“A concentração fundiária agrava problemas relacionados ao desemprego, à miséria e à violência no espaço rural. Essa situação ocasionou a organização de movimentos sociais que reivindicam o acesso à terra. Entre eles, um dos mais conhecidos é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reivindica a reforma agrária, ou seja, a redistribuição de terras e da renda agrícola como forma de reduzir a concentração fundiária e garantir melhores condições de vida aos trabalhadores do campo”.
É assim que o livro didático Araribá Mais Geografia, voltado a alunos do 7º ano do ensino fundamental, explica as origens e a motivação do MST. Na mesma página, um texto complementar alega: “Um dos fatos históricos importantes nas mudanças sociais e políticas dos últimos tempos, no Brasil, foi a imperceptível transformação da luta pela reforma agrária numa disputa pela reforma agrária”.
E reforça: “A peleja hoje não é pela reforma em si, já que tanto o governo quanto os partidos de oposição, e os grupos de ação deles dependentes ou com eles alinhados, como os sindicatos, o MST e a Igreja, estão de acordo quanto ao fato de que ela é necessária e inadiável”.
Já o livro didático Nova História Crítica, ao descrever a revolta da Cabanagem, ocorrida no Pará em 1835, acrescenta um quadro afirmando: “No final do século XX ainda há fazendeiro que manda assassinar trabalhadores rurais desobedientes. Tal como na Cabanagem, há mais de um século”.
Vilões e mocinhos nos livros didáticos
“Se um marciano tivesse acesso aos livros didáticos brasileiros - sem ter qualquer conhecimento prévio da história das ideias dos terrestres -, poderia entender que há dois grandes grupos de sujeitos: os mocinhos e os bandidos”, avalia Pedro Caldeira, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Entre os mocinhos, diz ele, estão “os trabalhadores, os assalariados, os oprimidos”. De outro, “os patrões e empresários, sempre tratados como opressores”. O agronegócio, afirma, “só falta possuir cauda bifurca e chifres vermelhos: uso intensivo de agrotóxicos, técnicas de manejo do solo prejudiciais para as futuras gerações, exploração de mão de obra barata, pagamento de salários de miséria, prejudicial ao ambiente...”
E assim os livros afirmam, por exemplo, que o MST surgiu como reação à especulação imobiliária. Esse maniqueísmo, avalia, “é deformador de opiniões e crenças, impedindo o desenvolvimento de sujeitos verdadeiramente críticos e questionadores”.
Afinal, as crianças serão formadas ouvindo esses conceitos, prossegue o professor. “‘Especulação imobiliária’ é o que autores alinhados aos mantras da esquerda designam aos investimentos feitos por pessoas físicas ou pessoas jurídicas tendo em vista a obtenção de algum lucro no curto, médio ou longo termos. De alguma forma, ‘lucro’, ‘lucrar’ e ‘investir’ são demonizados”.
Normas comuns
Os livros escolares brasileiros seguem o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), destinado não só a avaliar como também a disponibilizar às escolas públicas de educação básica obras didáticas, entre outros materiais de apoio à educação. Como informa o Ministério da Educação, a execução do programa ocorre de forma alternada: “São atendidos em ciclos diferentes os quatro segmentos: educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio”.
O texto prossegue: “Os seguimentos não atendidos em um determinado ciclo, recebem livros, a título de complementação, correspondentes a novas matrículas registradas ou à reposição de livros avariados ou não devolvidos”.
O PNLD é o segundo maior programa de distribuição de livros didáticos do planeta, atrás apenas da China. A cada ano, mais de 40 milhões de estudantes, de 140 mil escolas, recebem 150 milhões de livros didáticos. O conteúdo segue a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
No trecho sobre ciências humanas para o ensino fundamental, estabelece que elas “devem, assim, estimular uma formação ética, elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais”.
Mas não há nenhuma orientação específica na BNCC, nem a MST, nem a agronegócio. “Isso não impede que os temas sejam largamente tratados nos livros didáticos”, explica Pedro Caldeira. Uma das explicações é histórica: “se um tema foi abordado com um determinado viés durante os últimos 20 ou 30 anos, é ‘natural’ que ele continue a ser abordado assim. A não ser que alguém dê um basta”.
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