dois grupos serão analisados de forma mais detalhada do que os três primeiros.
Ciências da Vida (2017)
Ciências Biológicas e Agricultura(BioAgro): Brasil em 39º lugar em impacto (aferido pelo índice CPP) entre 45 países com pelo menos 1.000 publicações em 2017; 41% do CPP do 1º lugar do mundo (Suíça).
Rank score do Brasil = 1,3. Rank score de Portugal = 6,9.
Como calcular o CPP? O Brasil publicou 14.775 artigos em 2017 na área em questão. Esses artigos receberam 27.061 citações em 2017 e 2018 (as citações de 2019 não foram consideradas no cálculo). Desse modo, o CPP do Brasil foi de 1,83.
O 1º colocado do mundo em CPP entre países com pelo menos 1.000 publicações — a Suíça — produziu 3.794 trabalhos em 2017, que foram citados 16.961 vezes. Portanto, o seu CPP foi de 4,47. O CPP do Brasil representou 41% do CPP da Suíça.
O Brasil publicou 79 mil trabalhos em 2017, considerando todas as áreas. Sendo assim, a BioAgro produziu 19% dos trabalhos nacionais indexados na base Scimago.
Bioquímica, Genética e Biologia Molecular: Brasil em 38º lugar entre 44 países com pelo menos 1.000 publicações; 47% do CPP do 1º lugar (Singapura).
Rank score do Brasil = 1,4. Rank score de Portugal = 5,7.
Farmacologia e Toxicologia: Brasil em 25º lugar entre 35 países com pelo menos 500 publicações; 54% do CPP do 1º lugar (Irlanda).
Rank score do Brasil = 2,8. Rank score de Portugal = 7,7.
Imunologia e Microbiologia: Brasil em 36º lugar entre 47 países com pelo menos 250 publicações; 46% do CPP do 1º lugar (Hungria).
Rank score do Brasil = 2,3. Rank score de Portugal = 7,9.
Neurociências: Brasil em 31º lugar entre 41 países com pelo menos 250 publicações; 58% do CPP do 1º lugar (Suécia).
Rank score do Brasil = 2,4. Rank score de Portugal = 4,6.
Saúde e Medicina (2017)
Medicina: Brasil em 42º lugar entre 48 países com pelo menos 2.000 publicações; 48,5% do CPP do 1º lugar do mundo (Bélgica).
Rank score do Brasil = 1,3. Rank score de Portugal = 5,6.
Odontologia: Brasil em 19º lugar entre 30 países com pelo menos 125 publicações; 44% do CPP do 1º lugar (Bélgica).
Rank score do Brasil = 3,7. Portugal com quantidade insuficiente de publicações para participar do ranking. O CPP de Portugal relativo ao 1º lugar foi 36% (abaixo do BR).
Enfermagem: Brasil em 38º lugar entre 45 países com pelo menos 125 publicações; 37% do CPP do 1º lugar (Bélgica)
Rank score do Brasil = 1,6. Rank score de Portugal = 6,7.
Psicologia: Brasil em 43º lugar entre 46 países com pelo menos 125 publicações; 38% do CPP do 1º lugar (Holanda).
Rank score do Brasil = 0,7. Rank score de Portugal = 3,3.
Veterinária: Brasil em 35º lugar entre 38 países com pelo menos 125 publicações; 40% do CPP do 1º lugar (Suíça).
Rank score do Brasil = 0,8. Rank score de Portugal = 5,8.
Ciências Humanas (2017)
Artes e Humanidades: Brasil em 39º lugar entre 44 países com pelo menos 500 publicações; 18% do CPP do 1º lugar do mundo (Coreia do Sul).
Rank score do Brasil = 1,1. Rank score de Portugal = 4,8.
Ciências Sociais: Brasil em 46º lugar entre 46 países com pelo menos 1.000 publicações; 27% do CPP do 1º lugar (Holanda).
Rank score do Brasil = zero (último lugar do mundo). Rank score de Portugal = 4,6.
Administração e Contabilidade: Brasil em 46º lugar entre 48 países com pelo menos 250 publicações; 32% do CPP do 1º lugar (Dinamarca).
Rank score do Brasil = 0,4 (antepenúltimo lugar). Rank score de Portugal = 5,8.
Economia e Finanças: Brasil em 40º lugar entre 42 países com pelo menos 250 publicações; 31% do CPP do 1º lugar (Dinamarca).
Rank-score do Brasil = 0,5 (antepenúltimo lugar). Rank score de Portugal = 5,7.
Agora, verificaremos detalhadamente o desempenho do Brasil e de Portugal nas grandes disciplinas de Exatas e Tecnológicas. Esses resultados são ainda originais, visto que nunca foram divulgados.
Exatas e Ciências da Natureza (2017)
Física e Astronomia: Brasil em 26º lugar entre 40 países com pelo menos 2.000 publicações.
1º lugar em CPP (Hong Kong) = 6,79; CPP do Brasil = 3,44 (55% do impacto do 1º lugar). Brasil em 16º em quantidade, com 6.992 publicações. Portugal: 15º lugar em impacto (CPP = 4,79; 71% do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 3,5. Rank score de Portugal = 6,25.
Matemática. Brasil em 35º lugar entre 46 países com pelo menos 1.000 publicações.
1º lugar em CPP (Arábia Saudita) = 3,07; CPP Brasil = 1,38 (45% do impacto do 1º lugar). Brasil em 16º em quantidade com 4.403 publicações. Portugal: 23º lugar em impacto (CPP = 1,82; 59% do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 2,4. Rank score de Portugal = 5,0.
Ciências Ambientais: Brasil em 37º lugar entre 41 países com pelo menos 1000 publicações.
1º lugar em CPP (Singapura) = 6,46; CPP do Brasil = 2,61 (40% do impacto do 1º lugar). Brasil em 11º em quantidade, com 5635 publicações. Portugal: 18º em impacto (CPP = 4,41; 68% do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 1,0. Rank score de Portugal = 5,6.
Química: Brasil em 35º lugar entre 41 países com pelo menos 1000 publicações.
1º lugar em CPP (Singapura) = 9,35; CPP do Brasil = 3,16 (34% do impacto do 1º lugar). Brasil em 14º em quantidade, com 5675 publicações. Portugal: 23º em impacto (CPP=4,64; 50% do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 1,5. Rank score de Portugal = 4,4.
Geologia e Ciências Planetárias: Brasil em 30º lugar entre 46 países com pelo menos 500 publicações.
1º lugar em CPP (Irlanda) = 6,68; CPP do Brasil = 3,13 (47% do impacto do 1º lugar). Brasil em 15º em quantidade, com 3.135 publicações. Portugal: 27º em impacto (CPP=3,67; 55% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 3,5. Rank score de Portugal = 4,1.
Tecnologias (2017)
Engenharias: Brasil em 33º lugar entre 47 países com pelo menos 2.000 publicações.
1º lugar em CPP (Arábia Saudita) = 5,49; CPP do Brasil = 2,01 (37% do impacto do 1º lugar). Brasil em 18º em quantidade, com 9.332 publicações. Portugal: 23º em impacto (CPP = 2,93; 53% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 3,0 (era 1.9 entre 1997 e 2000). Rank score de Portugal = 5,1.
Ciência da Computação. Brasil em 32º lugar entre 43 países com pelo menos 2.000 publicações.
1º lugar em CPP (Hong Kong) = 3,86. CPP do Brasil = 1,42 (37% do impacto do 1º lugar). Brasil em 15º em quantidade, com 7341 publicações. Portugal: 27º em impacto (CPP = 1,66; 43% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 2,6. Rank score de Portugal = 3,7.
Ciência dos Materiais. Brasil em 37º lugar entre 46 países com pelo menos 1.000 publicações em 2017.
1º lugar em CPP (Singapura) = 7,46; CPP do Brasil = 2,37 (32% do impacto do 1º lugar). Brasil em 17º em quantidade, com 5.211 publicações. Portugal: 23º em impacto (CPP = 3,78; 51% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 2,0. Rank score de Portugal = 5,0.
Engenharia Química. Brasil em 35º lugar entre 41 países com pelo menos 500 publicações.
1º lugar em CPP (Hong Kong) = 8,46; CPP do Brasil = 3,18 (38% do impacto do 1º lugar). Brasil em 15º em quantidade, com 2.845 publicações. Portugal: 20º em impacto (CPP = 4,66; 55% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 1,5. Rank score de Portugal = 5,1.
Energia. Brasil em 33º entre 43 países com pelo menos 500 publicações.
1º lugar em CPP (Hong Kong) = 7,49; CPP do Brasil = 2,59 (35% do impacto do 1º lugar). Brasil em 16º em quantidade, com 2.554 publicações. Portugal: 16º em impacto (CPP = 4,06; 54% do impacto do 1º lugar).
Rank score do Brasil = 2,3. Rank score de Portugal = 6,4.
Análise geral
Como podemos observar claramente entre as 24 áreas de pesquisa investigadas, o Brasil está acima do patamar de 50% do impacto do 1º colocado (em CPP) em Farmacologia, Neurociência e Física. Apenas em 3 áreas não estamos com “nota vermelha”! A área de Humanidades apresentou um impacto abaixo de 20% do 1º lugar do mundo, enquanto Ciências Sociais ficou abaixo de 30%. São dados preocupantes, pois é o dinheiro dos pagadores de impostos que financia grande parte das pesquisas em Humanas.
Portugal, por sua vez, manteve-se acima ou igual ao patamar de 50% em quase todas as áreas analisadas. Posicionou-se abaixo de 50% apenas em Odontologia, Computação e Humanidades. Quanto ao impacto científico, o Brasil ficou atrás de Portugal em 23 das 24 áreas (ficamos à frente apenas em Odontologia). Ainda falta muito para ultrapassar Portugal, nação com a qual compartilhamos muitos elementos sócio-históricos e culturais.
Ao analisar 5 grandes disciplinas de conhecimento, verificamos que o Brasil está abaixo de Portugal em todas. O resultado é evidente quando plotado em Rank score. No caso de Saúde e Medicina, não foi incluído o Rank score de Portugal, pois esse valor não pôde ser calculado. Caso fosse possível, a diferença de Brasil e Portugal teria sido menor.
O que nos chama a atenção são os baixíssimos valores de Rank score do Brasil: 2,4 em Exatas, 2,3 em Tecnológicas, 2,0 em Ciências da Vida, 1,6 em Saúde e Medicina, e 0,5 em Humanas (muito perto de zero!). O valor médio (N=24) foi de 1,8. São notas muito baixas! No caso de Portugal, o valor médio (N=23) foi de 5,5. Se Portugal fosse estudante da UnB, seria aprovado com menção “MM” (acima ou igual a 5), mas o Brasil seria reprovado com menção “II” (abaixo de 3)!
Ao analisar o impacto das 24 áreas em termos percentuais do CPP com relação ao 1º lugar do mundo em cada área, o valor médio (não ponderado por área) do Brasil foi de 40%. O valor médio para Portugal foi de 62% do CPP do 1º lugar. O gráfico abaixo mostra a nítida diferença dos dois países.
Não é falta de produção em larga escala que causa esse baixo impacto de nossa pesquisa. Ao verificar as Exatas e Tecnológicas, observamos que o Brasil está entre o 11º e o 18º lugar nos rankings, no que concerne à quantidade de publicações. Em Humanas, estamos entre o 10º e 18º lugar.
Em Ciências da Vida, ficamos entre o 3º (em BioAgro) e o 14º lugar. Finalmente, em Saúde e Medicina, estamos entre o 2º (em Odontologia e Veterinária) e o 14º lugar. No cômputo geral, não estamos nada mal em quantidade. A média do Brasil nas 24 áreas de conhecimento é 12º lugar com relação à quantidade. Esse posicionamento é análogo à produção total do país: 14º lugar em 2017, com uma produção de 78,3 mil trabalhos indexados na base científica da Scopus.
Conforme temos insistido, o incentivo atual por parte das agências estatais de fomento está voltado para a produção em quantidade em detrimento da qualidade da ciência, afastando-nos das importantes (“ground breaking”) descobertas científicas e inovações tecnológicas.
Ao longo deste ano, após franco diálogo com autoridades que tratam das políticas públicas do setor, argumentamos que o Brasil pode sair dos últimos lugares do mundo em impacto, se os incentivos forem direcionados de adequada, em vez da busca incessante pela quantidade de publicações.
Embora tenha havido vultosos investimentos nos últimos 15 anos, o ano de 2019 foi importante para trazer ao debate público a realidade brasileira com relação ao baixo impacto internacional. Inclusive, o atual presidente da Capes, Professor Anderson Correia, gravou um vídeo oficial em setembro deste ano afirmando que o Brasil está em 74º lugar do mundo em impacto científico. O custo da ciência parece estar na ordem do dia, e o pagador de impostos cobrará resultados concretos das futuras gestões.
Se fôssemos Vasco da Gama, seríamos capazes de chegar às Índias? Bom, não podemos naufragar de forma precoce. Começaremos 2020 com boas perspectivas de mudança de rumos da nau brasileira da ciência!
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