Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais do ano passado, 21 universidades federais e duas estaduais foram alvo de investigação por praticar suposta propaganda eleitoral a favor do candidato do PT, Fernando Haddad, e contra Jair Bolsonaro, do PSL. Mandados foram cumpridos, com a retirada de cartazes, a suspensão de palestras e reuniões com suspeita de apresentar conteúdo eleitoral e a apreensão de HDs de computadores.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, moveu uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os juízes que emitiram os mandados, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548. Na época, a ministra Carmen Lúcia, relatora da ação no STF, concedeu uma liminar na ação proibindo os juízes de expedir mandados de busca e apreensão nessas instituições.
Em ofício anexado ao processo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) se manifestou a favor dos magistrados responsáveis por cinco zonas eleitorais, dos estados da Paraíba, do Rio de Janeiro, do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais.
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“Ocorre que os Juízes Eleitorais prolatores das decisões”, alega a AMB, “compreenderam que os fatos e provas que lhes foram apresentados, quer pelo Ministério Público Eleitoral, quer pela sociedade civil, exigiam a aplicação das vedações contidas no art. 37 da Lei n.9.504/97, mesmo diante de condutas realizadas nas Universidades Públicas e Privadas, porque comprovada a propaganda eleitoral”.
O mérito da ação movida por Raquel Dodge, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548, ainda não foi julgado, mas a documentação do processo é pública e inclui o posicionamento dos juízes sobre cada caso. Tanto os magistrados como a AMB elencaram todos os indícios que encontraram de propaganda política dentro das universidades públicas investigadas – ou seja, ações proibidas pelos códigos 300 e 301 do Código Eleitoral.
Acompanhe abaixo um resumo de tudo o que os magistrados relataram. Para visualizar o relato completo, clique neste link.
Campina Grande (PB)
O mandado de busca e apreensão realizado na sede da Associação de Docentes da Universidade Federal da Paraíba (ADUFPB), localizada no edifício onde funciona a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), foi emitido com base na denúncia de Alexandre Magno da Nóbrega Marinho, professor e coordenador do curso de medicina da instituição.
O juiz notificado, que atua na 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande, alegou que os professores da associação entregaram panfletos contendo o slogan “#Ele não”, em referência a Bolsonaro. E apresentou a seguinte explicação: “O Coordenador apresentou um panfleto entregue na sala de aula, acompanhado de gravação em áudio de atos praticados na UFCG, por um grupo identificado como sendo de professores daquela autarquia, durante o expediente normal, praticando, em tese, propaganda eleitoral ilícita dentro da referida instituição educacional, atos estes praticados nas demais salas de aula e no interior do campus, sempre objetivando enaltecer candidato de sua preferência”.
A gravação em áudio comprovaria que três professores realizaram, na manhã do dia 23 de outubro, uma “atividade de cunho político-partidário dentro da sala de aula do Curso de Medicina diante de alunos, os quais ouviram pedido de voto explícito no número 13, que seria do candidato Fernando Haddad”. Além disso, dois professores “fizeram ameaças veladas aos alunos, a uma ao dispor que se o outro candidato, que seria Bolsonaro, se fosse eleito cobraria mensalidades dos alunos e aqueles mais humildes não teriam como continuar na UFCG”. Outro professor “ameaçou os alunos de que poderiam ser torturados como ele teria sido”.
Niterói (RJ)
Ao exigir a retirada de uma faixa, afixada na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), a juíza da 199ª Zona Eleitoral de Niterói explicou que o texto da faixa afirmava que “Direito UFF” era “antifascista”, um termo que, “no contexto eleitoral de uma eleição de 2º Turno entre apenas 2 candidatos e diante dos demais documentos apreendidos não deixava dúvida quanto ao fato de ser destinada a um dos candidatos à Presidência da República”.
Dentro da Faculdade de Direito, os fiscais eleitorais encontraram material de propaganda eleitoral, como explica a juíza: “No Centro Acadêmico (CAEV), constatou-se a existência de adesivos, panfletos e cartazes afixados em paredes e móveis (armários) contendo mensagens com conteúdo político-eleitoral, de apoiamento ao presidenciável Fernando Haddad e de rejeição à candidatura de Jair Bolsonaro, destacando-se, no primeiro sentido, o adesivo de campanha da chapa PT-PCdoB em anexo e, quanto ao segundo aspecto, os impressos que associam o candidato Jair Bolsonaro ao fascismo e ao ódio”.
A magistrada também informou que o reitor da instituição já havia se manifestado sobre o assunto: no dia 17 de outubro, ele “informou a este Juízo da 199a Zona Eleitoral que tem conhecimento de que propaganda eleitoral tem sido irregularmente veiculada dentro das Unidades daquela instituição de ensino, conforme consta do Oficio GABR n. 467/2018, mas que nada poderia fazer para proibir ou impedir a realização de tais eventos e condutas”.
Dourados (MS)
A 18ª Zona Eleitoral instalada na cidade onde fica a sede da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) solicitou que não fosse realizada uma aula “pública” e “única” com o título “Esmagar o fascismo - o perigo do candidato Bolsonaro”. A reitoria foi notificada, mas mesmo assim a aula teve início, no dia 25 de outubro, às 10h. Agentes da Polícia Federal interromperam a atividade a mando do magistrado.
A AMB alega: “Fora do período eleitoral não haveria problema algum a realização de uma ‘aula pública’ e ‘única’ – que mais se assemelharia a uma assembleia – que tratasse não apenas do fascismo, como também de algum governante ou futuro candidato. No período eleitoral, no entanto, uma ‘aula pública’ e ‘única’ destinada a falar do ‘perigo da candidatura’ de Fulano ou Beltrano configura propaganda eleitoral vedada pela legislação, porque acarreta o desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos no espaço da Universidade”.
Erechim (RS)
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal Fronteira do Sul (UFFS) tentou realizar, no dia 25 de outubro, no campus da cidade gaúcha de Erechim, uma “Assembleia Geral Extraordinária contra o Fascismo, a Ditadura e o Fim da Educação Pública”. Foi essa ação pública que o juiz da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul proibiu.
“O evento é claramente político-eleitoral, seja em benefício do candidato Fernando Haddad, seja em prejuízo do candidato Jair Bolsonaro. Os documentos acostados aos autos, especialmente dos potenciais participantes do evento, demonstram que pretendem dele participar apenas apoiadores do candidato Fernando Haddad”, alegou o juiz. Um evento semelhante havia ocorrido nas dependências da UFFS a poucos dias do primeiro turno das eleições.
Belo Horizonte (MG)
“A reitoria da UFSJ infringiu o artigo 24 da lei 9504/97 ao soltar nota pública em repúdio ao candidato Jair Bolsonaro, apoiando [outro] o candidato [sic] é vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do poder público”, alegou o juiz da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte, fazendo referência à Universidade Federal de São João Del Rey.
O juiz solicitou a apuração dos fatos e possível punição para os responsáveis por uma nota publicada pela reitoria. De acordo com o magistrado, ainda que não cita candidatos, a instituição pode ter cometido crime eleitoral ao divulgar, no texto, frases como “o momento e marcado, da parte de um dos candidatos à Presidência da República, por discursos de ódio e intolerância para com a diferença”. A nota da UFSJ também afirmava: “a violência que atinge hoje grupos minoritários de nossa sociedade – negros, índios, quilombolas, LGBTI, pessoas com deficiência, mulheres está se alastrando para grupos que sejam contrários à doutrina de um dos candidatos”.
“Não tinha o Juiz da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte”, alega a AMB, “outra opção que não fosse a de determinar a retirada do site da internet da mensagem favorável a um candidato e desfavorável a outro candidato”.
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