Uma pequena revolução no ensino médio de Pernambuco começou com a visita, ao acaso, de um ex-aluno à sua antiga escola, no ano de 2002. Do desapontamento ao ver a instituição abandonada e deteriorada surgiu um projeto que, em 12 anos, transformou a qualidade de 335 escolas da rede de ensino do estado – com uma taxa de abandono escolar de 0,5% nessas instituições – e inspirou a proposta de reforma da educação apresentada pelo governo federal por meio de medida provisória.
Ao ver em Recife o Ginásio Pernambucano, a segunda escola pública do Brasil, às traças, o então presidente da Philips na América Latina, Marcos Magalhães, convenceu empresas e outros executivos a restaurar o prédio. Mas aí se fez a luz. “No final, chegamos à conclusão que não valia a pena só entregar um prédio, nós queríamos entregar uma escola”, conta o executivo. E assim se fez.
Com a ajuda de especialistas, e inspirados nos quatro pilares da Educação do economista francês Jacques Delors, consagrados pela Unesco, Marcos e seus amigos se debruçaram, em primeiro lugar, a analisar como estava o ensino no estado. O que acontecia na época em Pernambuco não é muito diferente do que ocorre no resto do Brasil hoje: cerca de 50% dos jovens abandonam a escola ao ingressar no ensino médio. A partir disso, fizeram uma ampla pesquisa para saber por que isso acontecia.
“Os jovens que saíam da escola diziam que a escola era muito chata, que não viam conexão entre o que a escola queria ensinar e o mundo fora da sala de aula, achavam que o ensino médio tinha matérias demais e, além disso, precisavam trabalhar”, lembra Marcos. “Ao mesmo tempo, verificamos jovens com baixíssimo nível de ambição, que sabem que não sabem, que sabem que acabam o ensino fundamental de maneira inadequada, com uma defasagem que remete ao quinto ou sexto ano do ensino fundamental. São jovens de baixa renda e de pais com baixa escolaridade”.
Como a meta era a excelência e a inclusão ao mesmo tempo, dar as matérias e desenvolver essas lacunas sociais e afetivas, o próximo passo foi analisar o currículo e como as matérias eram dadas. “Quando vimos o tamanho do currículo chegamos à conclusão que tinha de ser tempo integral, porque não daria para fazer tudo aquilo que queríamos, a parte cognitiva e socioemocional, em quatro horas por dia”, conta.
Resistência
Com a metodologia pedagógica ajustada, que incluía acompanhamento de alunos com maior dificuldade, projetos específicos de acordo com as aptidões dos estudantes, aulas de valores e a ajuda para desenvolver a vocação profissional dos jovens, os empresários partiram para implantar a primeira escola-piloto.
Com o projeto pedagógico embaixo do braço, bateram à porta do poder público para regulamentar a iniciativa. Os empresários conseguiram o apoio para a criação de uma lei estadual que definisse uma política de remuneração de professores com tempo integral e de admissão e seleção de docentes e diretores. Todo o restante do dinheiro viria das empresas e o poder público apenas repassava o recurso previsto para o custeio da escola.
Ao colocar mãos à obra, surgiram resistências tanto de professores quanto das próprias famílias da região. “Os pais perguntavam se estávamos matando o filho de tanto estudar e os estudantes diziam que a escola era uma prisão. Mas ao passar algumas semanas, os projetos realizados fizeram significado para os estudantes e suas famílias, comprovado pela pequena taxa de abandono”, comemora Marcos.
O projeto contemplou também a inclusão de alunos que precisavam de atendimento especial, como cadeirantes, autistas, etc. O conjunto de ações deu tão certo que se criou o Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE), que detém todo o conhecimento pedagógico e conta com empresas patrocinadoras. O ICE hoje ajudou na implantação de 260 escolas de ensino médio com tempo integral em São Paulo, 120 no Ceará, 20 no Piauí, 20 em Goiás, e começa a trabalhar no Espirito Santo, Sergipe, Paraíba e Maranhão. E o Ideb, índice que mede a qualidade das escolas públicas no país, saltou de 2,7 para a rede estadual em 2005 para 3,9 em 2015.