UFSCar tem eleição para reitor suspensa pela Justiça| Foto: Divulgação / UFSCar
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Após decisão liminar da Justiça, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), por meio de seu órgão máximo deliberativo, o Conselho Universitário (ConsUni), terá de realizar nova eleição para a reitoria. A universidade já havia enviado ao Ministério da Educação (MEC) lista tríplice com o nome dos concorrentes à chefia da UFSCar. Uma nova lista deve ser enviada ao MEC, e cabe ao presidente Jair Bolsonaro a decisão final.

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Wanda Aparecida Machado Hoffmann, cujo mandato terminaria em 7 de novembro, foi nomeada como reitora pró-tempore da instituição até que o novo processo eleitoral seja concluído.

Na liminar, o juiz de 1ª instância da 2ª da Vara da Justiça Federal de São Carlos decidiu pela nulidade da lista tríplice, sob a justificativa de que, "aparentemente, todo o procedimento que antecedeu a formação da lista tríplice pelo Colégio Eleitoral mostra-se questionável".

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Segundo a decisão, a universidade teria realizado consulta prévia à comunidade acadêmica sem observar o ditame legal de atribuição de peso de 70% ao corpo docente, 15% para técnicos e 15%, para alunos. Além disso, não teria sido dada ampla oportunidade de inscrição aos docentes interessados que preenchessem os requisitos legais para os cargos de reitor e vice-reitor, mesmo que não tivessem participado do processo de pesquisa eleitoral. Segundo os autores da ação, os nomes eleitos não teriam sequer se candidatado para os cargos de Reitor e Vice-reitor ou apresentaram suas propostas de gestão.

A ação judicial que pede a invalidação da lista foi impetrada em 23 de outubro por candidatos da Chapa 1, que concorriam à reitoria.

Interlocutores propõe que, dessa forma, a instituição estaria tentando interferir na decisão do presidente Jair Bolsonaro - a quem compete escolher qualquer um dos nomes da lista tríplice.

Historicamente, as universidades se recusam a seguir as diretrizes sobre eleições para a reitoria, conforme prevê o ordenamento jurídico vigente, e há situações nas quais sindicatos e outros grupos agem para influenciar os resultados finais. O anúncio do governo Jair Bolsonaro de que iria seguir o que estabelece a lei é visto pelas instituições como interferência política nos pleitos.

Como funciona a eleição para reitor na UFSCar e em outras universidades

Desde 1995, a lei prevê que a eleição ocorra da seguinte forma: o voto dos professores deve ter peso de 70% e o dos técnicos e alunos, cada um, 15%. Há muitos anos, porém, as universidades não têm adotado essas diretrizes e têm estabelecido suas próprias normas para as consultas, realizando as chamadas eleições paritárias.

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A UFSCar é uma entre muitas instituições federais brasileiras que adotam o modelo, prática que, embora seja considerada por muitos grupos como a forma mais justa de eleição para a reitoria, contraria o que prevê o ordenamento jurídico vigente. As instituições costumam denominar essas consultas como "pesquisas eleitorais de caráter informativo", afirmando, para evitar questionamentos legais, que elas não têm vinculação com a escolha final. Mas, na prática, os colegiados quase sempre referendam o resultado da consulta informal.

Eleições para a reitoria em 2020

Da chamada consulta prévia paritária de 2020 na UFSCar, resultaram os três nomes mais votados, respectivamente: Chapa 2, Adilson Jesus Aparecido de Oliveira (66,6% dos votos), Chapa 3, Wanda Aparecida Machado Hoffmann (23,5% dos votos), atual reitora, cujo mandato se encerrou no último dia 7 de novembro, e Chapa 1, Fernando Manuel Araújo Moreira (9,7%).

Os autores da ação alegam que, em pauta disponível no site da Secretaria dos Órgãos Colegiados (SOC), a universidade estaria tornando clara a intenção de vincular a consulta informal à elaboração da lista tríplice a ser enviada ao presidente, contrariando a lei vigente. No caso da UFSCar, há tradição clara e conhecida de se elaborar uma lista tríplice composta por três nomes vinculados à chapa vencedora da consulta paritária - ainda que esses não sejam formalmente candidatos -, desconsiderando os demais concorrentes.

Ainda segundo o que consta na ação judicial, um dos membros do Colégio Eleitoral, professora Soeli Maria Schreiber da Silva, inclusive, teria solicitado, durante reunião do órgão, que “os conselheiros respeitassem a tradição democrática da UFSCar elegendo apenas integrantes da chapa mais votada nas eleições”.

Eleição "questionável"

Também segundo o que consta na ação, alguns dos conselheiros teriam indicado necessidade de se afirmar, durante reuniões do colegiado, que a pesquisa eleitoral possuiu caráter informal e meramente indicativo da visão da comunidade universitária e que, de maneira alguma, condiciona juridicamente a futura eleição dos dirigentes.

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Há também registro de que alguns dos conselheiros teriam destacado que "candidaturas na pesquisa eleitoral não se confundem nem condicionam de maneira alguma candidaturas na futura eleição de dirigentes e correspondente organização de Lista Tríplice a ser realizada pelo Conselho Universitário". Até aí, o Colégio Eleitoral estaria agindo conforme o que preveem os ditames legais: que a lista seja elaborada a partir de eleição não paritária pelos membros do órgão e que a consulta informal não seja vinculada ao resultado final, servindo apenas como subsídio.

Apesar do indicativo, o Colégio Eleitoral, durante o momento da eleição definitiva, não teria dado ampla oportunidade de inscrição aos docentes interessados nos cargos, conforme explica a Justiça na liminar. Na prática, os nomes eleitos não realizaram inscrição para participar do processo, e os candidatos nem mesmo teriam apresentado propostas de gestão. São, contudo, pessoas associadas à chapa 2, vencedora na consulta paritária.

"As listas tríplices estão eivadas de ilegalidades, as quais buscamos reparar", afirmam os autores da petição, candidatos da chapa 1. "O Colégio Eleitoral decidiu por conta própria e sem qualquer amparo jurídico-administrativo compor a lista tríplice com nomes escolhidos apenas dentro da Chapa 2, que obteve o primeiro lugar na Pesquisa Eleitoral, desconsiderando os outros demais nomes que se inscreveram para essa pesquisa".

Eles também alegam que instituição teria disposto até mesmo de recursos públicos para a realização da pesquisa paritária informal que, depois, foi descartada pelo órgão máximo deliberativo. "Os procedimentos rígidos para algo que “não valeria nada” haviam sido substituídos por procedimentos frouxos (sem normas e sem calendário) para o “processo que valeria a formação das listas tríplices", denunciam na ação judicial.

"Não obstante, mister constar a questão dos gastos de dinheiro e estrutura públicas para realização de um pleito eleitoral, para ao final ser totalmente desconsiderado. Ora, como se justifica usar dinheiro e estrutura públicos para a realização de um pleito eleitoral em uma instituição pública e, depois de tudo encerrado, seu resultado ser totalmente desprezado simplesmente pelo motivo dos nomes não terem sido de agrado de alguns membros do Conselho Universitário?", afirmam.

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Procurada, a instituição afirmou que "os candidatos presentes na Lista Tríplice realizaram inscrição durante a reunião do Colégio Eleitoral". "Qualquer pessoa atendendo aos requisitos poderia ter sido indicada por um dos membros do Conselho Universitário. Os candidatos a reitor que participaram da Pesquisa Eleitoral poderiam ter sido indicados, mas apenas o candidato a reitor mais votado na Pesquisa Eleitoral foi indicado", disse a UFSCar à Gazeta do Povo, por e-mail.

Posicionamento

Os autores da ação, membros da Chapa 1, pedem que "seja observado, como critério exclusivo para elaboração das listas tríplices a esses cargos, os nomes constantes no resultado da Pesquisa Eleitoral, e que foram homologados pelo Conselho Universitário na mesma data, tendo portanto caráter vinculativo" - contrário ao que prevê a lei.

Na decisão liminar, contudo, a Justiça afirma não ser possível "acolher a pretensão dos autores de figurarem na lista tríplice do Colégio Eleitoral da UFSCar pelo simples fato de terem sido inscritos e terem efetivamente participado da pesquisa eleitoral, porquanto não vislumbro base legal para tanto".

Em nota pública, a reitoria da UFSCar afirmou que "está buscando dialogar com todas as partes envolvidas, visando construir soluções consensuais, tendo em vista o interesse comum, de todos os envolvidos, pelo bem da Universidade. Para que as atividades tenham plena continuidade mesmo mediante troca de gestão, foram elaborados 40 relatórios de transição, 4 reuniões gerais e 10 reuniões em áreas especificas, propiciando à nova gestão tomar ciência quanto às atividades em andamento e quanto às que requerem atenção em curto e médio prazos".

"Em momento de disputas políticas e jurídicas envolvendo membros da Comunidade, é natural que as pessoas manifestem suas opiniões, favorável ou desfavoravelmente a uma parte ou outra. Mas é fundamental que estas manifestações não carreguem violência ou intolerância a pensamentos divergentes. A violência não é aceitável em nenhuma de suas formas, e a intolerância não é compatível com ambiente de pluralidade de ideias, como a Universidade".

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Procurado, o MEC não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria. A reitora pró-tempore, Wanda Hoffmann, não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo.

Também procurados pelo jornal, os candidatos da Chapa 1 e Chapa 2 emitiram os posicionamento que seguem:

Professor Fernando Manuel Araújo Moreira, Chapa 1: Na UFSCar, todo o processo eleitoral foi conduzido pelo ConsUni, que elaborou um edital que incluiu, dentre outras coisas, os requisitos formais para as candidaturas, os prazos, o calendário de debates, o prazo para a campanha eleitoral, a forma de consulta à comunidade; ainda, ele homologou as candidaturas e o resultado da consulta eleitoral. O ConsUni realizou todas essas atividades em sessões formais que derivaram em diversos atos administrativos. No edital também elaborado pelo ConsUni, ficou decidido que o sistema utilizado para a consulta seria o da UFSCar, incluindo banco de dados, sistema de autenticação, Sistema Eletrônico de Informações, e sistema de divulgação interna, além do trabalho dos servidores envolvidos na Comissão Eleitoral e na Comissão Técnica, ambas nomeadas também pelo ConsUni. Se alguma das atividades do ConsUni foi informal, ou seja, meramente figurativa, houve então desvio de função dos membros do ConsUni que não respeitaram alguns princípios básicos da administração pública, tais como eficiência e moralidade. Como é possível que esse processo, realizado oficialmente e com essa complexidade pela maior autoridade da Universidade, e ainda com dinheiro público, possa considerar alguma das suas atividades oficiais como tendo sido informal? A consulta prévia à comunidade formou parte das atividades eleitorais oficialmente gerenciadas pelo ConsUni. Por mais que o próprio ConsUni defina essa consulta prévia como informal, intrinsecamente ela não o é. Essa tese é inaceitável. Tendo sido então uma consulta formal, automaticamente o ConsUni passou a ter que obedecer ao parágrafo 4º do artigo 1º do Decreto 1.916/96. Traduzindo: o resultado da consulta prévia à comunidade passa, então, a ser vinculante ao Colégio Eleitoral. Obviamente, uma consulta informal seria aquela realizada não pelo ConsUni, mas por agências de pesquisa de opinião (Ibope, Datafolha, etc.) ou até pelas próprias entidades (ADUFSCar, etc.) como foi inicialmente cogitado mas descartado pelo próprio ConsUni.

Professor Adilson de Oliveira, Chapa 2: O processo judicial iniciado pelo candidato derrotado na pesquisa eleitoral junto à comunidade da UFSCar – tendo recebido apenas 9,7% dos votos de docentes, técnico-administrativos e estudantes, contra 66,7% da chapa vencedora em primeiro turno, Chapa 2, liderada por mim, Adilson Jesus Aparecido de Oliveira, agora Reitor Eleito – visava obter da Justiça determinação da inclusão do seu nome na lista tríplice a ser encaminhada ao Ministério da Educação pelo Colégio Eleitoral.
Em caráter liminar (uma vez que a ação ainda não foi julgada em definitivo), a Justiça não concedeu o pedido do candidato derrotado, pelo entendimento, derivado da legislação vigente, de inexistência de vínculo entre pesquisa e Colégio Eleitoral.
No entanto, no processo, a Justiça identificou uma falha técnica na realização do Colégio Eleitoral, referente ao prazo de inscrição de candidatos.
Assim, para sanar a falha apontada e garantir a autonomia da Universidade no processo de escolha de seus dirigentes, o Conselho Universitário da UFSCar deliberou pela anulação do primeiro Colégio – cujas listas tríplices para Reitor e Vice-Reitora estavam suspensas pela decisão judicial – e realização de novo Colégio no próximo dia 18.
Agora, derrotado nas urnas, não indicado no primeiro Colégio Eleitoral, derrotado na Justiça e repudiado pela comunidade universitária pelo ataque impetrado contra a UFSCar, o então candidato recorre às mentiras, às notícias falsas, à desinformação e à fofoca como último recurso desesperado e desprezível para, única e exclusivamente por sua vontade individual, anular a manifestação inequívoca de 66,7% da comunidade. Nesse processo, o candidato derrotado joga na lama, sem nenhum constrangimento, o nome da própria UFSCar, a reputação de seu Conselho Universitário, a responsabilidade da Administração Superior da Instituição e a competência e integridade de alguns de seus servidores, o que não pode ser tolerado.
Não existe processo judicial iniciado em razão de “suspeita de fraude”. E não existe suspeita de fraude. Existem ilações levianas e irresponsáveis sem qualquer materialidade, com inúmeros componentes conspiratórios, pautadas em uma série de absurdos e inverdades já integralmente contestados e esclarecidos com fatos em reunião do Conselho Universitário realizada no último dia 9 de novembro, quando tais alegações – que não chegaram sequer a constituir denúncia formal – foram consideradas não passíveis de acolhimento pelo Conselho.
Por fim, além da improcedência das alegações, o Conselho também pode apreciar como, mesmo se fossem reais e no pior cenário simulado de possibilidade de fraude, o candidato derrotado não passaria dos seus 9% de votação e a chapa vencedora continuaria portadora do projeto escolhido ainda em primeiro turno pela expressiva maioria da comunidade da UFSCar como projeto para a Universidade a ser concretizado nos próximos quatro anos.
Isto posto, só o que podemos esperar é que o Colégio Eleitoral transcorra com tranquilidade no próximo dia 18 e que, sanada a questão judicial, a UFSCar possa ter seu Reitor Eleito nomeado e empossado no menor prazo possível, para que cessem os obstáculos à concretização de sua missão no Ensino, na Pesquisa e na Extensão, especialmente relevante no cenário de pandemia e grave crise sanitária, econômica, educacional e política enfrentada pelo Brasil na atualidade.