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Maria Helena Guimarães Castro, presidente do CNE, gesticula com as mãos.
Para Maria Helena Guimarães, presidente do CNE, grande erro do país foi protelar retomada das atividades presenciais em instituições de ensino.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ir na contramão da comunidade internacional e protelar a retomada das atividades presenciais em instituições de ensino trouxe ao Brasil inúmeros prejuízos, com tristes consequências a longo prazo. Segundo levantamento da Unesco, escolas ficaram fechadas no Brasil por pelo menos 40 semanas, média bem acima de outras nações. Especialistas apontam que a postura adotada pelo Brasil é reflexo da baixa relevância atribuída à educação no país.

Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro concorda com o diagnóstico. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explica quais são os desdobramentos desse cenário e lembra que em maio e julho de 2020 o CNE já havia aprovado resoluções com orientações claras sobre reorganização de calendário e currículo, atividades remotas, além de outras diretrizes dadas pelo CNE e por conselhos estaduais.

Segundo ela, havia expectativa de que as redes voltassem às aulas em agosto passado. Ainda assim, a grande maioria dos estados e municípios optou por protelar a retomada.

"Espero que agora todos retomem as atividades presenciais, mesmo sabendo que vamos continuar convivendo com atividades remotas, turmas pequenas para evitar aglomeração, alunos com máscara, respeitando os cuidados sanitários. Eu sou absolutamente a favor da volta às aulas no estado de São Paulo, por exemplo", diz Maria Helena.

Na entrevista, ela também comenta assuntos como: o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), o protagonismo do MEC ao longo do último ano e o protocolo pedagógico ideal de volta às aulas. Leia:

A senhora inicia o ano com quais perspectivas? Frente ao cenário educacional, prejudicado pelos reflexos da pandemia, há entusiasmo, a situação continua ruim ou, em sua opinião, é ainda mais desafiadora?

Maria Helena Guimarães de Castro: Estamos começando o ano numa situação diferente da que esperávamos. Isso é, a pandemia está mais acelerada, há uma situação preocupante em alguns estados e municípios. Mas, de todo modo, entendo que a Resolução nº 2 do CNE, homologada em dezembro passado, é, digamos, um parâmetro importante que está orientando as redes públicas e particulares de ensino da educação básica e ensino superior para reorganização das escolas e currículos. Neste sentido é que estou mais otimista.

Aprendemos muito em 2020. E, talvez, o principal legado que o último ano nos deixa é o fato de ter acelerado uma certa cultura digital na educação, de ter nos impulsionado a desenvolver atividades não presenciais, a trabalhar o ensino híbrido. De tal modo que 2021 já começa com ensino híbrido.

Qual a sua perspectiva sobre volta às aulas?

Maria Helena Guimarães de Castro: Acho muito improvável que antes do segundo semestre deste ano tenhamos uma situação mais controlada da pandemia, com vacinação para toda a população. Provavelmente, isso só acontecerá depois do segundo semestre. De todo modo, a boa notícia, por um lado, é que já iniciamos o processo de vacinação e, de outro, que conseguimos aprender muito no último ano. Isso fez com que escolas revissem suas propostas curriculares com base nos aprendizados de 2020.

As escolas já estão preparando suas avaliações diagnósticas e fazendo uma seleção de competências e habilidades, uma vez que será muito difícil cumprir, na íntegra, as propostas curriculares de 2020 e 2021. As escolas praticamente cumprirão dois anos em um, para garantir a reposição das aprendizagens.

De uma certa forma, o início do ano é preocupante. Por outro lado, no entanto, os aprendizados e legados do ano passado são bastante positivos. O que anima, também, é o fato de estarmos começando o ano com orientação clara por parte dos conselhos estaduais e municipais, de escolas de todo o Brasil, e das autoridades sanitárias com relação aos protocolos que devem ser observados no retorno às aulas.

Para alguns especialistas, o fechamento das escolas e a demora para muitas instituições de ensino adotarem ferramentas digitais resulta em um ano perdido. Para a senhora, isso é verdade, ainda que em parte?

Maria Helena Guimarães de Castro: Na minha perspectiva, não foi um ano perdido, de jeito nenhum. Foi um ano em que a educação finalmente entrou na cultura digital. O ano de 2020 praticamente inicia o século 21. Escolas e alunos que não têm acesso à internet – e são muitos – aprenderam a lidar com outras estratégias de aprendizagem. Se utilizaram de videoaulas, atividades síncronas e assíncronas, da televisão, do rádio e de material impresso. Nossos professores não estavam preparados, pois foi uma agenda que ninguém no mundo esperava, mas também é verdade que eles foram verdadeiros heróis.

E, portanto, o ano passado não foi perdido. Muitas escolas fizeram um trabalho de ótima qualidade. É claro que há alunos com maior facilidade para atividades remotas, outros, menos, alguns têm mais acesso à internet, outros não têm acesso. Essas desigualdades precisam ser trabalhadas na volta às aulas, com avaliações diagnósticas, recuperação da aprendizagem, garantindo que toda criança possa aprender. Esse é o esforço que faremos daqui pra frente.

De certa forma, como a senhora mesma comentou, a pandemia impulsionou o Brasil a caminhar em direção a um maior uso – com intenção pedagógica clara – das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Isso significa que o país esteja pronto para dar esse salto que se mostrou necessário no âmbito de uma tecnologia em favor da educação?

Maria Helena Guimarães de Castro: Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Itália, França, Reino Unido. Nenhum país estava pronto, foi um problema mundial, não apenas nosso. É preciso lembrar, além disso, que a educação básica é presencial no Brasil e no mundo. Foi uma situação absolutamente imprevisível, para a qual nem as nações mais ricas estavam preparadas.

A partir de agora, o Brasil, para continuar desenvolvendo o ensino híbrido - que veio para ficar e será parte integrante dos processos de ensino e aprendizagem - deverá investir pesadamente na melhoria da infraestrutura de conectividade das escolas. E esse é um assunto para todos os níveis de governo. O Executivo pode, inclusive, coordenar um grande plano de ação nacional, articulando estados e municípios, para melhorar e impulsionar a conectividade. É possível fazer acordos, parcerias com empresas de telecomunicações e tantas outras maneiras, mas certamente há um caminho que precisa ser trilhado nesse sentido.

As escolas também estão mais preparadas. Muitos estados fizeram um trabalho muito bem feito nesse sentido, como, por exemplo, o Ceará, São Paulo, Paraná, Santa Catarina. Outros, contudo, não conseguiram fazer. Na Bahia, 17 municípios cancelaram o ano de 2020 porque não ofereceram nenhum tipo de atividade remota. É importante lembrar que esse não é o caso da rede estadual de SP, do PR, de SC, de PE ou do CE. Há várias situações, algumas avançaram mais, outras, menos.

Agora é o momento de todas as redes se prepararem para enfrentar o ano, que continua difícil, e que vai demandar atividades remotas e ensino híbrido. Certamente, as escolas não voltarão com todos os alunos presencialmente todos os dias. Terão turmas alternadas, grupos remotos, outros presenciais.

Quais são os outros desafios da educação este ano?

Maria Helena Guimarães de Castro: Não há dúvida: a pandemia acentuou e aprofundou as desigualdades na educação. O grande desafio de todas as escolas agora é enfrentar essa situação com bons instrumentos de avaliação diagnóstica e estratégias de aprendizagem. Em muitos lugares, por exemplo, será necessário até ampliar a carga horária.

E, embora esse aprofundamento das desigualdades seja concreto, não sabemos, ainda, o tamanho desse aumento. Só será possível compreender melhor esse cenário mediante avaliação diagnóstica bem feita, e isso deve acontecer, provavelmente, no segundo semestre de 2021, quando houver aplicação do Saeb.

Precisamos, agora, investir fortemente na capacitação e formação de professores, nas avaliações diagnósticas e na recuperação da aprendizagem. Também é preciso realizar um trabalho voltado às habilidades socioemocionais para alunos que foram muito afetados pela pandemia. Há jovens que foram especialmente afetados. E é preciso que essas questões sejam superadas, para que esses estudantes não abandonem as escolas, mas acreditem que vão conseguir superar dificuldades e, mais para a frente, serão promovidos.

Isso tudo não significa, contudo, que não teremos perdas de aprendizagens. Os Estados Unidos falam em 30% de perda de aprendizagem. Outros países da OCDE citam uma perda de 40%. Precisamos entender que se trata de uma situação pior do que uma guerra. Países que já enfrentaram uma guerra sabem como enfrentar essa grande catástrofe. Sabemos que essa grande catástrofe deverá ser superada por meio de muitas atividades e, nesse sentido, a educação ocupa um lugar central.

Em sua perspectiva, ao longo da pandemia, o Brasil, como um todo, não apenas a União, considerou a educação como atividade essencial? Deu a ela a importância devida?

Maria Helena Guimarães de Castro: Em março do ano passado, todas as escolas fecharam. Em abril, tínhamos quase 2 bilhões de estudantes fora da escola no mundo todo. Os países começaram a voltar às aulas gradativamente. Nosso grande erro foi a demora em retomar as aulas. Aprovamos o 1º parecer do CNE em maio de 2020, o 2º, em julho, com a expectativa de que todos voltassem as aulas já em agosto, e havia clara orientação sobre reorganização do calendário, sobre como computar atividades remotas. Todas essas orientações foram feitas pelo CNE em conjunto com conselhos estaduais e municipais.

Alguns sistemas de ensino voltaram às aulas em outubro. Enquanto muitos outros, não. É realmente absurdo que, em algumas situações, alunos ficaram um ano sem aula. Há apenas um país que cancelou o ano de 2020, que foi a Bolívia. Mas a maioria dos países desenvolvidos voltou às aulas já em setembro. Aqui no Brasil, muitos não voltaram e isso, na minha perspectiva, é um erro, porque gera uma maior perda de aprendizagem para os alunos.

Espero que agora todos retomem as atividades presenciais, mesmo sabendo que vamos continuar convivendo com atividades remotas, turmas pequenas para evitar aglomeração, alunos com máscara, respeitando os cuidados sanitários. Eu sou absolutamente a favor da volta às aulas no estado de São Paulo.

É da alçada do CNE fazer mais alguma coisa pelo retorno das aulas? E o que cabe ao CNE, neste sentido?

Maria Helena Guimarães de Castro: Não. O Conselho já fez tudo que era possível. Agora, está nas mãos dos estados e municípios e dos sistemas de ensino a decisão de retorno das aulas, de acordo com a orientação das autoridades sanitárias. Não há mais o que o CNE possa fazer. O que podemos, contudo, é realizar um debate sobre o ensino híbrido na retomada das aulas e apoio ao replanejamento curricular. Pretendemos fazer isso na sessão plenária de fevereiro.

Como recuperar ou amenizar os prejuízos que a pandemia causou à educação? Como lidar com os gargalos?

Maria Helena Guimarães de Castro: O mais importante é a recuperação da aprendizagem a partir de uma avaliação diagnóstica. É o primeiro passo. Precisamos identificar os problemas, oferecer recuperação da aprendizagem, uma vez que os alunos têm diferentes ritmos de aprendizagem, há uns com mais facilidade e outros, menos.

A partir dessa recuperação, a escola deve se reorganizar do ponto de vista do currículo e fazer avaliações formativas, processuais ao longo do ano, acompanhar cada aluno, envolver famílias, conversar com os pais, fazer bom trabalho de formação continuada com professores. Só assim conseguiremos chegar ao final de 2021 numa situação melhor, com aprendizados assegurados. Mas, de fato, acredito que só vamos conseguir superar esses gargalos no final de 2022.

Mas precisaremos esperar pelo Saeb para fazer essa avaliação diagnóstica? Estados e municípios não possuem suas próprias ferramentas para isso?

Maria Helena Guimarães de Castro: Vários estados estão aplicando suas avaliações diagnósticas agora, já em janeiro. Mas uma avaliação nacional só será feita no fim do ano. Não há como o Inep aplicar agora, até porque isso dependeria de uma série de coisas, como a elaboração de provas e preparação por parte das escolas, que nem retornaram às aulas.

Para muitos interlocutores, o CNE acabou sendo mais protagonista do que o MEC em 2020. A pasta foi acusada de omissão, de não gerir uma estratégia nacional de combate aos reflexos da pandemia na educação. Na sua perspectiva, faltou articulação do MEC com o próprio CNE? Quer dizer, havia muito mais coisas que poderiam ter sido feitas no âmbito da educação?

Maria Helena Guimarães de Castro: Acho importante que o MEC tenha um papel de coordenação dessas ações. Percebo que, agora, a equipe da Secretaria de Educação Básica (SEB) está procurando fazer uma articulação com estados e municípios. A troca de equipe no ano passado acertou o protagonismo do MEC, com certeza.

Acredito que o ministério está fazendo um esforço no sentido de coordenar essas ações. Isso é importante e é o que a Constituição prevê, ou seja, que o MEC tenha papel de coordenação das políticas nacionais, respeitando autonomia dos entes locais.

Sobre a continuação da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do novo ensino médio neste ano, qual é a sua perspectiva, professora? Isso deve se dar como o esperado? Será possível implementar e revisar dentro do tempo previsto?

Maria Helena Guimarães de Castro: Três estados brasileiros já aprovaram seus currículos, 17 estão em finalização e 5 em consulta pública. A previsão é que até abril todas as unidades tenham seus currículos de Ensino Médio aprovados e alinhados à BNCC. Cada estado precisa elaborar, escrever, preparar, aprovar e discutir sua proposta curricular. São Paulo, por exemplo, já começa a implementar agora. Espírito Santo prevê início da implementação também em 2021. E, a partir de 2022, todos os estados brasileiros deverão iniciar a implementação do novo Ensino Médio.

Há, também, um esforço no sentido de o Inep apresentar um cronograma do novo Enem, que deverá acontecer em 2024. Um novo Enem que conte com uma etapa obrigatória para todos, uma segunda etapa com itinerários formativos e eletivas. Isso deve acontecer em 2024, por isso o Inep precisa preparar as matrizes de avaliação do novo Enem, a fim de que escolas tenham mais segurança na implementação do novo Ensino Médio.

Sobre a revisão da BNCC dos anos iniciais, a senhora acredita que isso deve ocorrer dentro do tempo esperado? A pandemia pode interferir na data prevista para isso acontecer, isso é, a previsão legal é de revisão após cinco anos da implementação. Neste caso, 2025?

Maria Helena Guimarães de Castro: Acredito que isso já está ocorrendo. Anos iniciais e finais já estão começando. Muitos estados e municípios já começaram em 2020, e 2021 é realmente o ano de implementação da BNCC da educação infantil. O livro didático alinhado à base já chegou nas escolas. O MEC vai comprar agora materiais do PNLD do ensino médio. Estou otimista de que haverá um forte empenho das redes para preparar professores e para dar continuidade à implementação da base. Isso foi prejudicado em 2020, mas deve começar pra valer nesse ano de 2021.

2022 é o último ano que todos estados deverão implementar a BNCC do novo ensino médio. Dos anos iniciais e finais, é 2021. A revisão só será feita cinco anos após a implementação. Só pode acontecer em 2025, porque a base foi aprovada em 2017, lá está que a revisão seria após cinco após o início da implementação. Em 2018 e 2019, foram anos de formação continuada e elaboração dos currículos, e aprovação pelos conselhos. Todos os estados e municípios aprovaram seus currículos de educação infantil anos iniciais e finais.

Em 2021, é o ano de início da implementação da BNCC da educação infantil anos iniciais e finais. Em 2022, é ano de início da implementação do novo ensino médio. Não dá pra falar em revisão da BNCC antes de cinco anos da sua implementação, como está previsto em documento aprovado e homologado na norma nacional, que rege a BNCC, que é fruto de discussão de quatro anos, que ouviu toda a sociedade brasileira, inúmeras audiências públicas, recebeu todas as críticas, sugestões, e aprovou por um voto contrário a BNCC em 2017.

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