Quando digo ou descobrem que minhas filhas não frequentam a escola, após os olhos arregalados e um semblante de perplexidade, as perguntas começam. Dentre elas, existe uma que não escapa. Mesmo. Existem algumas variações em sua construção, mas o tema é o mesmo: "E a socialização?". Consigo imaginar outras famílias homeschoolers balançando a cabeça positivamente: “sim! Sempre nos perguntam isso!”.
Outro dia estava conversando com uma mãe e logo nossa prática educativa veio à tona. Uma de seus primeiros questionamentos foi: "mas como você faz para que elas socializem?".
Percebam que uma interpretação não muito aprofundada sobre a educação domiciliar leva à conclusão, sem muita reflexão, de que a escola é o único lugar onde as crianças poderão aprender e exercer capacidades sociais. Pois bem, nossa conversa continuou e, em pouco tempo, o discurso ganhou uma leve, mas importante alteração.
Minha interlocutora em dado momento afirmou que "a escola não é único lugar para socialização". Tratei de ir além: não é o único, nem o melhor, o pior, o mais completo, tampouco o mais empobrecido. É uma opção. É uma escolha que uns fazem com facilidade, outros a duras penas.
A escolha que fiz é carregada de "achismos" por parte de quem me julga. Pessoas acreditma que crianças educadas em casa são isoladas do mundo, acham que suas boas memórias de anos escolares são replicadas para todos. Creem ainda que todos só fizeram amigos de verdade dentro da sala de aula.
Então quando encontram uma realidade diferente, possuem certa dificuldade em acreditar que suas suposições podem, simplesmente, estar equivocadas.
Não estou dizendo que na escola não seja possível fazer amigos, que boas memórias não sejam criadas em meio a uma turma barulhenta ou qualquer outra lembrança que te faça suspirar de saudade ao relembrar seus anos naquele grupo escolar. Longe disso. Estou apenas dizendo que a escola não é o único lugar em que isso ocorre.
Uma criança bem ajustada às regras de convívio em uma sala de aula está bem socializada com aquele ambiente e com tudo que diz respeito ao mesmo: os momentos certos para falar, amigos de mesma faixa etária, quase sempre mesmo poder aquisitivo, níveis de maturidade parecidos, padronização da vestimenta.
Não é difícil perceber que este ambiente é artificial? Saindo da escola, ela terá que trabalhar em locais com pessoas muito diferentes entre si. Só esta realidade por si só já é algo muito forte para ser ignorado.
Recentemente li um artigo sobre homeschooling, escrito por profissionais da área do Direito, e nele dizia-se que a prática desta modalidade educativa impede que a criança tenha contato com o diferente.
Bom, para ser mais exata, a palavra era "diversidade". Com isso, fazia-se alusão à hipótese de que os pais seriam intolerantes. Vou contar algo: já trabalhei em algumas escolas e uma das coisas que via eram crianças lanchando sozinhas, crianças sendo rechaçadas pelos colegas de sala, crianças sendo vítimas de constantes abusos por vários motivos.
As professoras até tentavam trabalhar estas questões, mas eram engolidas pela realidade do conteúdo a ser trabalhado. Poucas conseguiam realmente fazer com que os pequenos olhassem seus amigos "diferentes" e abrissem seus corações de maneira verdadeira e duradoura.
Simplesmente acredito que esse trabalho de socialização e de aceitação não acontece exatamente como aqueles que são contrários à prática da educação domiciliar imaginam.
Homeschooling: pais podem confiar nas crianças para aprenderem sozinhas //bit.ly/2zoCNS0
Publicado por Ideias em Quarta-feira, 8 de novembro de 2017
Vou contar como a socialização das famílias educadoras pode acontecer. Digo “pode”, porque a liberdade dentro da prática do homeschooling é um de seus pontos mais fortes.
Um dos meios são os encontros periódicos com outras famílias praticantes. Neles o que vemos são crianças de faixas etárias muito distintas. No grupo do qual participo há crianças entre dois e 15 anos interagindo magnificamente. Elas se autorregulam, descobrem maneiras de brincar, inventam jogos e histórias.
Conflitos existem, obviamente, mas quem descobre a solução são as próprias crianças, enquato os adultos estão ali perto, sustentando a segurança que emana de sua presença. Mas, para falar a verdade, apenas os muitos pequenos realmente nos chamam.
A socialização também acontece com a convivência profunda com a família. Essas pessoas mágicas que carregam as histórias do "antes de mim" e que ensinam que a sociedade se faz com o respeito por aquele que talvez não tenha perfil em rede social, mas que possui uma timeline infinitamente mais rica, à espera do seu acesso.
Acontece na ida à pracinha onde é possível encontrar a filha da simpática vendedora de algodão doce e com ela brincar como se fossem amigas de velhos tempos.
Acontece entre os irmãos, esses seres infinitamente amáveis, chatos, confusos e inesquecíveis que carregamos no coração. Aqui abro espaço para dizer que, em uma sociedade com aversão a nascimentos, essa realmente é uma alternativa quase morta.
Essa dita cuja socialização acontece com a Dona Ângela, ser amável que me ajuda um dia na semana e mostra às minhas filhas um amor quase de avó. E se eu deixar ela “estragará” as meninas como se fosse avó mesmo...
São tantas as possibilidades de socialização! Mas sabe o que aprendi com isso? Que a responsabilidade é da família. E isso não tira a responsabilidade daquelas que optaram pela escola.
A escola pode ser muito boa e, ainda sim, para garantir que a criança tenha contato com pessoas e situações diferentes que a façam crescer, a família deverá se empenhar em proporcionar ambientes que instiguem a criança a sair de si, a observar as reações dos outros, a conviver com quem e é bem diferente de si, seja na idade, na personalidade ou em outras questões.
A escola tem como papel principal o trabalho com o aprendizado. A socialização de que tanto falam é algo adjacente. Ela pode até acontecer, mas a família precisa envolver-se e ir além.
Homeschooling não significa falta de interação, mas sim o contrário: os limites não são as relações da sala de aula. Limites são a sociedade em si, com o acompanhamento daqueles que amam e desejam apenas o melhor.
*Cibele Scandelari é formada em Comunicação Social e Pedagogia. Já foi professora e coordenadora pedagógica em uma escola de ensino fundamental. Hoje se dedica em tempo integral ao ensino de suas quatro filhas.