Entre a apresentação da proposta de reformulação do Ensino Médio pelo governo federal e a aprovação da medida pelo Congresso, passaram-se menos de cinco meses. Já o caminho da polêmica reforma até a aplicação no sistema de ensino não deve seguir o mesmo ritmo.
Mesmo considerada necessária por entidades que representam as escolas particulares, as instituições temem que o prazo para planejar e implementar o novo modelo seja curto. Isso porque a reforma passará a valer um ano após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que definirá o que o aluno deve aprender em cada etapa, o que fará com que ela chegue às salas de aula a partir de 2019, como projeta a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães de Castro, responsável pela elaboração da normativa na pasta.
“A base [BNCC] é um documento que serve de referência nacional e é obrigatório a todos os Estados. Uma vez aprovada, os sistemas de ensino terão um ano e meio para fazer adaptações”, aponta a secretária executiva.
Mudanças
A presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pácios, lembra que qualquer mudança na proposta pedagógica tem impacto imediato na planilha de custo e o tempo para fazer essa análise e implementação é curto. Segundo ela, o mais prudente seria que a implementação da reforma do ensino médio fosse feita em 2021, já que as instituições ainda vão ter de submeter as mudanças pedagógicas à aprovação das secretarias estaduais da Educação. “As secretarias vão conseguir se debruçar sobre as propostas de todas as escolas em um ano?”, questiona.
O texto aprovado para a reforma divide o conteúdo em duas partes, em cada um dos três anos: 60% para disciplinas comuns, a serem definidas pela BNCC, e 40% para que o aluno aprofunde conhecimentos em uma área (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Ensino Profissional).
Arthur Fonseca, diretor da Associação Brasileira das Escolas Particulares (Abepar), que reúne colégios tradicionais de São Paulo, disse ver com otimismo que a BNCC vá definir a maior parte do que será ensinado. “Porque hoje quem define são os vestibulares, o Enem”, explica.
“A comunidade escolar pode ficar mais tranquila porque as mudanças não serão aplicadas de uma hora para outra, mas, infelizmente, não se tratou de uma reforma debatida com a sociedade”
Ele também disse que as escolas vão precisar se planejar para oferecer os percursos formativos. “Escola particular não é a mesma coisa, cada uma oferece uma metodologia, uma proposta, um serviço, um preço.” Para Amábile, é possível que colégios menores façam parcerias entre si, já que não vão ter condições de oferecer todas as opções de percurso formativo.
Rede estadual
Para José Renato Nalini, secretário paulista da Educação, a pasta já tem estudos para a implementação da reforma, mas as mudanças serão discutidas nos próximos anos. “Vamos aprender com experiências já bem-sucedidas, fazer experimentações e voltar atrás caso seja necessário”, aponta.
Para Nalini, outra mudança positiva com a reforma é a possibilidade de contratação de professores de “notório saber” para o ensino técnico profissionalizante. Já o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), afirma que essa contratação leva a uma “desregulamentação da profissão, institucionalizando o ‘bico’”.
Outro temor dos estados é o de que o aporte prometido pelo governo federal para aplicação do ensino integral, por exemplo, não seja suficiente para suprir os custos. No Rio Grande do Sul, o secretário da Educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas, prevê dificuldades diante de um cenário de crise financeira e parcelamento de salários. “Essa discussão está muito presente entre os secretários. Existe a necessidade de contarmos com mais recursos”, aponta.
O presidente Michel Temer disse que deve sancionar a lei que trata da reforma do ensino médio nos próximos dias. O ministro da Educação Mendonça Filho afirmou que o texto da reforma ficou como o governo desejava e disse que a BNCC está em fase de elaboração. O governo quer aprová-la até dezembro.
Debate
A decisão do governo de propor a reforma via medida provisória, que tem um rito abreviado de tramitação, ascendeu críticas de educadores no país. Parte deles reclama que não houve espaço e nem tempo para discussão de um tema tão sensível.
“A comunidade escolar pode ficar mais tranquila porque as mudanças não serão aplicadas de uma hora para outra, mas, infelizmente, não se tratou de uma reforma debatida com a sociedade. Para se fazer uma reformulação na área da educação, é preciso que haja um processo de discussão para que as pessoas emprestem a sua adesão à medida”, lembra o coordenador de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Antônio Augusto Gomes Batista. Na avaliação dele, esta é uma reforma que pensa somente a curto prazo, como se todos os problemas [da educação] estivessem no ensino médio.
STF
A reforma do ensino médio ainda deve passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, que vai decidir se a matéria é constitucional. Em 2016, a proposta foi contestada pelo PSOL e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Relator das ações, o ministro Edson Fachin já liberou o julgamento pelo plenário.
Cabe à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, definir a data, ainda sem previsão. Em dezembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já enviou parecer pela inconstitucionalidade da medida provisória. Entre os argumentos, ele identificou a falta de urgência “concreta” para a proposta transcorrer via medida provisória, que não seria o “instrumento adequado para reformas estruturais em políticas públicas”.
“O projeto é de difícil aplicabilidade. Muito foi falado, mas, de fato, pouco foi discutido. O aspecto que porventura seria mais positivo é o da extensão da carga horária. Mas, simplesmente expandir a carga horária reproduzindo o que existe hoje nas escolas é estimular o mais do mesmo. Se a escola é desinteressante hoje, ela será somente mais desinteressante”, pontua Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.