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Entrevista

“Não somos uma nação que põe a educação como prioridade”

 | Fabrio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
(Foto: Fabrio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Ex-ministro da Educação do governo Lula, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) defende a federalização das escolas municipais e estaduais como o caminho para se melhorar a qualidade da educação no Brasil. Em entrevista à Gazeta do Povo, por telefone, o parlamentar disse ainda que não há, de fato, vontade para se mudar os rumos da educação no país e que ela não é vista como prioridade pela classe política e nem pela sociedade de forma geral.

O senador, que é relator do projeto “Escola sem Partido”, também falou sobre o tema e avaliou a proposta de reforma do ensino (MP 746/2016) que, na opinião dele, deverá ser aprovada no Senado. Confira:

O senador integra a comissão que discute a reforma do ensino médio, um dos temas mais polêmicos deste ano sobre a educação. Como avalia a proposta? É favorável à medida?

Sou favorável, conhecendo que está muito longe do que precisamos fazer para o Brasil ter a educação que o século 21 exige e que uma sociedade justa precisa. Mesmo assim, [a proposta] está no caminho certo, e eu lamento que tenhamos esperado tanto tempo para fazer o que há mais de 20 anos discutimos.

Os pontos que ela traz são positivos para a educação. Quase metade dos nossos jovens abandona a escola durante o ensino médio e uma das causas é a exigência de muitas disciplinas. A reforma vai reduzir o número de disciplinas obrigatórias, dará liberdade ao aluno de escolher fazer aquilo de que ele gosta. Ela vai trazer para dentro do ensino médio a formação profissionalizante, para que o aluno saia [desta etapa] com o mínimo de conhecimento para uma atividade profissional. Outro [ponto] positivo é a garantia de aumentar o número de alunos em horário integral, o que é fundamental, pois, hoje, é preciso colocar o menino na escola para tirá-lo da rua.

Finalmente, no momento em que houver uma sala [de aula] sem professor de matemática, poderá se contratar um engenheiro para ser professor [desta disciplina]. Sou favorável [à contratação de profissionais com notório saber] naquelas salas que não tenham professor. É um crime deixar uma criança sem professor. E é um crime duplo deixar uma criança sem professor sabendo que do lado de fora tem um professor querendo dar aula.

O PT da Dilma não tem nada a ver com o PT de quando eu entrei no partido. (...) [foi] o PT que traiu o sonho da esquerda, abandonou o sonho das transformações sociais. Nem falo dos aspectos de corrupção, mas do compromisso com as transformações sociais.

Como o senhor lembrou, todas essas questões propostas pela reforma do ensino médio são discutidas no país há muitos anos, inclusive no projeto de lei 6.840, que tramita desde 2013, ainda no governo Dilma Rousseff. O que fez com que ele não andasse? Houve falta de vontade dos parlamentares e/ou do governo federal?

Falta de vontade do Brasil, [incluindo] famílias, pais, professores e, sobretudo, nós, parlamentares e governos. Houve falta de interesse porque educação não é algo importante [para o] brasileiro. Houve algo na formação da cabeça “do Brasil” que fez com que déssemos mais importância a outras coisas, como futebol, indústria, salário e saúde, mas a educação ficou de fora.

A segunda razão pela qual [essa discussão] não foi levada adiante é porque essa é uma reforma, sobretudo, para a escola pública. A classe média e alta brasileira já resolveu o seu problema achando (estão iludidos) que a escola particular no Brasil é boa. É boa se comparada à pública, mas é ruim se comparada às da Finlândia, Suécia, França e Estados Unidos. Não somos um povo, uma nação, que põe a educação como prioridade.

Esse desinteresse do brasileiro pela educação tem a ver com o nível de formação das famílias?

É um desinteresse do brasileiro em geral. As classes média e alta também não dão valor à educação. Quer um exemplo? Conheço um cara que estava preocupado porque tinha gasto muito dinheiro com o filho na escola particular de ensino médio e, no final, o menino queria ser professor. O pai ficou furioso, ou seja, ele não gosta da educação. Uma pessoa de [posses] matricula o filho em uma escola cara não porque está pensando em dar uma boa educação, mas em dar um bom salário ou o emprego que este filho terá graças à educação.

No caso das classes pobres tem algo a mais. [Para estes pais], hoje, pelo menos há escola, o que eles não tiveram. Eles veem a escola como um lugar onde podem deixar as crianças, [o que faz com que ela seja] boa. Prova disso é como nos mobilizamos pela segurança, saúde, emprego, mas não pela educação.

Além dos resultados do Pisa, que mostram que a educação brasileira está entre as piores do mundo, o Ideb também trouxe resultados abaixo da meta proposta pelo governo. O que faz com que o país não consiga avançar nesta área?

Primeiro é o [ponto] de que não se quer, de fato, mudar. Não há essa vontade nacional [por parte dos] eleitos e dos eleitores. Quando o Brasil é vice [campeão] no futebol é uma tragédia. Nós fomos quase vice [campeões] de trás para frente na educação pelo Pisa e não teve nenhuma reação brasileira.

Se colocarmos dinheiro em um helicóptero e o jogarmos em cima de uma escola, isso não melhora a educação. Hoje, gastamos menos do que se deveria, mas desperdiçamos muito do que é gasto.

Há muita resistência para se fazer o que é preciso. A meu ver precisamos, em primeiro lugar, garantir que o professor tenha uma das carreiras melhor remuneradas do país. Mas, para o professor ter um dos melhores salários, ele terá que mudar. Terá que ter compromissos, ser avaliado periodicamente, se dedicar só a esta atividade. Os cursos dele na faculdade têm que ser [voltados] para dar aula, não somente para ser um teórico da educação, como acontece hoje. E esse professor bom tem que ter escolas da melhor qualidade, com equipamentos e em horário integral. Tudo isso só poderá ser feito se a educação no Brasil for federalizada. Só fazendo [com que] as escolas municipais e estaduais [sejam] substituídas por federais é que vamos conseguir fazer a revolução que o Brasil precisa.

Então, o gargalo que o senhor vê está na educação básica?

Claro. E a medida provisória só cuida do ensino médio. O aluno que sai [de um] ensino fundamental ruim não consegue fazer o ensino médio bom. E o que sai do ensino médio ruim não consegue fazer uma universidade boa. A educação tem que ser enfrentada em sua totalidade. Minha proposta é na totalidade, na substituição, ao longo de 20/30 anos, das escolas municipais e estaduais por [instituições] federais. O professor deveria ser federal, assim como as crianças, que são municipais [e estaduais]. Criança é sinônimo de futuro, e ainda não federalizamos o futuro.

Em ocasiões anteriores, o senhor comentou que aumentar a verba para a educação seria o caminho. Depois, disse que o problema não era tanto o dinheiro, mas a gestão. Pode comentar sobre esta relação?

É um pouco de cada uma delas. Isso que estou dizendo vai exigir aumento de recursos, mas terá de se ver como esse dinheiro será aplicado. Se colocarmos dinheiro em um helicóptero e o jogarmos em cima de uma escola, isso não melhora a educação. Hoje, gastamos menos do que se deveria, mas desperdiçamos muito do que é gasto. Temos muitos vazamentos, como a quantidade de professores [que estão] dentro da escola, mas sem dar aulas porque estão liberados pelo sindicato ou são diretores/coordenadores. Outro vazamento são as condições da escola, [o fato de] o aluno não poder ficar na sala porque tem goteira ou o prédio está caindo. Temos que aumentar os recursos, mas aumentando a eficiência.

O senhor é relator de outro projeto polêmico, o PLS 193/2016, que trata da “Escola sem Partido”. Que avaliação faz deste tema?

Sou favorável a que a escola seja um lugar onde todas as ideias entrem. Se começarmos a fazer uma “Escola sem Partido”, como este projeto propõe, vamos terminar sem todas as ideias, e aí a escola fica ruim. Por isso o projeto não é bom. Acho que ele tem uma má intenção muito grande, que é tolher a liberdade de debate dentro da escola. Reconheço que há grupos de professores querendo doutrinar os alunos, e isso é ruim. A inspiração do projeto foi essa, correta, mas [ele] veio de maneira equivocada.

A educação de base não melhorou nos governos Lula e Dilma, mas temos mais universitários. Agora, ter mais universitários sem melhorar a educação de base [faz com que] a universidade piore. Não tem jeito.

Então o senhor acredita que há grupos que fazem a chamada doutrinação, e não a escola de forma geral?

Acho que a escola em geral não faz doutrinação. Vamos falar nomes: quem fez este projeto está contra o doutrinamento do PT, e é capaz de estar a favor do doutrinamento [de suas] ideias. Eu não vejo risco de doutrinamento nas escolas. Existe o risco de tentativa de doutrinamento por parte de professores individualmente, e aí, vamos falar com franqueza, deve ser de mais de um lado.

Em relação ao que o projeto coloca sobre o direito da família de orientar a formação dos filhos. Como o senhor vê essa questão?

Vi matérias sobre pessoas que estão deixando as crianças em casa, não as mandando mais para a escola. Uma criança é da família, mas ela também é do país. O futuro dela depende da família, mas também do país e da sociedade onde ela vive. A educação é feita pela escola, pela família e pela mídia em geral, no sentido mais amplo. É uma “Santíssima Trindade”.

Então, temos que trazer a família para dentro da escola, esse seria o caminho. (...)Sou favorável que a família possa influir no conteúdo, [mas isso por meio de um] debate nas reuniões de pais e mestres. Não [no caso] de um pai chegar lá e dizer “quero isso” e outro “quero [aquilo]”.

Neste ano, o governo federal propôs uma série de cortes, como a PEC 55, que limita os gastos públicos por 20 anos. Na sua opinião, que reflexos isso terá sobre a educação?

A PEC 55 não propôs nenhum corte em nenhum setor específico, ela propõe até o aumento. Para 2017, os recursos para a educação aumentaram (estão previstos R$ 2 bilhões a mais). Dois setores, educação e saúde, estão relativamente protegidos na PEC 55 de acordo com relatório do senador Eunício [Oliveira], que é o relator [do projeto]. Agora, vai depender de nós que defendemos a educação se irão aumentar ou não [os recursos].

A diferença da PEC 55 para [o que acontecia] antes é que nós vamos ter que dizer de onde vai sair esse dinheiro, o que acho bom para a educação política do Brasil. Teremos que escolher se faremos estádios ou escolas. O povo está descobrindo a importância da educação. Creio que vamos ter chance de mobilizar a opinião pública brasileira para colocarmos mais dinheiro na educação, tirando-o de muitos desperdícios que o Brasil faz, como os prédios de luxo do setor público.

O senhor foi ministro da educação do governo Lula e já foi filiado ao PT. Como avalia os anos em que o partido esteve à frente do governo no que se refere à educação?

Os governos Lula e Dilma conseguiram aumentar o número de alunos na universidade (fizeram mais universidades, criaram o Prouni e finalizaram o Fies), mas foi um fracasso na educação de base. O Lula não fez o que um presidente de esquerda deveria fazer: a escola do filho do pobre igual à escola do filho do rico. Ele não iria conseguir fazer isso no Brasil inteiro em oito anos, nem em doze, mas conseguiria em 30 – não ele, mas se começasse teria feito em duas mil cidades. A educação de base não melhorou nos governos Lula e Dilma, mas temos mais universitários. Agora, ter mais universitários sem melhorar a educação de base [faz com que] a universidade piore. Não tem jeito.

Muitos simpatizantes da esquerda o consideram como uma espécie de traidor depois que o senhor apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Que leitura faz desta questão?

Quero dizer que o PT não é um partido de esquerda, ele é aburguesado, luta para aumentar o consumo, é um partido “corporativizado”. Qual foi a transformação social que o governo do PT fez em treze anos? Teve uma transferência de renda, com base no programa “Bolsa Escola”, que eu iniciei como governador do PT, o Fernando Henrique levou para o Brasil e o Lula transformou no “Bolsa Família”. Isto é positivo, generoso e correto, mas é assistencial, não transformador.

Eu seria um traidor se tivesse mudado minhas posições, e eu não as mudei. Eu mudei de sigla, pois as siglas mudaram de posição. O PT da Dilma não tem nada a ver com o PT de quando eu entrei no partido. Eu respondo sua pergunta de uma maneira muito direta: [foi] o PT que traiu o sonho da esquerda, abandonou o sonho das transformações sociais. Nem falo dos aspectos de corrupção, mas do compromisso com as transformações sociais. O PT não apresentou uma proposta de transformação. Não mudou a política fiscal ou a estrutura educacional. Mantenho-me fiel ao que defendo. Agora, não há porque ser fiel a siglas que mudam de lado e abandonam seus compromissos.

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