Nas últimas décadas, conforme os departamentos de Ciências Humanas e Sociais das universidades brasileiras eram dominados por militantes de esquerda, as ciências exatas se mantiveram relativamente incólumes. Mas, recentemente, isso também tem mudado: as teses mais radicais sobre raça e gênero tem encontrado espaço no campo da Matemática – uma das disciplinas nas quais o Brasil tem mais reconhecimento internacional. Em 2014, o brasileiro Arthur Ávila recebeu a Medalha Fields, a principal premiação da área. E, nas Olimpíadas de Matemática deste ano, o país ficou entre os 10 países com melhor colocação. Os exemplos da “matemática militante” que têm se multiplicado rapidamente ameaçam esse legado.
Um exemplo dessa guinada é o Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que oferece, como uma de suas linhas de pesquisa para mestrado e doutorado, o tema “Educação em Ciências e Matemática para Diversidade Sexual e de Gênero e Justiça Social". Se o candidato tiver uma preferência um pouco diferente, também pode optar pela linha de pesquisa "Descolonialidade e relações étnico-raciais na educação em Matemática e ciências".
A UFRJ também abrigou em 2018 um evento chamado “Racializando as Ciências Exatas”, no qual pesquisadores e professores discutiram como introduzir o debate racial em disciplinas como a Matemática. No evento, Rodrigo Fernandes Morais – doutor pelo Instituto de Matemática e Física da universidade – filosofou: "Os livros de Física só apresentam um único grupo representado apenas por homens brancos, europeus e europeizados, o que torna nossos currículos extremamente eurocentrados, machistas, heterossexistas, ocidetalcêntricos, colonialistas e imperialistas", disse ele, que recebeu a concordância dos demais participantes do debate.
Enquanto isso, na Universidade Federal do ABC (UFABC), o ensino da “afro-matemática” é obrigatório para os alunos do curso de Matemática desde 2017. A ideia era "Problematizar e desenvolver metodologias e percepções que busquem a dialogar entre a educação e as relações sociais, buscando romper com os moldes da educação reprodutora do racismo”.
Parte da explicação para a emergência dos conteúdos como a “afro-matemática” tem a ver com uma lei sancionada em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que estabelece que “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar”. Embora sejam mais pertinentes para disciplinas como História e Geografia, temas como o combate ao racismo passaram também a ser incluídos nos currículos escolares de outras disciplinas, como a Matemática. A novidade fomentou, na academia, o debate sobre a chamada “racialização” das ciências exatas.
A produção de artigos acadêmicos também tem demonstrado uma ideologização cada vez maior das ciências exatas.
Getúlio Rocha Silva, professor do Instituto Federal da Bahia, publicou um artigo acadêmico intitulado “Uma proposta didática para descolonizar o Teorema de Pitágoras em cursos de Licenciaturas em Matemática”. O grego Pitágoras morreu em 495 antes de Cristo, dois mil anos antes do colonialismo europeu ter início.
Outro artigo, assinado por duas professoras da Universidade Federal da Bahia, diz que há poucas mulheres na Matemática porque os homens supervalorizam a razão. “Diante deste contexto, podemos pensar os campos das pesquisas científicas matemáticas como um lugar também de dominação masculina, no qual os homens reificam a razão para desenvolver o pensamento racional, abstrato e lógico, mantendo o poder de dominação sutil e invisível que coloca as mulheres em patamares inferiores hierarquicamente.”
A premissa usada nos exemplos acima é a de que a disciplina de Matemática não deve tratar só de Matemática, mas problematizar a própria forma como o conhecimento matemático foi construído do ponto de vista histórico, sociológico e cultural. Assim, professores passam a ver como missão o combate ao “eurocentrismo” e ao “machismo” nas ciências exatas.
A ironia é que a própria universidade, uma criação de homens brancos europeus e cristãos (a Universidade mais antiga é a de Bolonha, na Itália, nove séculos atrás), seria o ambiente colonialista e “ocidental-cêntrico” por excelência: alguém plenamente apegado à cultura africana ou indígena “original” não participaria de seminários acadêmicos ou escreveria artigos científicos.
Embora pareçam caricatos, os projetos que misturam ideologia com matemática têm um custo significativo: ao direcionar recursos (já escassos) a este tipo de iniciativa em vez de priorizar a produção de conhecimento de ponta nas ciências exatas, as instituições de ensino reduzem as chances de produzir novos pesquisadores renomados. Ninguém jamais ganhou uma Medalha Fields ou ganhou uma Olimpíada de Matemática com uma tese sobre o eurocentrismo nas ciências exatas.
Para o estatístico Alfredo Salgado, mestre pela Universidade de Brasília e doutorando pela Unicamp, a imposição de temas como a afro-matemática parte de pressupostos equivocados. “Por se tratar de ciências exatas, quase não há subjetividade na Matemática ou na Estatística. Se a pessoa que conseguiu demonstrar um teorema ou resolver um problema matemático é da etnia A ou da etnia B, pouco importa”. Ele complementa: “Por isso a Medalha Fields já foi entregue para iraniano, indiano, brasileiro, vietnamita, europeu, australiano, sul-africano, japonês e chinês”.
O professor canadense Bryon Richard Hall, que leciona no curso de Matemática da Universidade Federal de Goiás, afirma que a Matemática que se estuda hoje tem influência de diversos povos não-europeus – a começar pelo sistema numérico indo-arábico. Segundo ele, razões históricas, como a emergência do mercantilismo e a escassez de recursos naturais na Europa, explicam porque alguns países passaram à frente neste campo. “Não duvido que na África tenha existido um desenvolvimento semelhante ao da Europa até o século 15. Mas os registros escritos da África se deterioraram. Herdamos muito pouco deles”, explica.
O professor diz ainda que, por causa do seu caráter objetivo, a matemática não discrimina. “Discriminação contra a origem dos autores não é a norma da matemática. Em outras áreas da ciência o local de origem da pessoa pode ter alguma influência. Mas Matemática é Matemática, não importa de onde vem”, diz ele.
Com Marina Silva isolada, agenda ambiental de Lula patina antes da COP-30
Paraná e São Paulo lançam alternativas ao Plano Safra para financiamento do agronegócio
De Silveira a presos do 8/1: sete omissões da pasta de Direitos Humanos de Lula
Dino vira peça-chave para o governo em menos de um ano no STF