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Se adotarmos essa abordagem e deixarmos as crianças aprenderem de modos naturais, abandonaremos a ilusão de que podemos as controlar. | Maxpixel.
Se adotarmos essa abordagem e deixarmos as crianças aprenderem de modos naturais, abandonaremos a ilusão de que podemos as controlar.| Foto: Maxpixel.

Alison Gopnik é uma renomada psicóloga do desenvolvimento; sua pesquisa revela muito sobre as capacidades incríveis de aprendizagem e raciocínio de crianças pequenas, e ela talvez seja a maior intérprete deste mesmo estudo para o público geral. 

Ela é uma dos melhores escritoras que conheço. Em seu último livro, “The Gardener and the Carpenter” (“O Jardineiro e o Carpinteiro”, em tradução livre), ela descreve resultados de muitos experimentos inteligentes que nos ajudam a compreender como crianças pequenas aprendem observando, escutando e manipulando objetos de modo sistemático enquanto brincam. 

Um tema persistente que emerge de tal pesquisa, conforme Gopnik explica, é que as crianças não aprendem absorvendo informações de modo passivo, mas se envolvendo ativamente com meios sociais e físicos e estabelecendo inerências lógicas com base no que elas veem, escutam e experimentam. 

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Gopnik afirma ainda que crianças aprendem muito com outras pessoas, incluindo seus pais, não porque os outros estão ensinando explicitamente, mas porque essas pessoas estão fazendo e falando coisas interessantes, as quais elas são naturalmente motivadas a tentar entender e incorporar nas próprias visões de mundo em desenvolvimento. 

Às vezes ensinar inibe a aprendizagem 

Na verdade, Gopnik descreve pesquisas que mostram que aulas explícitas podem, ao menos às vezes, reduzir o volume que as crianças aprendem sobre um objeto porque a aula tende a inibi-las de explorar o objeto por conta própria e, portanto, impede que elas aprendam mais sobre ele do que aquilo que o professor destacou. 

A pesquisa revela que, em um nível muito maior do que a maioria das pessoas espera, crianças pequenas são pequenos cientistas muito sofisticados que trazem conhecimento já adquirido e suas teorias para serem sustentadas, de modo lógico, quando elas exploram o mundo para adquirir conhecimentos novos e mais avançados. 

Nós, adultos, podemos ajudá-las não por meio de aulas, mas garantindo que elas tenham ambientes sociais e físicos adequados, além de tempo e espaço para explorá-los. Quanto mais crianças pequenas são integradas ao mundo real de outras crianças e adultos, mais elas aprenderão sobre esse mundo e descobrirão seu lugar nele. 

Claro, se adotarmos essa abordagem e deixarmos as crianças aprenderem de modos naturais, abandonaremos a ilusão de que podemos controlar o que elas aprendem e moldá-las em tipos específicos de pessoas que queremos que elas sejam. Estamos, na verdade, confiando nas crianças para se moldarem sozinhas. E isso leva ao ponto principal do livro. 

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Gopnik é, não apenas pesquisadora e autora, mas também mãe de três filhos crescidos e avó orgulhosa de um garotinho chamado Augie. O seu livro é baseado em pesquisas sobre como as crianças aprendem, mas a mensagem é direcionada aos pais. Em resumo, sua mensagem é essa: “pare a parentalidade”. Isso parece paradoxal? 

Substantivos e verbos 

“Parentalidade”, de acordo com Gopnik, é um substantivo maravilhoso que se refere a um parceiro em tipo específico de relacionamento; mas é um verbo terrível quando é utilizado, como ocorre geralmente, para se referir ao que é entendido como um tipo específico de trabalho. Aqui estão algumas palavras de Gopnik sobre esse verbo horrível. 

“’Parentalidade’ não é um verbo, não é uma forma de trabalho, e não é e nem deveria ser direcionado ao objetivo de esculpir uma criança em um tipo específico de adulto. Reconhecemos a diferença entre trabalho e outros relacionamentos, outros tipo de amor. Ser uma esposa não é ‘esposar’, ser um amigo não é ‘amigar’, e nós não ‘filharizamos’ nossas mães e nossos pais.” 

“Ser um pai – cuidar de um filho – é ser parte de um relacionamento humano único e profundo, é se envolver em um tipo específico de amor. O amor não tem objetivos nem mapas, mas tem um propósito. O propósito do amor não é mudar as pessoas que amamos, mas oferecer o que elas precisam para ter sucesso. O propósito do amor não é moldar o destino da pessoa amada, mas ajudá-la a moldar o próprio destino. Não é mostrá-las o caminho, mas ajudá-las a encontrar um caminho sozinhas, mesmo que o caminho que elas escolham não seja um que escolheríamos para nós mesmos, ou um que escolheríamos para elas. Amar os filhos não é dar a eles um destino; é dar a eles sustentação para a sua jornada.” 

“A palavra ‘parentalizar’, agora tão utilizada, surgiu pela primeira vez na América em 1958 e se tornou comum apenas nos anos 1970. Mas, na verdade, o ato de parentalizar é uma invenção terrível. Não melhorou a vida das crianças nem dos pais, e é possível argumentar que de alguns modos tornou pior. Para pais de classe média, tentar moldar os filhos em adultos de valor se torna a fonte de ansiedade e culpa sem fim combinadas a frustração. E para os filhos, o ato de parentalizar leva a uma nuvem de expectativas opressivas. O surgimento do ato de parentalizar foi acompanhado de um declínio do convívio na rua, em playgrounds públicos, no bairro e até mesmo no recreio.” 

O título do liivro – “O Jardineiro e o Carpinteiro” – vem de dois modos possíveis de pensar sobre o papel dos pais em relação ao desenvolvimento dos filhos. Aqui, novamente, nas palavras de Gopnik: 

“No modelo baseado no ato de parentalizar, ser um pai é como ser um carpinteiro. Você precisa prestar atenção ao tipo de material com que está trabalhando, e ele pode ter alguma influência no que você tentar construir. Mas, essencialmente, seu trabalho é moldar esse material em um produto final que corresponderá ao modelo que você tinha em mente desde o começo. E você pode avaliar se fez um bom trabalho ao olhar o produto final. As portas estão corretas? As cadeiras estão firmes? Bagunça e variabilidade são os inimigos de um carpinteiro; precisão e controle são aliados. Meça duas vezes e corte uma vez.” 

“Quando fazemos um jardim, por outro lado, criamos um espaço seguro e estimulante para as plantas crescerem. E como qualquer jardineiro sabe, nossos planos específicos sempre são frustrados. Uma papoula sai laranja em vez de rosa claro, a rosa que deveria subir pela cerca insiste em permanecer a meio metro do chão, manchas pretas e bolor e pulgões nunca são derrotados. Ainda assim, a compensação é que os nossos maiores triunfos e alegrias horticultoras também surgem quando o jardim escapa do nosso controle, quando a cenoura selvagem aparece inesperadamente no lugar certo em frente a um teixo escuro, quando o narciso esquecido viaja até o outro lado do jardim e floresce entre bem-me-queres azuis, quando a videira que deveria ficar recatadamente presa à pérgula se espalha pelas árvores. (...) diferentemente de uma boa cadeira, um bom jardim está mudando constantemente, e se adapta às circunstâncias mutáveis do tempo e das estações. E, em longo prazo, esse tipo de sistema dinâmico, complexo, flexível e variado será mais robusto e adaptável do que a flor que foi vigiada com mais cuidado em uma estufa.” 

“Então nosso trabalho como pais não é criar um tipo específico de filho. Em vez disso, nosso trabalho é oferecer um espaço protegido com amor, segurança e estabilidade no qual filhos de muitos tipos imprevisíveis podem florescer. Nosso trabalho não é moldar as mentes dos nossos filhos; é deixar essas mentes explorarem todas as possibilidades que o mundo oferece. Não fazemos as crianças aprenderem, mas podemos deixá-las aprender.” 

Apesar de não ter dito isso explicitamente, parece claro que Gopnik concordaria com o verbo “parentalizar” se isso significasse algo como “jardinar”. 

Como isso se traduz na educação? 

Quem leu meu livro “Free to Learn” (“Livres para aprender”, em tradução livre) sabe que concordo totalmente com Gopnik em basicamente tudo que ela diz sobre a aprendizagem das crianças e o papel apropriado dos pais. 

Na verdade, sua pesquisa e algumas das outras pesquisas que ela descreve estão incluídas nas evidências que apresento em meu livro. Tenho, porém, uma grande reclamação sobre o livro de Gopnik. Ela não reconhece que o modelo do carpinteiro, com todos seus problemas, se aplica duplamente, triplamente ou muito mais do que triplamente ao nosso sistema educacional. 

Gostaria que ela apontasse mais diretamente à escolarização, que é, em grande parte, um produto mantido por instituições acadêmicas como Berkeley, onde ela trabalha (e Boston College, onde eu trabalho), em vez dos pais. 

Na verdade, como já argumentei antes (apesar de não com esses termos), o modelo educacional do carpinteiro é o que deu origem, em grande parte, ao modelo de parentalidade do carpinteiro.

É muito difícil ser um pai jardineiro enquanto mandamos filhos para uma escola carpinteira, e todas as escolas públicas hoje estão no modo carpinteiro. Seus filhos são testados para ver seu nível de acordo com o modelo padrão estabelecido para todas as crianças no sistema educacional. E se eles não corresponderem ao padrão, você é chamado pelas autoridades escolares que tentam fazer você sentir que é sua responsabilidade fazer com que seu filho se conforme e atenda aos padrões que todas as crianças devem atingir. 

Ele quer explorar um dia longe da escola – como aquela bela videira que quer correr pelas árvores – e se isso acontecer diversas vezes você será acusado de negligência e talvez até ameaçado de perder a guarda do seu filho devido a leis de ausência escolar. 

Você escuta constantemente sobre como a futura empregabilidade do seu filho depende de conseguir notas altas na escola, fazer todas as atividades extracurriculares e entrar em uma faculdade de prestígio – propagandas com as quais lugares como Berkeley (e até mesmo Boston College) lucram grandiosamente. Então, como os pais podem manter uma mentalidade de jardineiro diante de toda essa pressão dos carpinteiros? 

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Eu era um pai jardineiro até o meu filho começar a frequentar a escola, e então, quando ele começou a estudar, havia uma discrepância tão grande entre as restrições escolares à sua vida e a minha crença de que ele precisava de liberdade para crescer que tinha medo que ele seria destruído nesse conflito. A única solução, sem desistir do modelo do jardineiro e vendo a minha flor silvestre murchar, foi tirá-lo da escola. 

Felizmente, descobrimos a Sudbury Valley School, uma escola radicalmente alternativa e democrática que opera em alinhamento perfeito a tudo que Gopnik diz sobre como as crianças aprendem e se desenvolvem.

É uma escola que existe há quase 50 anos e seu modelo foi replicado com sucesso em muitas outras instituições ao redor do mundo; e, ainda assim, sua existência quase nunca é reconhecida pelas pessoas do meio acadêmico, nem mesmo pelas pessoas que acreditam que crianças aprendem mais quando são livres para explorar e brincar do seu próprio jeito. 

Conseguir passar em testes não significa que você aprendeu 

Grande parte da minha pesquisa, resumida em “Free to Learn” e em ensaios anteriores, assim como em artigos acadêmicos, tem sido sobre os modos como os jovens aprendem e se desenvolvem quando são realmente livres para controlar a própria educação, como são projetados pela natureza para fazer. 

Como parte dessa pesquisa, acompanhei graduandos da Sudbury Valley e adultos que tiveram homeschooling como um método em que eles estavam no controle da sua própria educação. 

Tal pesquisa, sobre o que acontece quando crianças realmente crescem livres para mapear seus dias e destinos, em um ambiente seguro e estimulante, é o complemento natural e real aos tipos de pesquisas de laboratório que Gopnik discute. 

Gopnik reconhece claramente que a escola é um problema. Ela escreve sobre como as escolas ensinam as crianças a serem bons alunos – bons em testes – mas não muito mais do que isso. Em certo ponto, ela diz: 

“No momento em que chegam em nossas salas de aula, muitos estudantes de Berkeley são verdadeiros mestres em fazer provas. Não é de se espantar que fiquemos muito decepcionados – e eles surpresos e ressentidos – quando pedimos que eles na verdade sejam aprendizes de cientistas ou pesquisadores. Ser o maior mestre de provas do mundo não ajuda muito a descobrir novas verdades sobre o mundo nem novos jeitos de ter sucesso nele.” 

Mas Gopnik não reconhece a extensão do problema e não diz nada sobre como as escolas carpinteiras interferem nas tentativas dos pais de serem jardineiros em casa. Ela não apresenta nenhuma sugestão de o que fazer quanto às escolas e nenhum reconhecimento de que milhares de famílias estão, cada vez mais, criando seus filhos no modo jardineiro ao tirá-las das escolas tradicionais. Na verdade, próximo ao final do livro, ela diz: 

“Acreditava – ainda acredito – que escolas públicas boas são a melhor opção para todas as crianças”. 

Isso, tenho certeza, é uma coisa politicamente correta de dizer e faz as instituições pensarem “ela é OK”, mas contradiz tudo mais que ela diz nesse livro. Onde estão essas “escolas públicas boas” que ela fala? 

As que geralmente são chamadas de “boas” são aquelas que conseguem as melhores pontuações em exames e colocam mais pressão sobre as crianças. Todas as escolas públicas hoje são julgadas, e os professores são julgados, pelas notas das crianças em exames. Toda escola pública, por lei, está no modo carpinteiro; nenhuma delas é um jardim. 

Estou um pouco frustrado e acho que estou deixando isso transparecer. Há muitas pessoas inteligentes e com boas intenções no meio acadêmico que, assim como Gopnik, parecem entender, mas não conseguem chegar à conclusão lógica e nem conseguem olhar para as evidências reais de que suas ideias devem ser examinadas. 

Evidências existem há muito tempo de que é possível desenvolver espaços de aprendizagem onde crianças e adolescentes podem aprender naturalmente; e as evidências existem há muito tempo de que as crianças e adolescentes se desenvolvem belamente, de modos muito variados, como flores em um jardim, nesses espaços. 

E as evidências existem há muito tempo de que tais espaços de aprendizagem são muito menos caros e mais fáceis de operar do que as escolas tradicionais, justamente porque eles trabalham com a natureza das crianças, ao invés de ir contra ela. E, ainda assim, a academia continua fechando os olhos para essas evidências. Por quê? 

*Peter Gray, Ph.D., é professor e pesquisador na Boston College, autor de “Free to Learn” (“Livres para aprender, em tradução livre). Conduziu e publicou pesquisas em psicologia educacional, evolucionária e comparativa. Fez graduação na Universidade Columbia e doutorado em ciências biológicas na Universidade Rockefeller. A sua pesquisa e escrita atual focam principalmente nos modos de aprendizagem naturais das crianças e nos benefícios da diversão para a vida. A sua diversão inclui não apenas sua pesquisa e escrita, mas também ciclismo de longa distância, caiaque, esqui e jardinagem de vegetais. 

©2018 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Andressa Muniz.

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