Sala de aula na Arábia Saudita. Foto: AFP.| Foto:

Dinheiro, para a Arábia Saudita, não falta: a partir do momento em que o país resolveu lidar com a grave questão do analfabetismo, os índices melhoraram exponencialmente: saltaram de 70,82%, em 1992, para os atuais 94,84%. O problema é que o dinheiro não resolve todos os problemas. A educação ainda é excessivamente influenciada pela religião, que ocupa 28% do tempo total das aulas do ensino básico.

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Quando o assunto é educação, na Arábia Saudita, o estado e a igreja nunca se separaram. Até a década de 1930, eram exclusivamente as mesquitas quem forneciam o ensino, e o faziam aplicando linguagem, matemática e ciências aos conceitos do Alcorão. A influência do texto sagrado do islamismo não mudou até hoje, por mais que o dinheiro do petróleo e a parceria de longa data com os Estados Unidos tenham estimulado o país a formar uma rede de ensino em parte gerida pelo governo, e em parte particular. As salas de aula são bem construídas, confortáveis, com tudo o que a tecnologia pode proporcionar de melhor. Mas a formação segue insuficiente.

Aulas nas mesquitas

“A kuttab [expressão árabe para escola elementar] era a única forma de educação conhecida antes da criação da Direção Geral pela Educação, em 1930”, escrevem os professores Turki A. Alquraini e Shaila M. Rao em artigo sobre a educação no país. A educação, no entanto, ainda era oferecida dentro das mesquitas ou por professores particulares. Foi só em 1953, com a criação do Ministério da Educação, que o dinheiro do petróleo passou a ser utilizado para construir escolas – e o número de alunos quase dobrou em um ano.

Já nesta época aparecia, influenciada pela religião, a divisão entre os sexos. As primeiras escolas para meninas, particulares, surgiram em 1957 e funcionaram sob protestos ao longo de pelo menos uma década. Ainda hoje, meninos e meninas estudam em escolas diferentes. No nível universitário, 70% dos estudantes cursam faculdades da área de Humanas, que incluem uma carga maior de disciplinas ligadas à religião – esse percentual é bastante comum entre os países árabes, como o Egito, Marrocos, Omã e os Emirados Árabes Unidos.

Resultado: por mais que o governo local invista no ensino superior, e consiga aumentar de maneira expressiva a relevância da produção acadêmica do país, os principais postos dentro das universidades, em especial nas áreas de exatas e saúde, são ocupados, em geral, por estrangeiros. Os alunos formados em áreas técnicas, como as engenharias, não receberam, em geral, o preparo necessário para exercer a profissão.

Divisão por sexo

É nas redes particulares que o ensino está mais próximo dos padrões ocidentais. Há anos essas escolas já utilizam lousas eletrônicas e tablets e praticamente abandonaram o papel. Mas o governo não fica tão atrás: promete, para os próximos anos, deixar de lado, de vez, os livros didáticos impressos. Todo o conteúdo das aulas, e todas as atividades dos alunos, estarão alojados em ambientes virtuais. Esta já é uma realidade em um grupo menor de 150 escolas. Agora, outras 1500 estão aderindo ao processo de abandono do papel. Por fim, as demais 28.500 instituições de ensino irão participar.

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Ainda assim, 96,53% dos homens são alfabetizados. Entre as mulheres, o percentual é muito menor: 91,37%. As primeiras advogadas mulheres só puderam atuar profissionalmente a partir de 2008, e foi só em 2018 que elas alcançaram o direito de dirigir. A falta de democracia impera, e dificulta a circulação de conteúdos mais completos e com acesso a diferentes versões sobre os fatos – no ranking anual de democracia elaborado pela revista britânica The Economist, os sauditas estão em 159ª de um total de 167 países analisados. O relatório dá nota zero para o pluralismo no processo eleitoral (que afinal nem sequer existe) e pontuações baixíssimas para as liberdades civis e a participação política.

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Sem liberdade

Nas escolas sauditas, os cidadãos de 3 a 5 anos podem ficar no jardim de infância, que é utilizado por apensas 22,1% das crianças desta faixa etária. Dali os estudantes seguem para 12 anos de instrução formal, entre ensino fundamental e médio. Nas escolas primárias, os alunos passam o dia inteiro dentro das instituições de ensino. Ao final do sexto ano, realizam uma prova, que garante o acesso ao ensino médio, que por sua vez se divide em dois períodos de três anos.

Esse teste serve, entre outras coisas, para conferir se o estudante decorou as principais partes do Alcorão e domina a prática de sua interpretação, conhecida como Tafsir. Segundo a organização internacional Human Rights Watch, os textos escolares ainda promovem a intolerância contra outras correntes do islamismo e as demais religiões, em especial o judaísmo e o cristianismo.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), dos meninos até 15 anos, 99,9% estão na escola. Entre as meninas, o percentual cai para 96,3%. Essa diferença é resultado da cultura local – uma parcela dos pais não se sente obrigada a enviar as meninas para receber educação formal, já que, para eles, na vida adulta elas deveriam casar e cumprir funções dentro de casa.

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Nas universidades, as mulheres agora são maioria: ocupam 60% das vagas. Mas apenas 21% das vagas de trabalho são ocupadas por elas, segundo o Banco Mundial. “A formação educacional das mulheres sauditas não garante para elas um emprego depois da graduação”, afirma Roula Baki, pesquisadora da George Washington University, em um estudo sobre a correlação entre a disparidade educacional e a diferença de posicionamento no mercado de trabalho. “A Arábia Saudita precisa modernizar sua economia, mas o sistema educacional está retardando, no lugar de acelerar as mudanças”.

Reformas

O governo local está tentando mudar essa situação com a promoção de medidas que inserem as mulheres na sociedade. Em paralelo, vem promovendo uma ampla reforma educacional, ao custo de US$ 200 bilhões, principalmente nas universidades, para que elas atuem como centros de difusão de conhecimento e produção científica aos moldes ocidentais. As mudanças incluíram, em 2017, a autorização para que as meninas possam participar de aulas de educação física.

O rei desde 2015, Salman bin Abdulaziz Al Saud, vem estimulando os alunos sauditas enviados para realizar intercâmbio no exterior para que eles retornem e liderem postos de alto escalão dentro do sistema educacional. Além disso, 150 novos centros vocacionais têm a meta de orientar os jovens e, assim, distribuir 3 milhões de pessoas, ao longo de dez anos, para vagas fora da indústria petroleira – o país tenta, há pelo menos duas décadas, e sem sucesso, diversificar sua economia.

Mas não há uma abertura democrática à vista, nem mudanças expressivas no currículo do ensino básico. Como escreve o diplomata Jerry Feierstein, embaixador dos Estados Unidos no Iêmen entre 2010 e 2013, em artigo sobre o país, “tudo indica que a Arábia Saudita vai permanecer um estado autoritário, que oferece pequena margem para a participação popular”.