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A avaliação virtual para autorização ou reconhecimento de cursos de ensino superior virou padrão no Brasil. Um projeto de lei que trata sobre o assunto aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL) para virar lei, mas já é aplicado e celebrado há meses pelos órgãos do governo e também pelas instituições de ensino (IEs) particulares. A economia de recursos e a celeridade do processo são apontados como vantagens. Por outro lado, esse ritmo acelerado e as brechas tecnológicas geram temores quanto à qualidade do ensino que os futuros profissionais receberão.
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Chamada de avaliação externa virtual in loco, essa modalidade criada de forma excepcional durante a pandemia vai ser institucionalizada pela conversão da Medida Provisória nº 1.090/21 em lei. O projeto, que altera a Lei nº 10.861/04 foi aprovado pelo Senado no fim de maio e Bolsonaro tem até esta terça-feira (21) para sancionar ou vetar o texto. A MP originalmente tratava apenas do perdão de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
A visita virtual é feita por meio de videoconferência. Os avaliadores sorteados pelo Inep verificam documentos, vídeos e fotos, fazem entrevistas com coordenadores, professores e alunos dos cursos; acompanham uma visita pelas instalações físicas da instituição e vistoriam os sistemas de informática utilizados. A não ser por algumas informações específicas sigilosas, todo o processo fica gravado. O sistema utilizado pelos avaliadores se baseia no georreferenciamento, instrumento que ajuda a verificar a infraestrutura do curso ou da instituição.
A regulamentação da avaliação externa foi feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no fim de abril. Ao falar sobre o tema, o presidente do órgão, Danilo Dupas, exaltou a velocidade das avaliações: serão feitas cerca de mil por mês de maio até outubro. Outro ponto destacado por ele foi a economicidade. “De abril de 2021 até hoje, foram realizadas 3.861 avaliações virtuais, o que estimamos se tratar de uma economia de recurso público na ordem de R$ 20 milhões”.
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) celebrou a regulamentação. “Ficamos praticamente sem ter avaliação da educação superior em 2020 porque ela era somente presencial e teve de ser suspensa com a pandemia. Todo o sistema ficou prejudicado. A avaliação virtual começou com um projeto piloto que ganhou corpo e deu muita celeridade ao processo. Tudo caminha para o uso da tecnologia, e não poderia ser diferente com a avaliação de cursos”, diz o diretor-executivo da Abmes, Sólon Caldas.
Pelo texto aprovado no Senado, alguns cursos ficam de fora da avaliação virtual e ainda receberão visitas presenciais: Medicina, Psicologia, Odontologia e Enfermagem. Essa listagem ainda pode crescer conforme regulamentação no Ministério da Educação (MEC). “Um modelo não compete com o outro. Os cursos e instituições que podem ser avaliados virtualmente serão. Aqueles que necessitam da presença continuarão da mesma forma. Quem ganha é a sociedade com a celeridade nesses processos, além da economicidade”, opina Caldas.
Pesquisadores temem fraudes e baixa qualidade de cursos
Por outro lado, pesquisadores apontam que a celeridade e a adoção de ferramentas tecnológicas poderiam causar prejuízos à sociedade com a baixa qualidade da avaliação. Essa é a conclusão de um artigo de coautoria da professora de Teoria e Planejamento de Ensino Liz Paiva, professora na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Segundo o artigo, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, por exemplo, tem um total de dez campi, dos quais nove com cursos de graduação. Em avaliação feita pelo Inep em 2021, foram visitados dois campi. Com as informações coletadas, a instituição passou de um conceito 3 (satisfatório) em 2016 para 5 (excelência) em 2021. “Como detectar a identidade institucional avaliando somente dois campi, os mais antigos, os mais consolidados e deixando os outros de lado?”, é um dos questionamentos apresentados.
Para Rogerio Schlegel, cientista político e pesquisador associado ao Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), seria ingênuo acreditar que não haverá fraudes em um sistema de avaliação virtual. Em texto publicado no site do Sou Ciência, ele ironiza a eficácia de ferramentas como GPS de celular, que podem ser facilmente burlados, tal como adolescentes fazem com o jogo Pokémon Go. O risco, para ele, é de avaliadores serem apresentados a espaços físicos que não fazem parte da infraestrutura das instituições de ensino. “Quem mais se beneficia com o afrouxamento do controle de qualidade do superior naturalmente é quem mais tem a perder com uma avaliação substantiva, consistente e contextualizada. Se é necessário separar o joio do trigo quando se fala das instituições privadas, é justamente essa tarefa que sai prejudicada com a crise da avaliação externa que se instalou no MEC”, conclui no texto.
Pontos fortes não anulam necessidade de aperfeiçoamento constante
Um dos avaliadores do Inep, Paulo Adriano Schwingel, que é professor na Universidade de Pernambuco (UPE), afirma que a qualidade da visita virtual pode ser equivalente à da presencial. “Todos os avaliadores buscam manter o mesmo rigor e organização”, atesta. Os avaliadores são sorteados de maneira aleatória, dentro da área de formação, para avaliarem cursos fora do estado onde residem. “Eu sou da área de Educação Física. Não quero que os cursos fechem, mas buscamos que apresentem condições mínimas para formar bons profissionais. O importante é que não seja subavaliado ou superavaliado”, diz.
Um ponto destacado por Schwingel é que o formulário padronizado de avaliação, que é público, permite às instituições se prepararem de forma adequada para obter o credenciamento, isso tanto no presencial como no modo virtual. Mas o avaliador precisa verificar evidências, e às vezes isso fica prejudicado na avaliação a distância, explica.
“Muitas instituições de ensino ficam em regiões com conexão ruim com a internet. Pela formação que recebemos e o guia de boas práticas, conseguimos suprimir eventuais contratempos, mas é diferente de quando ouvimos uma pessoa ao vivo. Nos vídeos apresentados a gente consegue identificar se há um piso tátil para deficiente visual, consegue visualizar se há banheiro para cadeirante, mas pode haver dificuldade para avaliar se é perto ou distante”, exemplifica. Sobre a geolocalização, ela às vezes indica que algum espaço externo é próximo, e por isso não haveria prejuízo ao ensino, mas as conversas com alunos revelam que às vezes são locais de difícil acesso.
O avaliador pondera que o processo deve ser constantemente aperfeiçoado, especialmente para permitir a verificação de espaços de prática de ensino. Na opinião dele, o momento econômico atual impõe mudanças nos procedimentos, e a economia com deslocamentos é importante. “Mas existe um consenso em fóruns de discussão, uma vontade de que as avaliações voltem a ser presenciais em algum momento. Há vários pontos positivos, mas muitas vezes o olho no olho e a presença no local permitiria um grau maior de precisão na avaliação”, acrescenta.
Ampliação do ensino é meta do PNE
Um dos desafios com a aceleração das avaliações externas virtuais é o acúmulo de visitas. Algumas instituições recebem até seis comissões diferentes no mesmo dia, para avaliar diferentes cursos. O Inep sugere que ocorram no máximo três avaliações simultâneas, e orienta que as demais podem ser remarcadas sem prejuízo à instituição.
“Os cursos são diferentes, mas o espaço de trabalho para o professor de tempo integral, por exemplo, é o mesmo, então podem ocorrer confusões com a sobreposição de visitas. A mesma coisa ocorre com laboratórios de informática e biblioteca. Isso acaba gerando novas demandas na avaliação”, pondera Schwingel. O guia de boas práticas orienta quanto à resolução de conflitos, mas os avaliadores são professores com vínculo ativo com instituições de ensino, onde lecionam, e por vezes a organização das agendas com tantas visitas fica mais complicada.
A velocidade das avaliações é uma forma de o Inep zerar a fila de cursos no aguardo de autorização. Sólon Caldas, da Abmes, ressalta que o Plano Nacional de Educação (PNE) definiu metas para a expansão do ensino superior que estão longe de serem cumpridas pelo Brasil. “Se tudo continuar como está, a taxa líquida de matrícula de 33% que deveria ser alcançada em 2024 só vai ocorrer em 2040. Já estamos sentindo a falta de não de obra na área de tecnologia e na indústria e temos essa preocupação com a formação, para não termos um apagão nos próximos anos”, destaca.