Sala de aula na Guiné Equatorial. Foto: EBM Equatorial.| Foto:

Quando a Guiné Equatorial descobriu que tinha reservas de petróleo, em 1991, o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo declarou que o país havia recebido maná do céu – uma referência bíblica ao alimento que, no livro do Êxodo, foi lançado a mando de Deus para o povo hebreu que vagava pelo deserto em busca da Terra Prometida. A profecia se cumpriu, mas apenas para Mbasogo e seus familiares: desde que o dinheiro do óleo começou a entrar, o país realizou uma série de obras de infraestrutura, geralmente, segundo a ONG Human Rights Watch, contratando empresas de pessoas ligadas ao governante.

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Além de estradas, o país reformou os edifícios públicos em duas cidades, a capital Malabo e a maior cidade, Bata. Depois, mudou de ideia e começou a construir uma nova capital administrativa, do zero, no meio da floresta, em Oyala. No entanto, com a queda nos preços do petróleo, o país entrou em crise, agravada pelo fato de que as reservas conhecidas deverão durar até, no máximo, 2035.

Enquanto isso, a educação e a saúde, que já eram problemáticas antes da euforia financeira, se mantiveram caóticas. Guiné Equatorial tem um dos mais baixos índices de vacinação do planeta (apenas 35% das crianças foram imunizadas contra tuberculose em 2015, contra 99% em 1997) e 42% das crianças estão fora das escolas. Enquanto isso, o filho do presidente, Teodoro Obiang, responde nos Estados Unidos, na França, na Espanha e na Suíça, a acusações de lavagem de dinheiro.

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Entre seus bens, aliás, está uma cobertura tríplex de 1000 metros quadrados no bairro do Jardins, em São Paulo, avaliada em R$ 70 milhões e alvo de uma busca da polícia federal depois que a comitiva do vice-presidente foi alvo da apreensão, em outubro passado, no aeroporto de Viracopos, em Campinas, com dinheiro e bens estimados em US$ 16 milhões. O vice-presidente é conhecido por andar sempre com malas carregadas de dinheiro e só andar em carros cuja cor combine com a de seus sapatos. Doações do país ao Instituto Lula são investigadas pela Operação Lava-Jato.

O presidente Mbasogo, aliás, está no cargo desde 1979, quando depôs seu tio, Francisco Macías Nguema, que estava no poder desde a independência do país, em 1968. Não é possível exercer oposição: em 2017, 147 políticos foram presos depois de um confronto com a polícia na cidade de Aconibe. Destes, 28 foram sentenciados a 30 anos de prisão.

Professores sem formação

Os últimos dados disponíveis sobre os gastos realizados pelo governo do país indicam que, entre 2008 e 2011, os investimentos em saúde e educação, somados, nunca ultrapassaram os 3% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que apenas 0,6% são voltados ao ensino. Já os investimentos em infraestrutura responderam por 82% do PIB. Num país de apenas 1 milhão de pessoas, o equivalente à cidade de Maceió (AL), e área de 28 mil quilômetros, semelhante ao estado de Alagoas, o número de jovens em idade escolar está em 314 mil pessoas.

Destas, 131 mil simplesmente não têm acesso a nenhum sistema de ensino. Em geral, são pessoas que também não consumem água potável – cujo acesso está estacionado em menos de metade da população desde 1995. Entre as crianças do país, dois terços são anêmicas. Para ser atendido nos poucos hospitais da nação, como por exemplo o Hospital Geral de Malabo, é preciso pagar adiantado.

O fato de que a renda per capita do país saltou de US$ 330, em 1991, para US$ 24.304, em 2012, não mudou um quadro de devastação nas escolas. Mesmo quem consegue se matricular numa sala de aula encontra um cenário de abandono.

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Não existem escolas em número suficiente. Nas que existem, as salas de aula são abarrotadas, as paredes têm infiltração e rachaduras, não há comida, nem água potável e os professores são mal treinados – dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) indicam que menos de metade dos profissionais (49%) que atuam no ensino básico receberam qualquer tipo de formação.

Mais de metade dos alunos estudam em escolas particulares, onde o cenário é um pouco melhor. Ainda assim, no sistema de ensino em geral, 12% dos alunos que iniciam o primeiro ano do ensino fundamental desistem antes que o ano letivo termine. Entre os que prosseguem nos estudos, os meninos são maioria: para cada 100 alunos homens, há apenas 57 mulheres – uma lei de 2016 tende a agravar esse quadro, porque proíbe que adolescentes grávidas frequentem escolas. E 83% dos estudantes estão em classes abaixo da idade em que deveriam.

Segundo o Banco Mundial, mesmo quem leva os alunos para as escolas públicas acaba pagando os salários de quem leciona para seus filhos: aproximadamente 40% dos profissionais são considerados pelo estado como “voluntários”, e não recebem nenhum salário. Graças ao esforço dos pais, os professores acabam por receber algum salário, ainda assim muito baixo: profissionais de ensino que concluíram faculdade recebem, em média, US$ 296 por mês.

Além de baixos investimentos em educação, o dinheiro é mal aplicado. O gasto per capita no ensino primário é de US$ 410 por aluno. Já o ensino superior recebe investimentos de US$ 11.435 por pessoa – esse valor muito mais alto não indica que o governo esteja aplicando dinheiro para construir universidades; ele se limita a bolsas de estudos para os alunos, geralmente vindos da elite, estudarem em universidades do exterior. O país inteiro tem uma única universidade pública, a Universidade Nacional de Guiné Equatorial.

Ditadura em família

Instalada na costa da África Central, entre Gabão e Camarões, a Guiné Equatorial é o único país independente do continente cuja língua oficial é o espanhol, ainda que o português também seja bastante praticado e tenha se tornado disciplina escolar em 2014. Colonizada por Portugal até 1777, quando passou ao controle da Espanha, a região foi utilizada para o cultivo de cacau e café. Não havia incentivo para diversificar as atividades econômicas. Quando alcançou a independência, em 1968, o país não tinha uma legislação própria, nem instituições de ensino organizadas.

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O primeiro presidente, Francisco Macías Nguema, não fez nenhum esforço para construir uma rede de ensino. Pelo contrário: proibiu a existência de jornais e mandou fechar todas as escolas particulares, as únicas que forneciam ensino médio e universitário. “É difícil superestimar a devastação provocada por séculos de colonização, seguida pelo reinado de terror de Macías”, afirma o relatório da Human Rights Watch.

No início de seu governo, em 1979, o sobrinho de Macías, Obiang, parecia disposto a mudar esse cenário. “Depois do golpe de estado, o governo começou a desenvolver suas funções básicas; escolas reabriram, serviços públicos foram restaurados”, informa o relatório. “No entanto, em muitos aspectos, o golpe não levou a nenhuma mudança fundamental na governança e no respeito aos direitos humanos”.

A corrupção, que já estava disseminada pelo governo antes da chegada do dinheiro do petróleo, só ficou mais evidente desde os anos 1990. Não por acaso, no ranking de democracia produzido anualmente pela revista The Economist, a Guiné Equatorial está na posição 161, de 167 países avaliados. Sua nota é pior do que a da Arábia Saudita, da Líbia, do Irã e da Venezuela.