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Uso indevido

Netflix e bar: CGU identifica desvios no uso de cartão de pesquisa do CNPq

A CGU descobriu que, do total de despesas, 83% foram realizadas em modalidades que não permitem identificar nem o objetivo da compra nem o beneficiário final. (Foto: Divulgação)

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não controla adequadamente a forma como o cartão de pesquisas é utilizado. Essa é a conclusão a que chegou a Controladoria-Geral da União (CGU), que elaborou uma avaliação a respeito do uso desta modalidade de financiamento, entre 2013 e 2018.

A CGU descobriu que, do total de despesas, 83% foram realizadas em modalidades que não permitem identificar nem o objetivo da compra nem o beneficiário final – são os casos em que os pesquisadores realizaram saques e, portanto, não identificam o destino final do dinheiro, além de pagamentos de títulos e transferências sem identificar o beneficiário. Essas modalidades de despesas somam R$ 1,15 bilhão, do total de R$ 1,4 bilhão gasto no cartão, por 22.867 pesquisadores, ao longo desses seis anos.

Instrumento estratégico

Em seu relatório de auditoria, a CGU explica a importância dessa investigação. “A concessão de recursos para fomento dos projetos é uma das principais atividades finalísticas do CNPq. Nesse contexto, o Cartão Pesquisa se apresenta como um dos principais instrumentos de implementação desse programa”.

Trata-se, portanto, de uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento de pesquisa no Brasil. Criado em 2009, para substituir um antigo sistema de talões de cheque, o cartão é registrado em nome do pesquisador e utilizado em parceria com o Banco do Brasil, que disponibiliza para o CPNq os dados a respeito da movimentação de cada um.

Ainda assim, segundo a CGU, “foi identificada deficiência nos controles internos do CNPq provocada pela ausência de rotinas de monitoramento dos gastos e permissão de gastos sem restrições prévia nos sistemas informatizados”.

Além disso, informa o relatório da auditoria, “constatou-se que os controles atualmente adotados são realizados apenas a posteriori, no momento da análise financeira das prestações de contas, agravando os problemas supracitados, sobretudo quando se considera a detecção de categorias de despesas potencialmente inelegíveis”.

Netflix e bar

A Controladoria Geral da União percebeu que o CNPq não se utilizou, por exemplo, de seu direito de restringir o uso do cartão a determinados estabelecimentos comerciais. Resultado, nas palavras do relatório: “Chama atenção algumas transações realizadas, mesmo considerando as peculiaridades e a diversidade dos projetos de pesquisas financiados pelo CNPq, que, a princípio, não se encaixam no conceito de gasto elegível, entre as quais destacam-se gastos com a contratação de serviços como Netflix, serviços de relacionamentos, compra de produtos de beleza, joias, vestuário, entre outras”.

A CGU identificou despesas realizadas depois da meia-noite, sendo uma conta de R$ 281 em um pub de Londrina e um gasto de R$ 600 numa churrascaria do Rio de Janeiro. Em uma lanchonete em Castanhal (PA), a conta foi de R$ 585, paga à uma da manhã.

De todas as formas de utilizar o cartão, a mais utilizada, e que representa 46% do valor gasto, é a modalidade saque – o valor médio de saques, por pesquisador, é de R$ 1.795,03, mas foi registrado o valor máximo de R$ 2,8 milhões. “Foram identificadas 508 operações de saque iguais ou acima de R$ 100 mil, para pagamento de títulos, totalizando cerca de R$ 103,7 milhões”, aponta o texto, que também lembra que os saques se concentram em áreas da região Sudeste, o que permite descartar qualquer suposição de que sacar os valores seria uma necessidade para quem desenvolve pesquisas em regiões remotas do país.

Recomendações

A CGU recomenda ao CNPq “a implementação de parâmetros de utilização do Cartão Pesquisa, de modo a promover a restrição de uso dos cartões nos ramos de atividade vedados nos normativos e Chamadas Públicas; a automatização do acompanhamento dos gastos, com a integração entre os dados do Cartão e os sistemas internos do Conselho e a promoção de ampla divulgação dos dispêndios na Internet”.

Para isso, seria necessário melhorar a estrutura de monitoramento: em 2018, o CNPq tinha apenas quatro servidores e 23 empregados terceirizados, e mais de seis mil prestações de contas de projetos de pesquisa estavam pendentes de análise.

Em resposta, o CNPq divulgou uma nota em que afirma: “As despesas identificadas em categorias não elegíveis são checadas com a prestação de contas e com as regras próprias que cada pesquisa pode ter a partir das definições constantes em cada Chamada Pública ou Acordo de Cooperação ao qual está vinculada. As particularidades de cada tipo de chamada, de cada pesquisa e, ainda, a possibilidade da razão social do estabelecimento ser diferente do seu efetivo funcionamento exigem cuidado nas verificações”.

A entidade afirma que pretende melhorar o sistema de monitoramento. “Para aprimorar o sistema, ainda é necessário um refino da descrição dos gastos e, para tanto, o CNPq já iniciou tratativas com o Banco do Brasil. Após esse aprimoramento, será possível tornar estes gastos públicos no Portal da Transparência para o devido controle social”.

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