O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) promete facilitar a aproximação entre as universidades e o setor privado para a realização da pesquisa e do desenvolvimento científico no país. Sancionado em janeiro deste ano pela presidente afastada Dilma Rousseff, o documento apresenta uma série de medidas que envolvem a redução da burocracia e a simplificação da gestão dos projetos com o objetivo de incentivar a inovação e o desenvolvimento econômico e social da nação.
Por que as universidades não se abrem às empresas?
Em países desenvolvidos, instituições de ensino superior estão dentro das corporações e vice-versa. Para isso se repetir no Brasil, é preciso mudar a cultura e reduzir a burocracia.
Leia a matéria completaA possibilidade de as universidades e institutos de pesquisa compartilharem seus laboratórios, materiais e equipamentos com empresas para o desenvolvimento de pesquisas (desde que isto não interfira nas atividades da instituição) é um dos destaques da nova lei. O texto também amplia de 120 horas para 416 horas anuais a carga horária que os professores de dedicação exclusiva podem destinar às atividades fora da universidade.
“O marco permite que o professor continue com dedicação exclusiva, mas dedique oito horas por semana para pesquisa em uma empresa, auxiliando-a no desenvolvimento de uma tecnologia”, explica Patricia Magalhães de Toledo, doutora em Política Científica e Tecnológica no Instituto de Geociências pela Unicamp.
Outro avanço, segundo ela, refere-se à segurança jurídica que o marco oferece às empresas ao deixar clara a exclusividade do licenciamento das patentes resultantes de pesquisas que ela ajudou a financiar.
Vetos
Mesmo sinalizando um avanço para a pesquisa científica no Brasil, entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e representantes de centros de excelência no país criticaram oito vetos de Dilma ao texto original do marco legal.
Entre as medidas que foram proibidas pela presidente estão a cobrança da taxa de administração pelo trabalho realizado pelas fundações de apoio na gestão dos projetos e da dispensa da licitação nas contratações de microempresas e de empresas de pequeno e médio portes para a prestação de serviços e/ou o fornecimento de bens para a pesquisa. “A licitação pública é um gargalo para a inovação, pois, além de aumentar a burocracia, torna [o processo] demorado, o que pode gerar perdas”, avalia Patricia.
O veto à isenção dos valores das bolsas de pesquisa para o cálculo da contribuição previdenciária para as instituições privadas, ao contrário do que ocorre nas públicas, é outra crítica levantada pelos especialistas. Segundo Patricia, isso gera uma insegurança jurídica para as instituições referente à abertura de processos que relacionem o pagamento da bolsa a vínculos empregatícios. “Os termos que foram vetados irão trazer novamente a judicialização para a ciência, a tecnologia e a inovação”, avalia Helena Nader, presidente da SBPC.
Defesa
Para tentar reverter os vetos, a SBPC, juntamente com outras 18 instituições que formam a Aliança em Defesa do Marco Legal da CT&I, apresentaram no Congresso Nacional, no início de agosto, a “Carta de Brasília”.
Além da rápida regulamentação do marco, Helena conta que o grupo solicita ao presidente interino Michel Temer a elaboração de um decreto que coloque o texto dos vetos de volta na lei, e que a demanda teria sido bem recebida. “Sem ciência, tecnologia e inovação, a economia brasileira irá despencar. Estamos lutando para que o marco se torne uma realidade e que os vetos sejam derrubados para que o país possa andar para frente”, sinaliza.
Pesquisa consegue mudar o perfil de regiões miseráveis
A parceria entre universidades, setor privado e apoio público para fazer pesquisa de ponta e resolver problemas específicos de uma determinada região é uma receita de sucesso em várias nações. O exemplo mais conhecido é o parque tecnológico na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Há 70 anos, o local amargava um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. Nessa época, universidades –duas públicas e uma privada – se reuniram em uma ação específica para construir, em parceria com empresas e autoridades públicas, um parque científico. Hoje, a região se transformou em um centro de excelência tecnológica e de promoção de bem-estar, não só daquela região, mas com impacto na economia norte-americana.
Para o pesquisador da FGV Daniel Santos, ações similares no Brasil – adequadas à vocação de cada região – poderiam promover desenvolvimento econômico em áreas miseráveis. “Nos países desenvolvidos, o ciclo de inovação segue uma trajetória particular. No centro da economia existe um conjunto de grandes empresas e, ao redor delas, uma periferia de médias e pequenas empresas avançadas, ágeis e flexíveis com pesquisa e inovação. Elas tomam a primeira iniciativa, quase sempre dão errado e recomeçam, mas quando dão certo servem como uma espécie de atalho para o futuro e criam um ciclo virtuoso. Não temos ainda essa periferia, que precisa ser criada urgentemente no Brasil para libertar o país da velha economia de commodities.”
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