Nos livros didáticos venezuelanos, os exercícios de matemática ensinam os alunos a calcular quanto economizaram ao comprar alimentos nos mercados oficiais do governo. A aula de inglês inclui expressões como “Onde Hugo Chávez nasceu?”. Nos livros de história, o socialismo é louvado e os feitos dos revolucionários russos e cubanos, descritos em detalhes.
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É assim desde 2011, quando o governo implementou uma nova leva de textos para as escolas, com base no currículo bolivariano implementado a partir de 2007, quando o ministro da educação era Adan Chávez, irmão do então presidente e atualmente embaixador da Venezuela em Cuba.
Mas, nesse momento, nada disso importa muito: entre 30% e 40% dos professores faltam às aulas, todos os dias, para ficar nas filas para comprar um pouco de comida ou de remédio – essa conta, a das horas perdidas e a da inflação acumulada, não está nos livros didáticos. Os alunos também mal conseguem comparecer, já que não há comida, nem ônibus escolares regulares.
Muitas escolas passam semanas fechadas por falta de professores, alunos, funcionários, água e luz (cortadas por falta de pagamento). Outras, em especial as particulares, abrem para que os próprios pais ensinem as crianças, mesmo que não tenham formação para tal. O caos que se instalou no país está levando uma geração inteira de crianças a simplesmente não receber nenhum tipo de ensino: três milhões de alunos não estão indo à escola.
Escolas bolivarianas
A produção de novos livros didáticos representava o auge de uma reforma ampla no conteúdo lecionado, iniciado logo após a posse de Chávez, em 1999. Poucos anos depois, o governo começou a inaugurar, em bairros populosos, as chamadas escolas bolivarianas, que ofereciam aulas em período integral e três refeições por dia, enquanto as escolas públicas tradicionais dividiam os alunos em dois períodos e forneciam uma refeição diária.
A partir do final da década passada, começou a pressão para que o conteúdo favorável ao presidente fosse implementado também nas escolas particulares, onde a resistência aos novos conceitos era especialmente severa. Enquanto o governo imprimia 35 milhões de exemplares de seus livros e os repassava a 5 milhões de alunos da rede pública, os proprietários de instituições pagas reagiam, se recusando a aceitar a mudança, ou mudando de país. Um grupo de pais chegou a formar uma pilha desses livros e tocar fogo neles.
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Quando Chávez chegou ao poder, a Venezuela já apresentava índices baixos de analfabetismo – 93% dos adultos sabiam ler e escrever, um salto em relação aos 77% registrados em 1970. Ainda assim, seu governo dizia ter ampliado o investimento em educação, na proporção do produto interno bruto, de 3,5% para mais de 7% - o índice caiu perto de 2010, e desde então não existem mais estatísticas confiáveis.
“Entre 1958 e 1998, a sociedade venezuelana atuou sobre os moldes de um processo democrático, que funcionou segundo dois conceitos-chave – modernização e desenvolvimento – capazes de promover o crescimento de um sistema de educação superior altamente diversificado”, afirma Orlando Albornoz, professor da Universidade Central da Venezuela no artigo Recent Changes in Venezuelan Higher Education.
“Mas o sistema falhou em dois aspectos críticos: atender à demanda crescente por educação superior e parar a corrupção administrativa entranhada no sistema, que permanece até hoje”. O que se seguiu, analisa o professor, é que, a partir de 1999, “a sociedade começou a transição do capitalismo para o socialismo, da democracia para a autocracia”.
Êxodo geral
A partir de 2014, na medida em que a crise econômica se agravava, o número de acadêmicos e pessoas com mestrado e doutorado deixando o país só aumentou. Antes mesmo, os baixos salários e a doutrinação forçada haviam provocado, entre 2008 e 2012, uma queda de 40% no total de publicações acadêmicas produzidas em solo venezuelano. Existem 6 mil pesquisadores venezuelanos vivendo em seu país natal, contra 9 mil instalados nos Estados Unidos.
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Em resultado, faltam acadêmicos, e também professores em todos os níveis de ensino. Nas escolas de educação básica, o Centro de Pesquisa Cultural e Pedagógica Mariano Herrera estima que falta preencher 40% das vagas para professores de matemática e ciência.
Há os que deixaram o país, mas também existem aqueles que hoje vivem de profissões diferentes, de faxineiros a barbeiros. Enquanto isso, os computadores Canaimitas, laptops importados de Portugal na década passada, que utilizavam o sistema operacional Linux e eram utilizados nos laboratórios de informática, ganham valor inesperado no mercado negro e seguem desaparecendo das salas de aula.
"Questões ligadas à politização, falta de investimentos, perda de pesquisadores e ataque à autonomia institucional deixaram o sistema universitário em uma posição precária", já alertava, em 2013, Nick Clark, editor do site World Education News & Reviews, no artigo Education in Venezuela: Reform, Expansion and an Uncertain Future. Essas questões, por mais importantes que sejam, agora estão em segundo plano, enquanto os venezuelanos lutam para sobreviver.
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