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Mercado enxerga formação insuficiente nas principais profissões

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A cada três anos, o Ministério da Educação (MEC) divulga o Índice Geral de Cursos (IGC), indicador mais abrangente da qualidade das instituições de ensino superior brasileiras. O IGC leva em consideração o desempenho dos alunos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e avalia as instituições pela qualidade de infraestrutura, corpo docente e programa pedagógico. 

De acordo com o último resultado, 84,7% das instituições avaliadas obtiveram notas superiores a 2, em uma escala de 1 a 5, e tiveram desempenho considerado satisfatório – porém apenas 1,1% delas atingiram a nota máxima. 

Os números deveriam ser a garantia de que as Instituições de Ensino Superior (IES) estão aptas a formar profissionais qualificados e prontos para ingressar no mercado de trabalho. 

O que se vê, de fato, é bem diferente: apesar de os indicadores do MEC considerarem que apenas um pequeno número de IES e alunos têm um desempenho abaixo do satisfatório, os resultados de exames de conselhos de classe apontam para um problema generalizado de estudantes que terminam os cursos superiores sem os conhecimentos básicos para exercer suas profissões. 

Ensino precário 

Há 13 anos, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) realiza um exame para avaliar a formação médica dos egressos dos cursos de Medicina das IES paulistas. São avaliados conteúdos básicos de áreas consideradas essenciais, como clínica médica, cirurgia, pediatria, ginecologia e obstetrícia, saúde pública, epidemiologia, saúde mental, bioética e ciências básicas. 

“O objetivo é demonstrar às faculdades, por meio de dados e números confiáveis, a atual situação do ensino, que, infelizmente, está totalmente precarizado”, afirma o presidente do Cremesp, Lavínio Nilton Camarim. Na última edição do exame, em 2016, menos da metade dos candidatos, 43,6%, foi aprovada – a segunda menor média dos últimos cinco anos. 

Segundo Camarim, o desempenho insatisfatório e a preocupação com a formação dos médicos têm levado o conselho a enviar os resultados dos exames aos ministérios da Saúde e da Educação e ao Ministério Público Federal. 

“A intenção é que o governo passe a averiguar de uma forma mais consciente, adequada e responsável a forma de aprovar a abertura de novas escolas, já que, além de autorizar a abertura, está autorizando também o aumento de vagas para antigas escolas, mesmo que a estrutura necessária para isso não seja adequada”, afirma. 

A participação na prova é facultativa e a obtenção do registro profissional não está condicionada a ela, mas o Cremesp pleiteia junto ao Congresso Nacional que o desempenho no exame seja condição para exercício da profissão, como acontece com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

Mesmo que a nota ainda não seja condicionante para permitir a prática médica, entretanto, a prova tem ganhado importância, já que vários hospitais paulistas consideram a participação como critério para contratação de médicos. Alguns programas de residência médica também só aceitam o ingresso de alunos que se submeteram ao teste. Conselhos regionais de Medicina de outros estados, como Goiás e Rondônia, já estão aplicando provas nos mesmos moldes do exame paulista. 

No Paraná, o Conselho Regional de Medicina chegou a cogitar a criação de um exame semelhante ao aplicado em São Paulo, mas concluiu que há a necessidade de ações mais efetivas. De acordo com o Secretário Geral do CRM-PR, Luiz Ernesto Pujol, os exames são importantes para obter uma visão da qualidade de formação, mas, como são apenas avaliativos e por aderência, sem a participação dos cursos de Medicina, os efeitos práticos para a chegada de médicos bem formados técnica e eticamente ao mercado de trabalhos acabam sendo minimizados. 

“Ter uma visão clara das deficiências na formação e preparação dos futuros médicos é muito importante. Mas sem o feedback das escolas, muitas delas nascidas sob interesse meramente mercantilista e descompromissadas com o ‘produto final’, estaremos jogando toda carga de responsabilidade aos alunos”, argumenta Pujol. 

Criada em 2013, a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem) parece ser a primeira avaliação mais abrangente para os estudantes e para as escolas de Medicina, já que passou a ser componente curricular obrigatório e realiza exames durante toda a formação acadêmica. 

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, o objetivo da Anasem é “avaliar os estudantes de graduação em Medicina, do segundo, quarto e sexto anos, por meio de instrumentos e métodos que considerem os conhecimentos, as habilidades e as atitudes previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina” - a primeira avaliação para alunos do segundo ano foi realizada em 2016 e apresentou resultados satisfatórios. 

Para Pujol, o fechamento do primeiro ciclo da Anasem pode trazer consequências tanto para alunos quanto para as escolas médicas: “De forma oficial, graduandos poderão sim ter condicionada a obtenção do título a mecanismos complementares de qualificação. A primeira avaliação mostrou que mais de 90% dos alunos estão em condições de prosseguir. Mas é a outra parte, mesmo que reduzida, que nos preocupa”. 

O presidente do Cremesp, Lavínio Nilton Camarim, expressa preocupação quanto ao nível das provas aplicadas pela Anasem, já que os índices de aprovação são muito maiores em comparação com os exames realizados pelo conselho. “O que temos muitas dúvidas é em relação à elaboração dessas avaliações e ao nível desta prova. Os primeiros resultados indicam uma aprovação de mais de 90% dos alunos, sendo que nas 12 edições do Exame do Cremesp, realizadas de 2005 a 2016, participaram 18.149 candidatos e 50,1% deles foram aprovados”, argumenta Camarim. 

Filtro 

Outro exame que expõe a baixa capacitação de grande parte dos profissionais que chegam ao mercado de trabalho é o da OAB. Realizado no primeiro semestre de 2017, o XXII Exame de Ordem Unificado teve um índice geral de aprovação de 23,66%. Em Curitiba, o cenário é um pouco melhor: dos 2594 alunos de faculdades de Direito da cidade que realizaram a prova, 881 foram aprovados, um índice de 34%. Apesar de ser maior que a média nacional, o número esconde algumas desigualdades. Das 18 instituições curitibanas que tiveram alunos presentes no exame, nove tiveram índices de aprovação abaixo de 20%. 

As IES são unânimes em reconhecer a importância do exame da OAB como um filtro que impede que maus profissionais possam exercer a profissão de advogado, mas questionam alguns aspectos da prova que podem distorcer a real capacidade do advogado recém-formado. 

O coordenador do curso de Direito da PUCPR, Antonio Kozikoski Jr, afirma que os baixos índices de aprovação podem ser reflexo da baixa qualidade de ensino, mas questiona os modelos das questões cobradas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que organiza a aplicação da prova. 

“A baixa aprovação no Exame de Ordem pode, sim, representar uma deficiência no ensino universitário, mas também é necessário refletir sobre o modelo de questões e de cobrança empregados pela Banca Gestora do Exame para chegar a um diagnóstico adequado a respeito dos índices de aprovação e reprovação”, questiona.

“Muito embora no último Exame a prova tenha insistido em questões que enfatizam a interdisciplinaridade e o raciocínio lógico, por muitos anos foram cobradas questões baseadas em pegadinhas ou em literalidades pouco afetas à carreira do advogado”, completa. 

Kozikoski acredita que não há apenas um fator que explique o alto índice de reprovação no exame e evidencia a necessidade de aproximar os estudantes de questões práticas da atuação como advogado.

“Há que se observar que os componentes que integram o Exame da Ordem envolvem dimensões teóricas e práticas. É comum que estudantes com boa formação teórica tenham dificuldade na aprovação por força da pouca experiência prática na atuação jurídica”, diz. 

Já as coordenadoras do curso de Direito da Universidade Positivo, Clarissa Bueno Wandscheer e Thais Goveia Pascoalato Venturi, afirmam que a falta de detalhamento do processo de avaliação feito pela OAB impede que as instituições de ensino questionem ou avaliem os resultados. 

“Não é possível questionar e analisar os índices, pois a OAB não divulga o detalhamento que envolve o processo de aprovação para as IES. Dessa forma os resultados não podem ser auditados. Assim a IES não consegue identificar se o aluno que se inscreveu é realmente seu aluno, se o aluno inscrito concluiu o curso ou se o aluno inscrito está realizando o exame apenas como forma de preparação”, argumentam. 

Dificuldades 

Mesmo em áreas em que não há regulamentação por conselhos de classe, existe a percepção de que os profissionais que chegam ao mercado de trabalho têm uma formação falha. Para o gerente de Operações do Sistema Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Fabrício Luz Lopes, existe uma dificuldade de transferir o conteúdo aprendido nas universidades para o ambiente produtivo. 

“A indústria brasileira vem exigindo profissionais cada vez mais empreendedores, com visão sistêmica e facilidade em transferir seus conhecimentos.Os estudantes universitários no Brasil, de forma geral, têm um conhecimento teórico sobre as áreas de referência industrial, mas apresentam dificuldades em aplicar estes conhecimentos no ambiente fabril, de forma objetiva e produtiva”, afirma Lopes. 

Ele crê que a educação superior no Brasil vem tentando superar os modelos tradicionais de ensino e se adaptar às necessidades do mercado: “Não podemos afirmar que há ‘defeitos’ na formação de profissionais em nível superior, pois a discussão é mais ampla e envolve todo o sistema educacional brasileiro. Podemos, sim, afirmar que a educação superior está tentando uma aproximação com as necessidades reais da sociedade em que está inserida”. 

Interesses nocivos 

A consultora e diretora do eixo RH da Academia da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Paraná (ABRH-PR), Cleila Elvira Lyra, acredita que as falhas comportamentais, como a falta de iniciativa e a incapacidade de inovar, são resultado de uma relação aluno-escola baseada em interesses que podem ser nocivos para a formação profissional. 

“Por um lado, há a organização, que na sua cultura atual prefere utilizar métodos altamente controladores através de processos, em que pode acompanhar, medir e disciplinar todos seus recursos com vistas ao ganho em tempo, que se traduz em dinheiro”, analisa.

“Por outro lado, há os alunos que preferem metodologias de ensino baseadas na objetividade, o que acaba direcionando as IES para ensinarem ferramentas voltadas à aplicação direta de conhecimento prático, sem demandar pensamento mais sistêmico e tampouco protagonismo por parte dele”, complementa. 

As falhas na formação profissional são evidentes e facilmente reconhecidas pelo mercado de trabalho. Mesmo assim, o egresso, que vai carregar o peso de uma formação inadequada por toda sua vida profissional, parece não estar interessado em exigir qualidade das instituições. É como uma relação cliente-fornecedor em que não se exige qualidade do produto. 

Para o antropólogo George Zarur, professor aposentado da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), isso ocorre pela simples falta de alternativa dos estudantes, que se veem obrigados a conseguir um diploma a qualquer custo para ter acesso ao mercado de trabalho. 

“Como hoje se exige diplomas de ensino superior para muitas atividades para as quais, a rigor, seria desnecessário, o diploma virou uma espécie de carteira de habilitação para se trafegar pelo mercado de trabalho”, afirma Zarur.

Zarur crê que  ou o estudante consegue um diploma, não importa qual, ou estará condenado a ser eliminado a priori do mercado de trabalho. “O diploma dissociado do aprendizado real é o único accessível para a maioria dos estudantes aos quais não interessa cobrar qualidade das instituições de ensino. Como poderá o estudante exigir a qualidade de ensino se ele não tem condições de seguir um curso que preencha tal condição?”, questiona. 

Cenário ideal 

Especialistas acreditam que a relação entre aluno e instituição de ensino deveria ser de cobrança mútua, o que reduziria a necessidade e a importância da regulação através de exames de conselhos de classe, por exemplo. Para José Luis Duarte Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de um artigo sobre o engajamento dos estudantes como indicador de qualidade de ensino, alunos e universidades deveriam criar um ambiente de desafio contínuo em busca do aprendizado. 

“A relação deveria ser de parceria, ambos trabalhando para um objetivo comum: desenvolvimento de competências para atuação no mercado de trabalho e na sociedade. O pior cenário seriam alunos e universidades passivas. O melhor cenário seriam alunos e universidades desafiando-se a melhorar continuamente, em um diálogo aberto, pautado pelo princípio de parceria para o aprendizado”.

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