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Gestão de crise

Menos dias letivos, mensalidade reduzida e aulas online: a batalha das escolas para sobreviver à pandemia

Aulas presenciais foram suspensas por causa da pandemia do novo coronavírus. (Foto: Arquivo Gazeta do Povo)

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Da educação básica ao ensino superior, instituições privadas estão correndo contra o tempo para tentar contornar o cenário atual de pandemia e o efeito cascata da crise econômica que, uma hora ou outra, culminará nelas.

Com menos dias letivos, a pressão para que reduzam mensalidades e o desafio de adaptação ao ensino remoto, empresas da área da educação temem inclusive uma possível quebra. As instituições que já tinham um fluxo de caixa restrito, sobretudo, devem enfrentar grandes desafios, à medida em que recua a economia e aumenta o desemprego. Especialistas estimam que o pior cenário seja para o mercado do ensino superior.

Nem a medida provisória editada pelo governo, que flexibiliza o cumprimento dos dias letivos previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), ou a possibilidade de ensino online, animam o quadro.

A verdade é que, na prática, essas medidas podem ser agravantes, do ponto de vista econômico. Elas dão ensejo para que pais de alunos e clientes em geral requisitem descontos nas mensalidades, sob o argumento de que, uma vez que as atividades estão suspensas, o espaço escolar está ocioso e as instituições não têm de arcar com despesas antes substanciais.

A intenção já chegou até a diferentes assembleias legislativas do país, nas quais tramitam propostas de deputados estaduais que tentam obrigar escolas e universidades a reduzir o valor das parcelas, mesmo que tentativas similares já tenham sido consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Em geral, os autores dos projetos alegam que a mudança equivaleria a uma redução de pelo menos 30% na mensalidade.

São pelo menos cinco propostas em debate nos estados e uma no Senado, o Projeto de Lei 1.163/2020, de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE). No Distrito Federal, a Câmara Legislativa aprovou em primeiro turno proposta semelhante, que determina que todas as instituições particulares de ensino concedam desconto de 30% nas mensalidades. A medida valeria apenas enquanto durar a pandemia. Além do Distrito Federal, assembleias legislativas do Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro também discutem o tema.

"Não é conta simples"

Contrárias à proposta, federações e sindicatos das instituições privadas explicam que a solução para o problema não é fácil. Uma redução de 30% no faturamento pode significar insuficiência para gerenciar a folha de pagamento, que representa, em geral, cerca de 80% da receita dessas empresas de ensino.

"Essa questão de que é possível dar 30% de desconto na mensalidade não é uma conta simples", diz Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep). "Há custos que não podemos cortar. Não podemos, por exemplo, demitir professores, pois vamos precisar deles quando as coisas voltarem ao normal". Algumas propostas legislativas falam em até 50% de desconto.

O cenário só não é ainda mais desesperador, afirma, em razão das linhas de crédito emergencial anunciadas pelo governo para pequenas e médias empresas, de forma a ajudá-las a pagar os salários de seus funcionários pelo período de dois meses. As instituições terão de 6 a 36 meses de carência para quitar o empréstimo, a juros de 3,75% ao ano.

Com esse amparo do Estado, Pereira diz ser possível estender o benefício às famílias em forma de desconto nas mensalidades.

Gestão de crise

Mas nem isso garante que as instituições consigam mitigar a crise. A renda familiar reduzida vai refletir na nomeação de prioridades básicas, principalmente.

Segundo Simone Pazianotto, economista chefe da Reag investimentos e professora na ESPM, a educação de nível superior é a que mais sentirá o impacto. "Se os pais é que pagam a graduação dos filhos, eles tendem a pedir para que tranquem e voltem ano que vem. É mais fácil fazer isso na graduação particular", diz.

Também é verdade que grande parte dos jovens é responsável pelo pagamento dos seus estudos, subsidiados por estágios, muitas vezes. No contexto atual, a instabilidade de emprego fará com que muitos tranquem ou abandonem os cursos.

Outros agravantes para o ensino superior são a alta concorrência que existe no mercado e, consequentemente, a situação mercadológica menos privilegiada.

"Com as famílias que pagam a educação básica de seus filhos, porém, será diferente. Uma característica muito comum do consumir de classe média é que ele faz de tudo para não tirar o filho da escola privada", analisa Simone. "Ele pode até colocar em uma escola particular mais acessível, mas ele procura evitar a matrícula na educação pública". Os pais do aluno de classe média tendem, inclusive, a criar uma situação de inadimplência para não tirar o filho da escola particular.

Rescisão

Em última instância, muitas famílias devem abrir mão da educação básica particular. "Neste caso, entre colocar arroz e feijão no prato ou dar educação para o filho, acaba-se escolhendo pela primeira opção", afirma ela.

"Mesmo as famílias privilegiadas talvez não tenham orçamento tão sólido a ponto de aguentar uma crise. Elas sofrem e repassam a crise para os seus fornecedores, como empregados e escolas", concorda o economista Rodrigo Piazzeta.

A multa por rescisão de contratos dependerá de cada acordo específico. Vários documentos, por exemplo, estabelecem espécies de escusa em casos de "força maior", como contextos de pandemia. O Procon do Rio de Janeiro publicou recentemente uma nota técnica para auxiliar famílias quanto ao assunto.

Medidas práticas

Por parte das instituições, uma medida prática de gestão de crise seria negociar e conceder descontos aos clientes, por menores que sejam, caso essas empresas consigam aporte financeiro do Estado. Outra alternativa é alongar o prazo de pagamento de mensalidades, por exemplo.

"É preciso que famílias não tirem seus filhos das escolas, em primeiro momento. Tentem repensar, isso é bom tanto para as escolas como para a família", sugere Simone.

Muitos dos grupos que não têm reserva para enfrentar a crise já anunciaram a intenção de postergar o pagamento de tributos. Nesse sentido, instituições devem trabalhar no fluxo de caixa diário para redução de custos, negociação com fornecedores e alongamento de prazos, sugere Piazzeta, além de rever orçamentos, cortar supérfluos e demonstrar transparência.

Ensino online

"Nesse momento de crise, instituições de ensino, embora afetadas, têm o componente positivo que são essas plataformas digitais", diz Carlos Magno Bittencourt, presidente do Conselho Regional de Economia do Paraná. "A contento, alunos estão se dando bem e é uma quebra de paradigma".

Segundo Bittencourt, o mercado deve ser combalido e sofrer, "mas será menos impactado do que o esperado, porque vai conseguir criar cenários e adequar a situação", principalmente por conta das ferramentas tecnológicas.

Judicialização

Uma nota técnica da Secretaria Nacional do Consumir (Senacon) pede que consumidores evitem judicializar pedidos de desconto em mensalidades.

"As entidades de defesa do consumidor devem buscar tentativa de conciliação entre fornecedores e consumidores no mercado de ensino, para que ambos cheguem a um entendimento acerca da oferta de ferramentas online e/ou recuperação das aulas, entre outras, sem que haja judicialização do pedido de desconto de mensalidades, possibilitando a prestação de serviço de educação de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação", sugere.

Procurada, a Associação Nacional das Universidades Privadas (Anup) não respondeu à solicitação de entrevista.

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