Ouça este conteúdo
Um livro recém-lançado por professores de instituições públicas de ensino superior defende a adoção de pautas radicais em sala de aula e traz reflexões sobre o machismo em filmes pornográficos, além de atacar o “fascismo social” no Brasil. A obra “Caminhos Possíveis a Inclusão V: Gêneros, (Trans) gêneros e Educação” é uma coletânea de artigos editada pelos professores Ana Maria Colling (Universidade Federal da Grande Dourados), Eliane Quincozes Porto e Vantoir Roberto Brancher (os dois últimos docentes do Instituto Federal Farroupilha). O livro traz 12 artigos de autores acadêmicos, quase todos vinculados a alguma universidade pública.
Um dos artigos que compõem o livro traz o resultado de um estudo peculiar: as autoras assistiram a cinco filmes pornográficos com cenas lésbicas para problematizar o uso de objetos fálicos nessas cenas. A conclusão: “Essa dominação masculina sobre as mulheres não é feita apenas no consumo desses corpos, mas também nas cenas pornô lésbicas, que é introduzido de forma explícita, a partir do dildo que é um objeto que imita o pênis, o qual Paul Preciado caracteriza nesses tipos de cena como a reintrodução do poder fálico”, diz o texto. O veredito final do artigo, que tem entre os autores um Doutor em Educação, culpa a “heteronormatividade”.
Outro artigo defende que preceitos da ideologia de gênero sejam incorporados de forma permanente ao currículo do ensino básico em nome da “pedagogia da diferença”. Depois de defender que “ser homem e mulher não está relacionado a ter um pênis ou uma vagina”, as autoras concluem: “Seria importante, no âmbito escolar, desestabilizar as ‘verdades’ construídas acerca dos gêneros e das sexualidades, problematizando o fato de que existem múltiplas formas de ser e estar no mundo. (...) Seria necessário trazer, para discussão, que o encontro com o outro, o/a homossexual, o/a travesti, o/a transexual é inevitável, pois nossas escolas são plurais”, afirma o texto. O artigo é fruto do “Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola”, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
O livro também traz um artigo que classifica o Movimento Escola Sem Partido, que combate a doutrinação ideológica em sala de aula, como um projeto “contra a escola”. “Apresentamos a oposição entre a educação para a promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do país proposta pelo último PNE e a iniciativa conjunta do Movimento Escola Sem Partido (Mesp), organização que fortaleceu e legitimou o discurso conservador contra a escola, por meio de acusações de doutrinação ideológica”, diz um trecho do artigo. Para os autores, que também defendem a educação sobre bandeiras de gênero no ensino básico, “A função da (...) também é de subversão” porque ela é “peça fundamental para enfrentar os discursos que envolvem jogos de poder e processos de significação”. Uma das autoras do texto também é doutora em Educação.
Outro texto incluído na obra sustenta que as instituições públicas de ensino superior são intolerantes com as pessoas trans, e defende a tese de que elas propagam a “cisheteronormatividade”: “A universidade pública continua sendo um espaço da cisheteronormatividade, mesmo com a criação de algumas ações afirmativas voltadas à inclusão e inserção de pessoas trans, como por exemplo, o sistema de cotas em certas instituições.” A “cisheteronormatividade”, aliás, aparece em outros trechos do artigo, como um artigo que analisa a inclusão de “mulheres trans-negras” e que tem entre os pontos mais interessantes a seguinte frase: “Afinal, essas sujeitas em sua maioria são excluíd@s do mercado de trabalho devido à vinculação das opressões que violentam suas identidades de gênero, sexualidade, raça, classe, entre outros marcadores sociais, conformando, assim, o sistema de dominação cisheteronormativo, capitalista, racista e patriarcal”.
Se ainda não havia ficado claro, o posfácio do livro resume a intenção da obra em poucas, embora truncadas, palavras: “Em tempos de fascismo social e político que se manifesta em várias dimensões e esferas, do recrudescimento do conservadorismo na sociedade brasileira as temáticas dessa obra se mostram relevantes no sentido de fazer circular produções de pesquisadores/as diferentes. Universidades brasileiras e instituições que investem na construção de investigações atentas às necessidades de resistir diante desse conservadorismo de modo que questões singulares referentes a gênero, diversidade sexual e Educação sejam historicizadas para fazer frente às diferentes tentativas de cercear tal debate na sociedade, nas universidades e escolas”.
O livro foi publicada por uma editora particular, e portanto não envolveu diretamente o emprego de recursos públicos. Ainda assim, a obra é relevante como mais uma amostra do conteúdo fortemente ideológico produzido por parte das universidades públicas brasileiros - e que em nome de uma agenda supostamente em favor dos direitos humanos, pode ter, dentre outras consequências, a exposição de crianças a conteúdos impróprios em sala de aula, quando não a doutrinação ideológica pura e simples.
O professor Vantoir Roberto Brancher, um dos organizadores da obra, falou à Gazeta do Povo. Segundo ele, o objetivo do livro foi “trazer à luz discussões de gênero e diversidade tão necessárias ao momento histórico contemporâneo”.
Brancher, que atua na área de formação de professores para o ensino básico, afirma também que “enquanto o Brasil for um dos países que mais pratica violência contra mulheres e populações LGBTQI+, esses temas precisam ser trabalhados e muito, não só pelas escolas mas por todas as instituições, educativas ou não”.
Ele acrescenta que “falar sobre gênero não é discutir sexo (exceto quando se está discutindo educação sexual, que também é necessária no momento oportuno). Ao contrário: é educar para proteger contra a violência, inclusive a sexual, que também ocorre como mostram as estatísticas, muitas vezes, por familiares”, afirma.