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Vale até 2020

Aprovado no governo Temer, livro de ensino médio indicado pelo MEC traz histórias lésbicas

Capa do livro "Amora". (Foto: Reprodução)

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A capa, com a imagem de uma escultura de três mulheres nuas abraçadas - duas delas de rosto colado -, poderia ser uma mera alusão à arte clássica, não fosse o livro uma coletânea de contos sobre experiências amorosas de mulheres homossexuais.

Na primeira página a referência à temática do livro fica mais explícita, com a ilustração de corpos nus femininos, deitados e também abraçados.

Ilustração da primeira página do livro Amora

A seguir, a breve apresentação destaca uma frase de um dos contos - "a sensação de não pertencer a lugar nenhum" -, para resumir o sentimento que permeia os personagens ao longo de todo o livro. Passa-se o índice e lá está a primeira história começando por: "Não aguentava mais aquilo de ser virgem. Dezessete anos e parecia um pecado."

Apesar de trazer a informação de que a protagonista do conto já está no fim da adolescência (é quase maior de idade), o livro tem a leitura recomendada para estudantes a partir de 14, já que foi escolhido como literatura destinada ao ensino médio da rede pública de todo o país.

Amora, da escritora gaúcha Natalia Borges Polesso, vencedor do maior prêmio da literatura nacional, o Jabuti, em 2016, é um dos livros comprados pelo governo federal para compor o acervo das escolas públicas de educação básica. Ele faz parte da primeira lista de obras literárias do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), criada em 2017 durante o governo do ex-presidente Michel Temer, que visa ampliar as oportunidades de acesso e leitura dessas obras pelos estudantes.

O guia PNLD 2018, elaborado para professores e disponível na internet, informa que cada uma das obras foi analisada por professores das áreas de Letras e Educação, com destaque para professores da educação básica, e que a escolha seguiu uma série de critérios. No caso dos livros indicados para estudantes de ensino médio a prioridade teria sido para obras que abordassem projetos de vida, inquietações da juventude, o jovem no mundo do trabalho; a vulnerabilidade dos jovens; cultura digital no cotidiano do jovem; bullying e respeito à diferença; protagonismo juvenil; cidadania; diálogos com a sociologia e a antropologia; ficção, mistério e fantasia e outros temas.

Nem o guia nem o portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) - autarquia responsável pela execução de políticas educacionais do MEC como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático -, explica o que seriam esses "outros temas".

Através do PNLD o governo federal escolhe e disponibiliza os livros, mas cabe aos professores de cada escola decidir quais serão utilizados em sala de aula ou recomendados como leitura aos alunos, tanto que a apresentação do guia para os professores termina com os votos de "Boa leitura e boas escolhas!"

Muitos não gostaram das escolhas feitas pelos professores no ano passado. O livro "Amora", com 33 contos de títulos sugestivos como "Vó, a senhora é lésbica?", "Diáspora lésbica", "Umas pernas grossas" e "Profanação" foi entregue a alunos de ensino médio de escolas públicas de Curitiba e causou indignação nos pais mais atentos. Um deles procurou a redação da Gazeta do Povo para reclamar que, além de sugerir abertamente que jovens experimentem a sexualidade com pessoas do mesmo sexo, faz apologia a práticas delituosas, ao uso de álcool e até de drogas, como no trecho a seguir, do conto "Dreaming" (página 87):

"Os amigos de Mel logo voltaram com mais pó e com o convite de invadir uma mansão que estava vazia naquele fim de semana para ocupar a piscina. A Mel nem titubeou, apenas comentou que finalmente alguém tinha achado uma casa com piscina. Fomos em oito, creio. As outras trinta pessoas continuaram a bebedeira onde estavam. Ao passar pela sala, antes de ir embora, vi um cara desacordado ao lado de uma poça de vômito e duas garotas se beijando numa poltrona. A negra estava sentada com as pernas abertas e sem camiseta e a loira com cara de menor de idade estava sentada em seu colo. Uma tinha a mão dentro das calças da outra e aquilo tinha jeito de estar tão bom que nenhuma das duas parecia se importar com o entorno. Eu me demorei na observação do evento e senti a mão da Mel agarrar meu punho, me puxando para a saída."

Dois parágrafos depois a protagonista do conto relata por que não lembrava a qual famoso pertencia a casa: "já havia bebido uma garrafa de uísque e por ali já tinha também cheirado a bucha toda de cocaína".

Os educadores que participaram da seleção das obras classificaram o livro Amora na categoria "diálogos com a sociologia e a antropologia". O livro é recheado de expressões do chamado vocabulário lésbico, incluindo o próprio título, que seria a palavra "amor" na relação homossexual feminina.

O guia PNLD para professores esclarece que no livro de contos Amora, da escritora Natália Borges Polesso, "reproduções de estátuas de nu feminino encabeçam alguns contos, como que sugerindo um novo tipo de envolvimento e declarando o tema". E ainda que "o próprio título, Amora, é uma adjetivação feminina usual no vocabulário lésbico, comumente relacionada ao substantivo masculino amor".

A lista do governo Temer tem validade até 2020. Segundo o Edital do PNLD 2021, a indicação de novas obras literárias deve ser feita entre 1º e 12 de março de 2021.

O que é o PNLD

O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) existe desde 1937 e é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de ensino brasileira. Ao longo dos mais de 80 anos de existência, o programa foi aperfeiçoado e teve diferentes nomes e formas de execução.

Com a transferência da política de execução do PNLD para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 1997, a produção e distribuição dos livros didáticos passaram a ser feitas de forma contínua e massiva. Todos os estudantes do ensino fundamental passaram a receber livros didáticos de todas as disciplinas.

Em 2004, o Ministério da Educação criou o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), e em 2017, com o Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, o livro literário foi incluído nos processos de escolha de material didático.

Explicações do FNDE/MEC

A Gazeta do Povo questionou o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) sobre o valor gasto com a aquisição e distribuição de livros didáticos para estudantes da educação básica da rede pública para este ano letivo de 2020, quanto foi destinado à compra do livro Amora e quantos exemplares foram distribuídos. Até o momento da publicação desta reportagem não houve resposta.

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