O ministro da Educação, Camilo Santana, manifestou em janeiro seu desejo de expandir a oferta de ensino em tempo integral nas escolas públicas do Brasil. A medida pode ter alguns pontos positivos, como mitigar o contato dos jovens com a criminalidade, mas pesquisadores e especialistas em educação alertam para a ineficácia do tempo integral na aprendizagem, para os gastos exorbitantes em detrimento do baixo benefício que esse tipo de educação supõe, e para o erro de foco, que deveria estar na qualidade do ensino oferecido, e não na quantidade de horas em sala de aula.
Santana disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que defende a ampliação do tempo integral “em todas as séries”, mas que o planejamento disso se iniciará pelo ensino médio e pelas últimas séries do fundamental, que, segundo ele, são “os anos mais delicados para o jovem”. “É uma política de proteção da meninada. A maior política de prevenção à violência é implementar a escola em tempo integral em todos os níveis”, afirmou.
O tema é suscitado na esfera federal ao mesmo tempo em que seu debate vem à tona em diversas secretarias de educação estaduais. No Ceará, por exemplo, o governo anunciou recentemente que criará mais 80 escolas de ensino médio em tempo integral, o que fará com que mais de 70% da rede estadual cearense funcione em jornada ampliada. No Paraná, o governador Ratinho Junior (PSD) anunciou que mais 86 instituições da rede pública passarão a oferecer ensino integral, totalizando 253 colégios e abarcando 55 mil estudantes.
Em São Paulo, por outro lado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer refrear a expansão acelerada que o governo Doria promoveu na oferta de ensino em tempo integral. Em entrevista recente à Rádio Bandeirantes, Tarcísio disse que “não adianta ter escolas de tempo integral se a escola não tiver infraestrutura”. “Hoje você tem, principalmente nas regiões periféricas, pouca oferta de salas de aula, salas de aulas lotadas”, comentou.
As instituições de tempo integral, para ele, podem acabar desvalorizando os profissionais de educação. “Vamos supor: ‘Ah, vou montar uma escola de tempo integral…’ Aquele profissional que tinha que trabalhar em duas escolas diferentes para garantir o seu sustento, quando ele ficar preso a uma escola só, não vai ter recurso. A escola de tempo integral só faz sentido se eu tiver a bonificação necessária para fixar aquele profissional numa escola só.”
A tendência nacional de crescimento da oferta do ensino integral na rede pública segue uma determinação do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2013. A meta 6 do PNE é oferecer educação nesse modelo em, no mínimo, 50% das escolas públicas, atendendo ao menos 25% dos alunos.
A implementação de escolas públicas de tempo integral no Brasil começou antes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), contudo, com o Programa Mais Educação, criado em 2007. A ideia do projeto foi ampliar a jornada escolar nas instituições públicas para no mínimo 7 horas diárias, com a previsão de atividades optativas como educação ambiental, cultura digital, comunicação e uso de mídias, investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.
Foco deveria ser melhorar qualidade do ensino, e não ampliar quantidade de tempo, dizem especialistas
Para Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica do MEC e colunista da Gazeta do Povo, não adianta aumentar a quantidade de tempo que os jovens passam na escola sem aprimorar a qualidade dos currículos, que têm sido uma pedra no sapato da educação básica no Brasil. “Sem currículo, podemos ter aula 24/7 que não vai mudar nada”, critica.
A especialista considera que a ampliação da oferta de escolas em tempo integral servirá como pretexto para aumentar investimento com pouca previsão de retorno. “A esquerda sempre gosta de gastar mais e contratar mais. E não há refém melhor para justificar gasto que aluno que não aprende”, observa.
A educadora Anamaria Camargo, presidente e diretora-executiva do Livre pra Escolher, diz que as escolas em tempo integral da rede pública tendem a funcionar, em certa medida, “como um depósito de crianças”. “É muito aquele pensamento de que ‘é melhor deixar na escola do que deixar na rua, porque tem violência, porque tem tráfico de drogas’. Nesse aspecto social, pode até ter algum papel, mas, educativamente falando, não há ganho”, comenta.
Para ela, é necessário pensar sobretudo na relação custo-benefício, e as evidências sobre os resultados obtidos com o ensino integral não justificam o aumento de gastos. “Vale a pena gastar 2% do PIB em 'depósito de adolescentes'? Outras medidas não seriam melhores? A gente sabe que, dificilmente, com os projetos que costumam surgir, com os mesmos professores, com os mesmos alunos, dificilmente esses 2% do PIB vão se transformar em educação de qualidade.”
Anamaria recorda que boa parte das pessoas que entram em cursos de Pedagogia tem baixo desempenho na escola, e que são essas mesmas pessoas que conduzirão as salas de aula nas instituições de tempo integral. “Sem querer desmerecer a boa vontade dos professores, o esforço. Mas em termos cognitivos, de preparação, o Brasil seleciona muito mal seus professores. Para entrar em um curso de Pedagogia, para ser professor, o nível de exigência é muito baixo. A gente seleciona entre os piores. E é esse mesmo grupo de pessoas que é contratado para o contraturno da escola”, diz.
A perspectiva de resultados tende a ser ainda mais baixa levando em conta algumas mudanças implementadas pelo Novo Ensino Médio – projeto de reforma previsto na BNCC que começou a ser implementado em 2022. Recentemente, reportagem do jornal O Globo mostrou que disciplinas tradicionais têm perdido espaço em algumas escolas, enquanto surgem matérias como “RPG”, “Brigadeiro caseiro” e “Mundo Pets SA”. A mudança faz parte de um processo previsto pela BNCC chamado “itinerários formativos”, que busca trazer para a escola algumas áreas de conhecimento que seriam de interesse dos estudantes.
Para Anamaria, esse é mais um motivo pelo qual a expansão do ensino em tempo integral tende a dar pouco resultado. “Provavelmente não vai ter nenhum efeito em termos de preparação acadêmica do aluno. Eles vão preencher o tempo usando essas disciplinas esquisitas, tipo ‘brigadeiro caseiro’ ou coisas assim.”
Pesquisa revela ineficácia do ensino em tempo integral na aprendizagem de alunos da rede pública
Ilona Becskeházy avalia que a falta de embasamento científico é outro problema da decisão de ampliar o ensino em tempo integral. Para ela, a medida suporá um aumento nos gastos sem previsão de benefícios, já que a ampliação do tempo dos estudantes nas escolas não tem sua eficácia comprovada por pesquisas científicas. “Como qualquer desenho de políticas públicas, é preciso usar evidências científicas para pautar gastos”, diz.
Em 2019, a pesquisadora Juliana Viana Gandra, doutoranda do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da UFMG, constatou em pesquisa quantitativa que o Programa Mais Educação, de expansão do ensino de tempo integral, piorou o desempenho médio de alunos nas avaliações de português e matemática da Prova Brasil.
“Na amostra analisada, o Mais Educação contribuiu negativamente para o desempenho médio (exceto em alguns casos em que o efeito foi inexistente). Os resultados encontrados indicam a possibilidade de problemas no desenho do programa, e, desenvolvidas da forma como estão, as atividades propostas aos estudantes podem ser ineficientes para promover as habilidades que são cobradas em testes padronizados como a Prova Brasil”, afirmou o estudo.
A pesquisadora apresenta algumas hipóteses para a queda no rendimento, como a possibilidade de que o perfil dos alunos que decidiram recorrer às escolas do Programa Mais Educação seja diferente do estudante médio matriculado em turno único. “Estudos constataram que a presença do Mais Educação reduz as taxas de reprovação e abandono. É natural intuir que estes alunos que contaram com a ajuda do programa para permanecerem na escola ou progredir de ano apresentam um rendimento inferior aos outros”, explica.
Outra hipótese, segundo ela, é “a pouca conexão entre as atividades desenvolvidas pelos alunos do programa e as habilidades cobradas nos testes da Prova Brasil”. “As escolas participantes do programa não necessariamente estão trabalhando no contraturno assuntos relacionados aos conteúdos cobrados na Prova Brasil”, diz.
Para Anamaria Camargo, em vez de aumentar o uso de recursos para projetos com resultados incertos, a educação pública brasileira deveria focar na melhor aplicação de “um currículo mínimo, enxuto e robusto”. “Uma vez que isso seja garantido, aí eles comecem a ensinar a fazer brigadeiro. Mas, primeiro, tem que fazer por merecer os recursos que a gente coloca lá. Ano após ano aumentam o investimento, os gastos com educação, e os resultados continuam péssimos. Não houve qualquer avanço no desempenho no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Zero”, afirma.