Pagamento de diárias nacionais e internacionais "exorbitantes", salários acima do teto constitucional, viagens de funcionários que desrespeitam a legislação, honorários concedidos indevidamente e falta de transparência nas situações citadas acima.
Esses são os principais apontamentos apresentados no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da gestão das universidades públicas de São Paulo. Foram avaliadas a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). O grupo encerrou os trabalhos na última terça-feira (5), após 180 dias de investigação.
Juntas, as três universidades recebem, desde 1989, ao menos R$ 9 bilhões por ano, oriundos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de São Paulo. Ao longo do tempo, a gestão desse recurso tem sido objeto de análise de órgãos de fiscalização.
Agora, o mais recente dos questionamentos foi feito através da CPI, que revelou como a verba tem sido utilizada e aponta uso "ostentoso" para algumas atividades.
Pagamento indevido
O documento final aponta, entre outras coisas, as seguintes irregularidades por parte das três instituições:
- despesas com diárias indevidamente realizadas;
- ausência de relatórios contendo informações individualizadas sobre as diárias pagas por servidor
- ausência de informação sobre os motivos das viagens;
- inconsistência nos valores totais de diárias;
- ausência de informação sobre lotação e eventual remoção de servidores que recebem diárias.
Somente a USP, por exemplo, pagou, em 2018, R$ 5.232.474 em diárias a servidores. Se analisado o montante de 2011 a 2018, o valor chega a R$ 52.250.936. A unidade que mais gastou com esse natureza de despesa foi a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
O relatório aponta que "os critérios adotados pela USP destoam dos estabelecidos no Decreto Estadual, seja em termos de valores, seja em termos de parâmetros para acréscimos ou concessão de diárias parciais". "Foi possível identificar que 15 de 17 agentes públicos receberam pagamentos para se deslocar em direção a cidades nas quais já estavam lotados, totalizando R$ 1.831.704,75 de pagamentos indevidos", afirma o documento. "Houve desrespeito ao artigo 9º, caput, do Decreto nº 48.292/2003".
Se um servidor recebe mais de 120 diárias corridas, ele deve ser transferido para o lugar onde está. Em muitos episódios, as universidades não fizeram isso.
Também foram identificados 69 beneficiários de diárias de valor acima do permitido. Em 6 casos, o valor ultrapassou 100%.
Viagem "não didática"
Planilhas disponíveis no Portal da Transparência mostram ainda que há valores de viagens "a trabalho" não especificados. E é expressivo o número de diárias nacionais e internacionais cujas motivações são genéricas e incompreensíveis.
Na imagem a seguir, é possível observar que um servidor universitário gastou, por exemplo, R$ 464 para uma viagem a Santos. A motivação do deslocamento, no entanto, é questionável: "abtd". Enquanto isso, outra viagem, de motivação "teste", custou R$ 1.217, oriundo de recurso público. Há outros motivos incompreensíveis, como "x", "1", "093137", "ddlllllel" e, curiosamente, "não didática".
O documento abaixo, que contêm informações de viagens internacionais, revela diárias nos Estados Unidos de R$ 4,5 mil, cuja motivação é apenas um ponto ".". Há outra, com destino à Escócia, de R$ 3,8 mil, que o campo de motivação apresenta números sem contexto, talvez um código, incompreensível.
Os salários de servidores acima do teto constitucional, objeto de crítica da sociedade há muito tempo, também foram investigados. A pressão sobre as universidades, inclusive, fez com que uma delas, a USP, reduzisse, em agosto, os chamados "supersalários". A medida é considerada pelos parlamentares como "vitória".
"Finalizamos a primeira etapa de uma tarefa constante, onde quem ganha é a população. A Assembleia Legislativa de São Paulo continuará acompanhando a atividade e os gastos das universidades, sem invadir a autonomia delas", disse a deputada Carla Morando (PSDB), vice-presidente da CPI, à Gazeta do Povo.
A deputada Valéria Bolsonaro (PSL), relatora da comissão, afirma que chegaram aos parlamentares denúncias de professores que não comparecem às aulas.
"Professores que não dão aula presencial, dão aula por computador, e quem dá aula são os doutorandos e os mestrandos deles", disse. "Há denúncias de professores que nunca estão presentes, e alunos que nem conhecem os professores". Ela também conta que há "ex-reitor que transformou funcionários celetistas em estatuários, está no STF isso".
"Grupos tentaram até o fim colocar os estudantes contra os deputados. Agora, mais do que nunca, ficou claríssimo que nossa intenção nunca foi interferir na autonomia da universidade", disse ela.
Posicionamento
O relatório final será enviado ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado, a fim de que os órgãos analisem e apliquem as penalidades cabíveis, se necessário.
Procurado, o deputado Wellington de Moura (PRB) não respondeu ao pedido de entrevista. O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) também não se manifestou.