Está em discussão no Congresso a principal fonte de recursos da Educação Básica — desde creches, Pré-escola, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio até a Educação de Jovens e Adultos. Trata-se do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos profissionais da Educação (FUNDEB).
Para se ter uma ideia da importância do FUNDEB, a cada R$10 gastos na Educação Básica, R$ 4 vêm deste fundo. No dia 29 de dezembro de 2017, foi publicada no Diário Oficial da União, a estimativa da receita do FUNDEB para o exercício de 2018: R$ 148,3 bilhões. Desse valor, R$ 136 bilhões correspondem ao total das contribuições de estados, Distrito Federal e municípios, e R$ 12 bilhões à complementação da União ao Fundo.
A razão para o tema ter entrado na pauta do Congresso é que a validade do FUNDEB tal como existe, expira em 2020. Já há dois projetos de lei em tramitação e, apesar de diferirem em alguns pontos, nenhum deles sequer toca em uma questão crucial: o uso obrigatório dos recursos em escolas públicas. Aparentemente, acredita-se que fortalecendo ainda mais o quase-monopólio da rede pública na provisão de Educação Básica, haveria um ganho expressivo de qualidade nos serviços providos.
Certamente há fatores diversos que impactam no desempenho escolar, mas indiscutivelmente, o mau gerenciamento de recursos — típico do setor público — e a falta de real concorrência e de prestação de contas das escolas da rede pública têm sua importância. Quaisquer que tenham sido os efeitos desses e de outros fatores, o resultado final está computado. Mesmo com recursos do FUNDEB, desde 2007, integralmente direcionados para a rede pública, dados do SAEB 2017 mostram que a variação de desempenho no 9° ano do Ensino Fundamental e, principalmente, no 3° ano do Ensino Médio, não foi exatamente um sucesso.
No 9º ano do Ensino Fundamental em 2017, apenas 38,9% municípios brasileiros alcançaram a meta de desempenho prevista nos seus respectivos estados. No Ensino Médio, não houve avanço algum após 10 anos de aporte de recursos do FUNDEB.
Alguns argumentarão que se não fosse pelo FUNDEB, tais resultados seriam ainda piores, o que não chega a ser um grande consolo. Ora, o Chile gasta pouco mais que o Brasil por aluno por ano — US$ 4.401, contra cerca de US$ 3.800 investidos pelo Brasil — no entanto, tem desempenho acadêmico em exames internacionais muito superior a nós. E, ao contrário do Brasil, que só piora, o Chile vem melhorando a cada edição do PISA.
VEJA TAMBÉM: Em um sistema educacional o aluno é o fim, e não o meio; logo, ele é que deve ser financiado — e não a escola
Mas será que um futuro promissor nos aguarda? De acordo com um estudo do Banco Mundial (LEARNING to Realize Education’s Promise), não: a se manter o ritmo de melhoras que temos tido, levaremos 75 anos para que nossos alunos de 15 anos atinjam a média de desempenho em matemática dos alunos de 15 anos de países ricos. Para atingir a média em leitura levaremos mais de 260 anos.
Como obviamente não podemos esperar todo esse tempo, precisamos investir no que já temos de melhor em termos de escolarização. Ainda que a média das escolas da rede privada no Brasil também não seja excelente, ainda é muito superior à media da rede pública.
Por exemplo, 32,5% dos alunos do 3° ano do Ensino Médio da rede privada têm um nível de proficiência em língua portuguesa considerado insuficiente — o que não é pouco. Porém, na rede pública, este número chega a 77,3%. Em matemática, 30% dos alunos da rede privada têm desempenho insuficiente; na rede pública, eles chegam a 78,7%.
Não podemos perder de vista que esse fracasso nacional e internacional dos alunos brasileiros é bancado com nossos impostos: 20% do que é arrecadado através de ICMS, IPI, IPVA, dentre outros vão para o FUNDEB. Se considerarmos apenas o ICMS que incide no preço da gasolina na Bahia, por exemplo, veremos que este corresponde a 28%. Já seria aviltante se pelo menos o cidadão baiano soubesse que seu imposto ajudaria a garantir escola de boa qualidade. Infelizmente, o Ensino Médio público na Bahia foi classificado pelo SAEB como o pior do Brasil.
Se pagamos os impostos que compõem o fundo para permitir o acesso de todos à escolarização de melhor qualidade, é um completo contrassenso impedir que os alunos usem esses recursos para acessar as escolas em que melhores serviços já são disponibilizados. É como ser impedido de usar o seu dinheiro em supermercados de boa qualidade que já existem e ter que alimentar a sua família com alimentos que você não escolheu e que comprovadamente não provêm a nutrição ou sabor que você deseja.
Tal absurdo não existe em países onde um sistema de vouchers escolares é adotado, como no Chile, por exemplo. Lá, o pagador de impostos tem o direito de escolher matricular seu filho em uma escola pública ou usar o voucher e matriculá-lo na rede privada. Esta liberdade, aliás, é a principal razão pela qual a educação básica chilena progride (1, 2, 3). O mesmo acontece na Suécia, na Holanda e nos estados dos Estados Unidos em que existem sistemas de financiamento público para escolas privadas.
Se queremos romper a inércia em que nos encontramos, é portanto o momento de alterar a lei do FUNDEB e desenhar uma nova destinação para esses recursos. Ao invés de irem integralmente para a rede pública, que um percentual significativo dos recursos arrecadados possam ser destinados ao financiamento da educação privada, seja através de vouchers, bolsas por crédito fiscal ou poupanças educacionais.
É possível que tal mudança da lei do FUNDEB leve ao fechamento de escolas públicas ineficientes? Sim e isto não deve ser visto como uma má notícia. Permitir que escolas se tornem um fim em si mesmas é incentivar o desperdício, compactuar com o atraso e impedir o desenvolvimento do potencial dos indivíduos. Outra possível consequência é que a concorrência leve a um melhor desempenho acadêmico e uma maior eficiência de gestão dentre as escolas públicas. Foi o que aconteceu no Chile com a introdução de vouchers. Além do mais, com a quebra do quase-monopólio da rede pública sobre a Educação Básica, escolas privadas poderiam dar uma contra-partida, por exemplo, responsabilizando-se pela capacitação de professores da rede pública, proporcionalmente ao número de clientes seus financiados com recursos públicos.
O objetivo da arrecadação dos recursos destinados à Educação não pode ser o de simplesmente manter escolas públicas. O aluno não pode ser tratado como o meio para financiar o sistema do qual dependem burocratas e quem com eles negocia interesses privados. O aluno é o fim do processo educacional; logo é ele que deve ser financiado e não a escola. É hora de garantir que o novo FUNDEB cumpra esta função.
*Anamaria Camargo, Mestre em Educação com foco em eLearning pela Universidade de Hull, é diretora do Instituto Liberdade e Justiça e líder do projeto Educação Sem Estado