O número de zeros na prova de Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) cresceu cinco vezes em 2014, no comparativo com 2013. Ao todo, 529.374 candidatos tiveram a prova anulada ou a entregaram em branco, contra 106.742 do ano anterior. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, as causas seriam o aumento do número de candidatos (o que eleva o número de zeros), falta de leitura dos participantes, maior rigor da banca que corrige as provas, um tema menos conhecido do que o do ano anterior e um retrato mais fiel da má qualidade do ensino no país.
A surpresa é que de um ano para o outro o exame teve 22% a mais de inscritos, enquanto as provas com nota zero aumentaram em 500%. Essa discrepância revelaria um retrato mais fiel da precariedade da educação no país, além da mudança do perfil do próprio exame nos últimos anos, avalia a professora do Unibrasil e especialista em aprendizagem Wanda Camargo. Nos grandes centros a adesão ao Enem foi alta desde o começo e agora a maior participação de alunos de lugares menores tem exposto mais as deficiências do ensino.
Contraditoriamente, a prova cresce na medida em que deixa de lado seu caráter inicial de avaliação do Ensino Médio e torna-se um substituto do vestibular, opina o professor Wellington Wella, do Colégio Positivo. Porta de entrada para as vagas do Sistema de Seleção Unificado (Sisu) e bolsas do Programa Universidade Para Todos (Prouni), o Enem é cada vez mais uma opção para quem busca ingresso na universidade.
Um maior rigor por parte dos corretores também pode explicar a queda nas notas, para Wella. Ainda mais depois do escândalo que foram os textos com a receita de miojo e o hino do Palmeiras. Em ambos casos, ocorridos em 2012 e amplamente divulgados pela mídia, os alunos tiveram nota superior a 500.
Para o ministro da educação, Cid Gomes, o problema foi da temática. Publicidade infantil "não teve um grau de discussão nacional como o tema de 2013", quando alunos escreveram sobre a implantação da Lei Seca no Brasil, argumentou durante a coletiva em que divulgou os dados, na última terça-feira. O diretor educacional do grupo Marista, Flavio Sandi, concorda em parte. Como muitos alunos estudam decorando argumentos para cada assunto, ao se deparar com um tema menos provável desistem de escrever. E a nota cai.
Esse fenômeno demonstra que a própria estrutura da redação dissertativa argumentativa não foi compreendida, na avaliação do professor de língua portuguesa Elinton Lourenço, do Colégio Opet. "O candidato deve apresentar e defender uma ideia, um ponto de vista, uma opinião a respeito de um tema, estruturando-se em proposição, argumentação e conclusão". Mesmo quem nunca teve contato com o assunto teria de ser capaz de elaborar uma opinião a partir de seu conhecimento de mundo e das informações do enunciado.
Quanto ao pano de fundo para a dificuldade com a escrita, os professores são unânimes. Falta leitura. Livros, jornais, variedades, tudo ajuda na hora de compor um repertório.
Aluno do 2.º ano em Curitiba faz a prova para treinar e tira nota 1.000
O curitibano Matheus Arzua se inscreveu no Enem 2014 de olho em uma vaga na faculdade de Direito. Matriculado no 2º ano do Ensino Médio, só queria treinar. Na resultado final, a surpresa: ele foi um dos 250 brasileiros a tirar nota 1.000, a pontuação máxima.
Matheus conta que tira três a quatros hora do dia para revisar os conteúdos trabalhados em sala de aula, no Colégio Positivo. Nas horas vagas, divide-se entre o videogame e os livros ele é fã de Sir Arthur Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes. "Acho que o importante é você se informar de tudo que aconteceu no ano da prova, pesquisar os temas que polemizaram."
Deu certo. Ele foi atrás de debates sobre a publicidade infantil ainda no início do ano, quando o criador da Turma da Mônica, Maurício de Souza, deu uma declaração sobre o tema. "Citei que a Inglaterra proíbe personagens famosos nas propagandas, para não influenciar as crianças", conta.
No fim do texto, defendeu que a criança tem o direito de consumir, mas "a publicidade deve ser controlada, porque eles ainda não estão completamente formados, e podem ser influenciados."