Se você fez um curso básico de Psicologia, provavelmente teve que participar de algum experimento para cumprir o currículo do curso ou conseguir créditos extras. Os alunos são os principais objetos das pesquisas das ciências sociais – às vezes jogando jogos, preenchendo questionários, examinando imagens ou mesmo fornecendo dados para pesquisas de seus professores sobre comportamento humano, cognição e percepção.
Mas quem decide se o protocolo do experimento – o que precisa ser feito e revelado – é adequado e ético? Essa pergunta vem agitando a comunidade acadêmica dos Estados Unidos desde que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos para a Proteção da Pesquisa Humana revisou suas regras, em janeiro.
Essa revisão isenta estudos que envolvam "intervenções comportamentais benignas", ou seja, boa notícia para economistas, psicólogos e sociólogos, que há muito tempo se queixam de que não precisam de tanto escrutínio quanto, digamos, um pesquisador da área médica.
A mudança recebeu pouca atenção até que um artigo de opinião no periódico The Chronicle of Higher Education de março se espalhou. Seus autores, um professor de Desenvolvimento Humano e um professor de Psicologia, interpretaram a revisão como uma licença para conduzir pesquisas sem submetê-las à aprovação de um Conselho de Revisão Institucional (IRB, na sigla em inglês). Ou seja: os pesquisadores da área das ciências sociais devem ser capazes de decidir sozinhos se seus estudos são prejudiciais ou não aos seres humanos.
A Política Federal para a Proteção dos Seres Humanos (conhecida como Lei Comum) foi publicada em 1991, depois de uma longa história de exploração de pessoas em pesquisas financiadas pelo governo federal – como, por exemplo, o estudo de sífilis de Tuskegee (quando homens negros com a doença foram deliberadamente deixados sem tratamento) e uma série de experimentos com radiação que ocorreram ao longo de três décadas após a Segunda Guerra Mundial.
"Um dos problemas com os regulamentos é que nem todo caso é difícil e precisa ir para um IRB", disse Zachary Schrag, professor de História na Universidade George Mason e autor de "Ethical Imperialism".
"Como, por exemplo, experiências de economia comportamental – quando damos chocolate para as pessoas para descobrir o quanto é difícil deixar de comê-lo ou até que ponto iriam para obtê-lo."
Entre acadêmicos da mesma linha de pensamento, havia muitos tuítes falando sobre o fim do que consideravam um excesso de preciosismo da IRB e dos atrasos para aprovar estudos.
O problema é que o Escritório de Proteção da Pesquisa Humana, em sua revisão do regulamento, não especificou exatamente quem vai determinar o que é ou não é uma intervenção comportamental benigna. Embora haja a sugestão de que alguém que não seja o pesquisador deva tomar essa decisão, isso não é obrigatório.
"Os pesquisadores tendem a subestimar o risco das atividades com as quais se sentem confortáveis, particularmente quando conduzir experimentos e publicar os resultados é fundamental para o avanço de suas carreiras", disse Tracy Arwood, vice-presidente assistente de conformidade de pesquisa na Universidade Clemson.
Uma revisão anterior da Lei Comum, que gerou mais de 2.100 comentários, pediu uma ferramenta de decisão on-line que os pesquisadores poderiam usar para determinar se sua pesquisa estaria isenta. Porém, o tal instrumento, que muitos acreditavam deixar grande parte da decisão ao julgamento pessoal do pesquisador, não entrou na regra final.
Um dos que defendem a diminuição do papel das IRB é Richard Nisbett, professor de Psicologia da Universidade de Michigan e coautor do texto de opinião no Chronicle of Higher Education.
"Os pesquisadores das ciências sociais são perfeitamente capazes de fazer suas próprias determinações sobre o dano potencial de seus protocolos de pesquisa. Uma intervenção comportamental é benigna se for o tipo de coisa que ocorre na vida cotidiana", explicou ele.
"Posso perguntar quanto você ganha ou detalhes de sua vida sexual e você pode me responder, ou não. Então, um sociólogo ou um psicólogo também podem fazer essas perguntas", disse Nisbett.
"Não existe essa de perguntas razoáveis que precisam ser analisadas por um IRB, porque alguém pode dizer: 'dane-se'."
"Na minha pesquisa, por exemplo, mostro um aquário com peixes às pessoas e lhes pergunto o que veem. Longe de ser algo traumático", ironiza.
Mas objetos de pesquisas, muitos deles estudantes, podem achar que não conseguem recusar o experimento de um professor. Vale lembrar o estudo de Milgram em Yale, no qual os objetos, visivelmente perturbados, obedeceram às ordens de administrar o que pensavam ser choques elétricos a atores que gritavam.
Dez anos depois, na década de 1970, houve o experimento da prisão, em Stanford, no qual a divisão arbitraria de alunos entre prisioneiros ou guardas rapidamente gerou o tipo de crueldade no estilo "O Senhor das Moscas".
E houve a pesquisa que envolveu humilhar e atormentar emocionalmente 22 alunos de graduação da Universidade de Harvard durante três anos, que começou em 1959. (Um desses alunos era o jovem Ted Kaczynski, que mais tarde se tornou o "Unabomber".)
Nisbett rebateu dizendo que esses exemplos eram desvios da regra. E, no caso do estudo de Milgram, ele disse: "Acho que deveria ser aprovado, mesmo que as pessoas soubessem que poderiam causar dor psíquica substancial a alguns indivíduos, porque o ganho de conhecimento é precioso".
Administradores de IRB disseram que basta um estudo ruim para arruinar a reputação, as finanças e a elegibilidade para financiamento governamental da instituição.
"Há muita coisa em jogo além da avaliação do potencial de risco para os indivíduos. Tentamos operar com a maior flexibilidade possível, mas, institucionalmente, meio que chegamos ao que se encaixa no risco mínimo, e criamos processos de revisão de acordo com isso", disse Rebecca Armstrong, diretora de proteção de sujeitos de pesquisas na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Em muitas universidades, os pesquisadores que acreditam que seus estudos possam representar um risco mínimo para os objetos só precisam obter uma aprovação de um membro do IRB; não têm que apresentar suas propostas para aprovação de todo o conselho, geralmente composto dos colegas, pelo menos um membro da comunidade e às vezes também os alunos.
Em último caso, administradores e membros de conselhos disseram que as novas regras federais americanas são uma base de fiscalização e devem determinar o que é apropriado para suas instituições. Mas estão sentindo cada vez mais pressão de pesquisadores residentes que, como Nisbett, acreditam que as novas regras federais agora permitem uma autorregulação.
"Parece estar havendo uma grande mudança de paradigma, um afastamento do objetivo original do IRB de proteger os seres humanos e a conveniência dos pesquisadores em nome da chamada eficiência. Acho isso muito preocupante", disse Tom George, advogado e bioeticista que faz parte do IRB da Universidade do Texas em Austin.
Porém, nem todos os pesquisadores estão exigindo a redução da fiscalização do IRB. Muitos disseram que ela é importante.
"É um pouco mais trabalhoso e alguns poderiam considerar oneroso, mas ainda acho que é um processo válido porque há perguntas e sugestões que fazem você se sentir mais confiante, sabendo que os objetos estão protegidos", disse Nathaniel Herr, professor assistente de Psicologia na Universidade Americana, que também atua no IRB da escola.
Além disso, acrescentou: "Basta um escândalo para fazer as pessoas duvidarem de todas as pesquisas e não quererem participar, o que prejudicaria todo o campo".