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Educação diferenciada

Meninos de um lado, meninas do outro

Christiane tem três filhos que estudaram em uma escola só para meninos e matriculou o mais novo, Lucas, de 6 anos, na Escola do Bosque: “salvação” | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Christiane tem três filhos que estudaram em uma escola só para meninos e matriculou o mais novo, Lucas, de 6 anos, na Escola do Bosque: “salvação” (Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo)

Com a proposta de oferecer ensino fundamental em turmas separadas por sexo, em período integral e com um plano de desenvolvimento pessoal, a Associação de Educa­ção Personalizada (AEP) abriu dois co­­légios neste ano, em Curitiba. A Es­­cola do Bosque, para meninos, e Es­­cola Mananciais, para meninas, funcionam no mesmo terreno, mas em prédios separados, no bairro São Lourenço. Os 18 alunos e alunas matriculados nas primeiras séries recebem o mesmo conteúdo, mas são estimulados de forma diferente, conforme as características biológicas e a capacidade cognitiva de cada sexo. A proposta, chamada de educação diferenciada, adotada em países da Europa, América do Sul e Estados Unidos, é polêmica e questiona a eficiência da educação mista, adotada, quase que exclusivamente, pelas escolas públicas e privadas do Brasil.

"A escola que teve melhor desempenho no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) era só de meninos", ressalta o diretor das escolas, Roberto Abia. Ele se refere ao Colégio São Bento, no Rio de Janeiro, dirigido e mantido por monges beneditinos desde 1858.

Assim como a escola carioca, os colégios curitibanos também atuam com base em fundamentos cris­­tãos. Christiane da Veiga Pinheiro, 41 anos, afirma que não levou isso em consideração na hora de matricular o filho Lucas, 6 anos, na Es­­co­­la do Bosque. Seus três filhos mais ve­­lhos, agora com 17, 15 e 13 anos, fizeram parte do ensino fundamental num colégio só para meninos, em São Paulo, mas foram obrigados a voltar para a educação mis­­ta quando mudaram de cidade. Há cinco anos em Curiti­ba, a mãe não teve dúvidas ao mu­­dar o caçula de es­­cola. "Fui a primeira a fazer a ma­­trícula por e-mail. Esse colégio foi a minha salvação", diz. Segundo a mãe, independentemente da linha católica, a educação em escolas com se­­paração de gênero é mais refinada em todos os aspectos do desenvol­­vimento. "A formação do caráter é es­­ta­­belecida com valores e virtudes. O contato com as meninas, por exemplo, é muito mais respeitoso."

Para uma das maiores defensoras da educação diferenciada na Europa, María Calvo Charro, a proposta de separação de gênero não é conservadora, reacionária ou produto da direita católica mais radical. "É a nova bandeira defendida pela esquerda e pelas feministas mais progressistas, com forte em­­basamento nos estudos científicos que demonstram diferenças entre homem e mulher até mesmo na estru­­tura cerebral", afirma. Se­­gundo María, professora da Uni­ver­­sidade Carlos III de Madri, a neu­­rociência, a endocrinologia genética e a psicologia do de­­sen­­vol­­vi­­men­­to de­­mons­­tram que as diferenças entre os sexos em suas aptidões, formas de sentir, trabalhar e reagir não são apenas resultado dos papéis sociais tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres. "As diferenças são de ordem natural e biológica, mas incidem diretamente em seu desenvolvimento pessoal, emo­­cional e intelectual. Está am­­plamente demonstrado que o processo de maturação é diferente. As meninas amadurecem biológica e psicologicamente antes que seus colegas de mesma idade", explica.

Contra

Para o presidente do Conselho Na­­cio­­nal de Educação, Cesar Callega­ri, o método é questionável e representa um retrocesso. Segundo ele, a educação segregacionista cria uma realidade artificial que não traduz a realidade das universidades e nem do mercado de trabalho. "A segregação pode, inclusive, acentuar estereótipos de gêneros."

O professor Joe Garcia, que co­­ordena um grupo de pesquisa so­­bre indisciplina escolar na Uni­­ver­­sidade Tuiuti do Paraná, concorda. "É preciso considerar que uma das finalidades da escola é justamente formar para a sociedade onde está inserida, ou seja, a que integra me­­ninos e meninas. E a escola ganha ao estar mais próxima da realidade social, porque sob alguns aspectos ela já é suficientemente artificial", diz. Além disso, ele avalia que é ne­­cessário prudência ao pensar em aplicar, no Brasil, modelos adotados em outros países. "As pesquisas realizadas em diferentes países mostram resultados diferentes e até mesmo opostos, por isso é preciso considerar os elementos culturais envolvidos", defende.

A coordenadora do Programa Adolescente Sau­dável da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Júlia Cordelini, também discorda da proposta. "A educação baseada na divisão sexista não cria ambiente para discutir a questão de gênero e a escola é um espaço privilegiado para que as crianças e adolescentes aprendam a lidar com as diferenças e as diversidades. Como a homossexualidade será tratada neste ambiente, por exemplo? A intolerância me preocupa", pondera a médica hebiatra (especialista em adolescentes).

Por outro lado, a médica não ex­­clui a possibilidade de a escola pro­­por­­cionar momentos de educação individualizados, desde que essa demanda venha do próprio gru­­po. Segundo ela, uma ex­­pe­­riência realizada com estudantes da 7.ª série do ensino fundamental, numa escola municipal, teve resultado positivo. Os alunos quiseram ter au­­las de orientação sexual separados. Um médico falou com os me­­ninos e uma médica, com as meninas. "Eles ficaram mais à vontade porque o desenvolvimento puberal do corpo e da mente e a curiosidade sobre um mesmo assunto são diferentes", considera.

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