Instituído pela Lei 11.738 de 2008, o cumprimento do piso salarial nacional dos professores já é realidade na maior parte dos governos estaduais. Mesmo com a maioria mergulhada em crise financeira nos últimos quatro anos, muitos estados priorizaram os vencimentos dos docentes. É o que mostra o levantamento realizado pela Gazeta do Povo. Mesmo assim, os salários dos professores ainda estão muito longe de serem atraentes.
Os dados revelaram que 22 estados terminaram 2018 pagando acima ou igual ao valor do piso salarial. O estipulado pelo Ministério da Educação (MEC) naquele exercício era de R$ 2.455,35 para uma jornada de 40 horas por semana. Os números foram obtidos pela Gazeta do Povo por meio dos sindicatos locais da categoria e das secretarias de Educação, Fazenda e Administração das 27 Unidades da Federação.
DIÁRIO DE CLASSE: O mínimo que você precisa saber para entender o que acontece dentro de escolas e universidades
INFOGRÁFICO: Veja qual foi o piso pago aos professores por estado
Em 2018, não pagavam o salário base para o professor os estados de Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No caso do Acre, o docente recebe R$ 1.841,51, contudo, para uma carga horária de 30 horas.
Na rede estadual gaúcha, a jornada soma 40 horas por semana para um pagamento de R$ 1.260,16. Para se adequar à lei do piso, o governo local acrescenta ao salário uma gratificação de R$ 1.297,58, chegando ao montante de R$ 2.457,74.
“A reestruturação do Sistema de Educação do Estado é urgente. Nos últimos 15 anos, a rede teve uma redução de cerca de 600 mil alunos”, informou a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. A pasta acrescentou que o diálogo com a categoria será comandada pelo governador Eduardo Leite.
Cláudia Costin, do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e docente convidada de Educação da Universidade de Harvard (EUA), comenta que o piso salarial nacional contribuiu para melhoria dos vencimentos dos professores Brasil afora, porém ainda está distante de um patamar comparável a outras carreiras. Ela acrescenta que isso pode desestimular professores a incentivarem alunos a seguir a profissão.
“A profissão de professor tem melhoria salarial ao longo dos anos, inclusive em decorrência da lei do piso. Mas em outras profissões, os salários cresceram muito mais no mesmo período. Se eu tenho filho e vou discutir o futuro dele, há chances de eu não recomendar essa carreira para ele, pois sei que não paga bem”, ratifica.
No ranking de 2018, Maranhão aparece em primeiro como o estado que melhor remunera o professor para 40 horas semanais de trabalho. Lá, o pagamento mínimo é de R$ 5.750,84. Mato Grosso do Sul aparece logo atrás, com R$ 5.553,00. Tocantins (R$ 4.377,07), Mato Grosso (R$ 4.349,55) e Roraima (R$ 4.004,82) completam os cinco primeiros.
Acre, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são os que pagavam abaixo do piso de 2018. Alagoas, Pernambuco e Sergipe remuneram o mesmo valor estipulado pelo MEC. O restante dos estados terminou o referido ano com vencimentos acima dos R$ 2.455,35.
Apesar da crise financeira e fiscal que atingiu a maioria dos estados, entre 2015 e 2018, o número de unidades da federação que passou a cumprir o piso aumentou a cada ano. Em 2015, eram 20. Passou para 21 em 2016 e depois 22 no exercício seguinte.
Reajustes
Ao longo dos últimos quatro anos, o MEC aplicou reajustes decrescentes ao piso: com 13,01% em 2015; 11,36% em 2016; 7,64% em 2017; e 6,81% em 2018.
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Amapá, Minas Gerais e Paraíba concederam aumentos maiores que os determinados pelo Ministério da Educação.
Acre, Alagoas, Goiás, Piauí e Rio Grande do Norte acompanharam anualmente os mesmos percentuais estipulados pelo MEC. Outros 16 estados aplicaram reajustes inferiores, sendo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Roraima os únicos que passaram os últimos quatro anos sem conceder nenhum tipo de aumento no vencimento base.
No caso de Roraima, até 2016, os educadores ganhavam R$ 1.669,09 para uma jornada semanal de 25 horas. Em 2017, os professores passaram a trabalhar 40 horas. Desde então, recebem R$ 4.004,82. O governo local admite que não tenha sido um aumento salarial efetivo, pela correção monetária e maior carga horária.
No Rio Grande do Sul, o salário base dos professores de R$ 1.297,58 continuou o mesmo ao longo dos últimos quatro anos mesmo que, como dito acima, o complemento sobre este valor para atingir o piso sofreu reajuste para que se adequasse à lei.
Como funciona o piso salarial dos professores?
O piso salarial dos professores do magistério foi instituído em 2008 durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. À época, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a legislação fosse declarada inconstitucional. Os ministros, no entanto, decidiram no mesmo ano pela legalidade. A regra vale para todo o país, incluindo estados e municípios.
A lei define o valor mínimo que o profissional do magistério da educação deve receber assim que entra no serviço público. Esses professores devem ter formação mínima em magistério em nível médio e carga horária de 40 horas por semana, com atuação em estabelecimentos de ensino infantil, fundamental ou médio, sendo que 1/3 desta jornada deve ser reservada para atividades extraclasse, como planejamento de aula, tutoria, avaliações pedagógicas, etc.
De acordo com Cláudia Costin, na prática, os estados utilizam as 40 horas inteiramente com exposição de aulas, seja na mesma escola ou em outro estabelecimento de ensino, o que foge da finalidade estipulada pela lei do piso.
“O professor deveria assistir à aula do colega, discutir a pedagogia de ensino ou ficar como tutor de outros professores, por exemplo. Em muitos casos, esse terço do tempo de hora aula do professor faz com que esse profissional dê aula em outra escola porque os contratos dos professores são fragmentados. Ele gasta esse terço dando aula ou se deslocando para dar aula em outro lugar, o que é totalmente o inverso do proposto”, comentou.
O piso recebe anualmente atualização definida pelo Ministério da Educação. O cálculo é de acordo com a variação do valor investido por aluno com base nos dois últimos exercícios do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb).
Para 2019, por exemplo, o MEC definiu em janeiro o reajuste de 4,17%, passando o piso para R$ 2.557,74. Para chegar a esse valor, seguiu a variação do custo por aluno entre 2017 e 2018, que saiu de R$ 2.926,56 para R$ 3.048,73, respectivamente. Já esse custo por aluno/ano é calculado com base na proporção da quantidade de matrículas e o dinheiro destinado aos estados e municípios por meio do Fundeb.
A lei do piso nacional dos professores não estipula qualquer punição para os estados ou municípios que não cumprirem o pagamento mínimo. Para auxiliar o cumprimento, a União complementa com verbas por meio do Fundeb, caso o ente federado comprove a insuficiência financeira para arcar com os salários. Em fevereiro de 2019, foram liberados mais de R$ 1 bilhão pelo MEC com destinação ao piso.
Levando em conta o valor do piso para 2019, aliás, Alagoas, Goiás, Pernambuco e Sergipe entraram na lista do que não cumprem a lei.
O governo sergipano afirmou que a Secretaria de Educação “estuda os efeitos da aplicação do piso nacional salarial dos professores sobre a hierarquização da sua carreira, dado ao esgotamento da capacidade do Fundeb em financiar a folha salarial do magistério e dos demais profissionais lotados nas escolas”.
Goiás diz que somente depois de pagar os salários atrasados de dezembro de 2018, deixados em aberto pelo governo anterior, as discussões sobre valorização no salário base serão iniciadas.
Os governos de Alagoas e de Pernambuco não responderam sobre a perspectiva para 2019.
Falta de valorização
Em sua tese de doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Marinalva Fernandes, analisou os reflexos da lei do piso. Ela considera que a instituição de um valor mínino aumentou, ainda que pouco, os investimentos em educação. Por outro lado, sobretudo, os municípios, ainda enfrentam sérias dificuldades financeiras para bancar o piso, mesmo com auxílio do MEC.
“Essa constatação permite afirmar que os gestores públicos continuam utilizando o discurso evasivo nos palanques, de priorizar a educação, em seus mandatos, mas na prática descumprem a legislação educacional”, frisa.
“A profissão docente, comparada a outras que exige formação em nível superior, em termos de valorização econômica, ocupa uma das piores posições na escala da estratificação social”, conclui Fernandes.
Cláudia Costin aponta dois caminhos que vão além da valorização salarial. A primeira é aumentar a nota de corte para ingresso nas universidades nos cursos destinados a carreira de professor, como pedagogia ou licenciatura. Ela acredita que parte do reconhecimento social viria através de um crivo maior para alguém tornar-se professor.
“Há um número de pessoas que entram na área não por gostar, mas por ser menos competitivo”, argumenta.
Além disso, a professora ainda sugere que os professores enalteçam as próprias práticas que dão certo dentro da sala de aula para que a sociedade os enxergue com mais valor. Uma das alternativas são, ainda na graduação, os cursos trabalharem a formação do professor de acordo com a realidade a ser encontrada fora da academia.
“[Deve-se] sair da narrativa de vitimizar o professor. Parte das condições é terrível mesmo, mas o professor escolheu essa profissão. Ele deve valorizar suas práticas e brigar por melhores condições de trabalho, sem ser tratado como coitadinho. Não é vítima é um profissional. Ninguém vai num médico que se coloca como coitado”, considera.
Procurados pela Gazeta do Povo para comentar sobre o piso salarial, o MEC se comprometeu em responder os questionamentos, mas não enviou nenhum esclarecimento até a última atualização desta reportagem; a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) não respondeu aos emails nem retornou ligações.