O Ministério Público do Paraná emitiu uma nota, nesta quarta-feira (30), repudiando a proposta “Escola sem Partido” - projeto de lei que acabou sendo arquivado na Câmara dos Deputados, em 2018, por falta de quórum mínimo no dia da votação.
O texto, formulado pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), considera “a proximidade do início do ano letivo” e afirma o compromisso da MPPR em “repudiar qualquer tentativa de estabelecimento de vedações genéricas de conduta que, a pretexto de evitarem a doutrinação de estudantes, possam gerar a perseguição de professores e demais servidores públicos da educação no exercício de suas atribuições”.
O MPPR ainda promete “atuar judicial e extrajudicialmente para garantir a educação pública de qualidade, coibindo as tentativas de estabelecer proibições vagas e genéricas de controle do conteúdo pedagógico desenvolvido nas escolas”.
Leia a nota na íntegra:
O Ministério Público do Paraná, na qualidade de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, no exercício de sua missão constitucional prevista no art. 127 da Constituição Federal, ao largo de quaisquer matizes ou correntes ideológico partidárias, em face das propostas conhecidas como “escola sem partido” ou “lei da mordaça”, e dos projetos de leis e legislações que dela derivam, vem a público:
– Afirmar seu compromisso inflexível e inabalável quanto à observância da supremacia da Constituição Federal, com a intransigente defesa de suas cláusulas e, assim, também com o direito à educação plural e livre, a gerar o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania (art. 205 da Constituição Federal), respeitados os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como do pluralismo de ideias, do respeito à liberdade, do apreço à tolerância, da consideração com a diversidade étnico-racial e vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais, consagrados no art. 206, incisos I, II e III da Constituição Federal e no art. 3º, incisos II, III, IV, XI e XII, da Lei das Diretrizes e Base da Educação Nacional.
– Reiterar seu dever legal e constitucional de velar pela liberdade de consciência, de crença e de cátedra e pela possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206 da Constituição Federal), observado o princípio da laicidade do Estado brasileiro (art. 19, I, da Constituição Federal);
– Renovar seu compromisso com o comando constitucional de que a escola é ambiente científico adequado para a difusão dos valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, indispensáveis para a consecução dos objetivos fundamentais da República, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (arts. 1º e 3º da Constituição Federal);
– Repudiar qualquer tentativa de estabelecimento de vedações genéricas de conduta que, a pretexto de evitarem a doutrinação de estudantes, possam gerar a perseguição de professores e demais servidores públicos da educação no exercício de suas atribuições, comprometendo os princípios fundantes da democracia brasileira, previstos nos incisos IV (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”) e IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”), do art. 5º da Constituição Federal.
– Reafirmar seu dever de cumprir e fazer observar os termos dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, especialmente aqueles que estabelecem ser a educação, sem qualquer cerceamento de pensamento e opinião, instrumento eficaz para capacitar as pessoas a participarem efetivamente de uma sociedade livre (art. 13 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e para combater preconceitos baseados na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher (art. 8º, b da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher).
Assim, o Ministério Público do Paraná vem ratificar integralmente a Nota Técnica n° 30, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), formulada pelo seu Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) e já subscrita pela Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná, conclusiva quanto à inconstitucionalidade das propostas legislativas conhecidas como da “escola sem partido”, cabendo aos seus membros atuar judicial e extrajudicialmente para garantir a educação pública de qualidade, coibindo as tentativas de estabelecer proibições vagas e genéricas de controle do conteúdo pedagógico desenvolvido nas escolas.
Votação
O “Escola sem Partido”, projeto 7180/2014, acabou sendo arquivado, em 2018. No dia da votação, havia apenas 12 deputados dispostos a votar, e o quórum mínimo necessário era de 16 deputados. O cenário de falta de parlamentares para deliberação e votação se repetiu por várias sessões.
No episódio, o presidente da Comissão especial designada para apreciar o projeto, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), elogiou a oposição pelo papel realizado e criticou os colegas que se diziam favoráveis ao projeto, mas que não compareceram para apoiá-lo.
E, embora tenha desistido de marcar novas sessões para votar a proposta, Rogério disse também ter certeza que um outro projeto do “Escola sem Partido” deveria ser apresentado pelos novos deputados em 2019.
Proposta
O projeto pretendia combater a ideologização e a doutrinação na educação básica. Os meios utilizados, porém, eram bastante questionáveis pelo potencial de criar um clima policialesco em sala de aula que poderia abarrotar os tribunais de ações.
O texto original da iniciativa previa a afixação de um cartaz com os “seis deveres do professor” que estabelecem, por exemplo, que o professor não pode fazer propaganda político-partidária em sala de aula ou que respeitará o direito dos pais dos alunos a que os filhos recebam educação religiosa e moral de acordo com suas próprias convicções. Pretendia também que o professor apresentasse todas as versões existentes sobre um fato, de forma neutra – e sempre que não incluísse alguma, a proposta abriria espaço para o questionamento de pais e alunos.
No fim de outubro, o deputado Flavinho (PSC-SP) acrescentou mais uma polêmica ao texto: a proibição de ensinar em sala de aula a ideologia de gênero, “o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’”. Os livros didáticos também não poderiam abordar o tema.
O tema rendeu discussões acaloradas na Comissão formada para analisar a proposta, especialmente depois do acréscimo das questões de gênero no texto.
Histórico
Fundado em 2004, o movimento que dá nome ao projeto 7180/2014, o Escola sem Partido, se dedica a reunir provas de doutrinação ideológica em sala de aula, como materiais didáticos, vídeos e testemunhos. O movimento é contrário, por exemplo, ao proselitismo político nas salas de aula e às abordagens de educação sexual nas escolas que oferecem uma disseminação da ideologia de gênero.
Esse combate passou praticamente despercebido até 2014, quando Flavio Bolsonaro (PSC-RJ) apresentou um projeto de lei inspirado pelas ideias do movimento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A proposição, elaborada com base em um anteprojeto encomendado por Bolsonaro a Miguel Nagib, presidente do Escola sem Partido, colocou o movimento sob os holofotes e ajudou a divulgar os valores do grupo.
A consolidação do PESP desencadeou o aparecimento de uma série de projetos de lei em níveis municipal, estadual e federal. Eram 62 em agosto de 2017, de acordo com um levantamento realizado pelo portal De Olho nos Planos – dedicado a acompanhar as propostas políticas no campo da educação. Já o mapa criado pelo grupo Professores Contra o Escola Sem Partido (PCESP), que se posiciona como uma reação ao crescimento do PESP, contabiliza 124 projetos em prefeituras, 24 em estados e 12 em instâncias federais, na qual se inclui o projeto que estava sendo avaliado na comissão especial.