O Ministério da Educação (MEC) está tentando emplacar a criação de pelo menos 11 novas instituições de ensino federais – cinco universidades e seis institutos. A proposta, segundo a pasta, é baseada em critérios técnicos, mas opositores têm acusado o MEC de atuar para favorecer aliados do governo em alguns estados.
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Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle convocou o ministro da Educação, Milton Ribeiro, para prestar esclarecimentos sobre sua proposta. Autor do requerimento, o deputado Elias Vaz (PSB-GO) justificou a convocação dizendo que a pressa do MEC com tema “é vista como uma tentativa de usar a proposta para as eleições de 2022”.
“A medida precisa ser mais bem discutida e requer critérios mais bem definidos, ao contrário de ser tratada de maneira açodada como quer o ministro Milton Ribeiro”, afirmou Vaz.
Ribeiro atendeu ao requerimento e foi à Câmara no dia 20 de outubro. Em sua fala, ele afirmou que a criação das novas instituições “permitirá que os novos dirigentes canalizem seus esforços para a potencialização da nova universidade ou instituto federal, criando subsídios para delinear a estratégia de educação superior mais adequada”.
Os novos institutos, de acordo com dados divulgados pelo MEC durante a audiência na Câmara, custariam R$ 74,9 milhões por ano aos cofres públicos. Segundo a Folha de S.Paulo, que teve acesso a uma minuta do MEC sobre a proposta, a pasta estima gastos anuais extras de R$ 147 milhões com as novas instituições, incluindo as universidades.
Na audiência de Ribeiro na Câmara, a principal crítica feita por parlamentares foi a falta de perspectivas concretas para a sociedade, já que a criação dos novos institutos e universidades por meio do desmembramento de instituições não acarretará aumento das vagas para estudantes e da oferta de cursos.
MEC diz que novas instituições ajudarão a cumprir metas do PNE e que desmembramento não é novidade
À Gazeta do Povo, o MEC disse que o objetivo da proposta é “a expansão, interiorização e consolidação da rede de ensino superior, a democratização de seu acesso e a promoção de inclusão social e desenvolvimento regional”. A pasta afirma que quer fazer isso por meio de uma “política estratégica de criação de mecanismos de gestão e governança”, com o objetivo de cumprir as metas Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024.
O MEC ressalta ainda que o desmembramento de universidades “não é uma realidade recente”. Segundo o ministério, um recorte histórico mostra que das 25 universidades federais criadas no Brasil desde o ano de 2000, 21 delas são frutos do desmembramento de campus ou de transformação de uma instituição já existente em universidade. “É exatamente pelo reconhecimento do acerto da medida que a estratégia continua sendo replicada”, diz o MEC.
Sobre os critérios usados, a pasta afirma que a escolha das localidades (veja a lista no fim deste texto) e a condução do processo estão sendo pautados “pelos princípios da eficiência administrativa, moralidade, publicidade e transparência”. As informações da minuta obtida pela Folha foram solicitadas pela Gazeta do Povo, mas, até a publicação da reportagem, o pedido não tinha sido atendido.
O conselho universitário de uma das instituições envolvidas na proposta do MEC, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), publicou uma nota no mês passado contra a fragmentação do seu campus. A proposta “pode trazer impactos negativos tanto para a Ufes quanto para a universidade que se pretende criar” e está sendo conduzida de forma “exógena, sem diálogo e sem o devido planejamento”, diz o documento.
“É importante notar que as experiências recentes de criação de novas universidades, a partir da separação de campus fora da sede, tais como as chamadas universidades supernovas (Universidade Federal de Jataí – UFJ, Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – Ufape, Universidade Federal de Rondonópolis – UFR, Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPar e Universidade Federal de Catalão – UFCat), não são nada abonadoras. Essas universidades, criadas em dezembro de 2019, permanecem ainda hoje, em sua maior parte, dependentes das universidades mães, com dificuldades para o estabelecimento de estrutura administrativa própria e constituição de quadro adequado de docentes e técnicos”, afirma o conselho da UFES.
Durante a audiência na Câmara, o ministro Milton Ribeiro respondeu a críticas sobre a falta de diálogo com as instituições: “Em nenhum momento impusemos aos reitores uma decisão de cima para baixo. Nós os ouvimos, e alguns se manifestaram positivamente e outros, não. Quem se manifestou positivamente, atendemos e analisamos”, disse.
Especialistas divergem sobre efeitos da criação de novas instituições
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo divergem sobre os possíveis efeitos da criação de novos institutos e universidades federais. O principal argumento favorável à novidade é que o desmembramento facilitaria a gestão das instituições. Por outro lado, há o risco do aumento da burocracia, e o crescimento dos gastos viria em um momento especialmente delicado dos investimentos em educação no Brasil.
“Nós temos uma crise fiscal enorme, que afetou muito a educação. E eu acho que o dinheiro da educação deveria ir, hoje, cada vez mais para resgatar as aprendizagens que foram perdidas na educação básica. E, no ensino superior, para poder criar nas já existentes universidades e institutos federais condições melhores de ensino e pesquisa. Houve perdas de recursos importantíssimas nos últimos anos, dada a crise fiscal que a gente vive”, alerta Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (CEIPE-FGV).
De acordo com a especialista, a novidade poderá significar mais cortes de investimentos no ensino superior. “Não tenho dúvida disso. Lógico que nossa crise não vai durar para sempre. Mas eu acho que decisões como essa deveriam esperar a situação fiscal melhorar. E, enquanto isso, fazer o que os outros países fizeram, que foi, em seguida e durante a crise da Covid, especialmente na reabertura de escolas, investir mais recursos em estratégias de recuperação de aprendizagens tanto na educação básica quanto no ensino superior”, afirma.
Claudia destaca ainda o problema da falta de perspectiva em relação a novas vagas, já que “é mero desmembramento, o que quer dizer que não aumenta o número de alunos”. Para ela, o argumento do MEC de que o desmembramento de universidades e institutos não é novidade no Brasil não está de todo errado, mas oculta parte da realidade, já que, nas outras ondas de expansão do ensino superior, a quantidade de vagas teve um aumento expressivo.
“Em 2000, eu acompanhei a expansão que aconteceu com grande preocupação, porque as universidades tinham cada vez menos recursos e eram cada vez mais usadas como forma de ganhar apoios políticos. Mas, naquela época, a expansão significou – e aí vem a diferença – expansão de vagas. As duas expansões anteriores estavam vinculadas à expansão de vagas no ensino superior público. A diferença é que, agora, não implicará em aumento de vagas.”
Na opinião dela, a única explicação plausível para a criação de novas instituições no atual momento é “a possibilidade de nomeação para cargos de livre provimento”. “A única razão que eu enxergo são razões políticas ligadas à eleição de 2022. E eu acho uma pena isso. Política de educação deveria ser política de Estado. Não é a primeira vez que se faz isso. Não é que o clientelismo tenha surgido só agora. Mas, desta vez, eu acho mais problemático ainda, porque não resulta em ampliação de vagas para alunos. Lógico que, a longo prazo, pode resultar. Mas por que fazer isso agora, no meio da maior crise que a educação está vivendo nesse país, em que não há dinheiro para nada?”
Marilson Dantas, especialista em governança pública e professor da Universidade de Brasília (UnB), considera que o desmembramento dos institutos e universidades pode ser útil do ponto de vista da gestão. “Imagine uma única universidade do Amazonas para cuidar, com a necessidade e a celeridade que precisa, de um estado daquele tamanho, com características diversas. Fazer essa separação permite que o gestor, o reitor daquela universidade, possa focar mais naqueles problemas específicos da sociedade local, porque ele convive mais de perto”, afirma.
Sobre o aumento de gastos, ele diz que, caso o processo de desmembramento seja “bem feito tecnicamente”, a mudança pode valer a pena. “O que eu acho que é importante não é questionar o que se gasta com as pessoas, porque educação é feita por pessoas e é um fato que isso vai custar caro. O desafio é saber como é que nós estamos fazendo a governança e a gestão deste espaço, como é que o MEC está trabalhando isso”, afirma ele.
Além disso, segundo Dantas, a criação de uma nova instituição pode ajudar a estabelecer novas metodologias “de informação, de governança e de ensino” que se tornem referência para o restante das instituições, o que é positivo para renovar a cultura de gestão no ensino. “Ela tem condição de ser totalmente diferente, porque está sendo criada do zero. Eu acho que a discussão tem que ser: qual é o projeto novo desta universidade? Ela é uma cópia da antiga? Ou ela busca criar uma oportunidade de se dizer: ‘pode ser feito diferente, pode mudar’?”, pondera o especialista. “É uma oportunidade a criação destas universidades neste momento de pandemia. Eu acho que elas têm como ser diferentes e mostrar oportunidades e possibilidades”, acrescenta.
Onde o MEC quer criar novos institutos e universidades federais
O MEC quer criar cinco novas universidades federais:
- No Piauí, a Universidade Federal do Sudeste e Sudoeste do Piauí (Unifesspi), a partir do desmembramento da Universidade Federal do Piauí (UFPI);
- no Maranhão, a Universidade Federal da Amazônia Maranhense (UFAMA), com o desmembramento da Universidade Federal do Maranhão (UFMA);
- no Espírito Santo, a Universidade Federal do Vale do Itapemirim (UFVI), com o desmembramento da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES);
- no Mato Grosso, a Universidade Federal do Norte Matogrossense (UFNMT), com o desmembramento da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT);
- e no Amazonas, a Universidade Federal do Alto Solimões (UFAS), a partir do desmembramento da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Além disso, o MEC quer criar também seis novos institutos – instituições que costumam oferecer cursos técnicos e profissionalizantes. Seriam os seguintes:
- Dois a mais em São Paulo, com o desmembramento do Instituto Federal de São Paulo;
- dois a mais no Paraná, a partir do desmembramento do Instituto Federal do Paraná;
- um a mais em Goiás, com o desmembramento do Instituto Federal de Goiás;
- e, no Rio de Janeiro, a integração do Instituto Benjamin Constant à rede federal de institutos tecnológicos.