Após três anos de discussão, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve dar seu último passo rumo à homologação nesta semana. A terceira – e última – versão do documento está na pauta do Conselho Nacional de Educação, que se reúne na quarta e na quinta-feira.
Para que a BNCC seja avalizada, é preciso a aprovação de uma maioria simples dos presentes. O CNE é composto por 24 membros.
Prevista no Plano Nacional da Educação e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a BNCC estabelece as competências e habilidades esperadas do aluno em cada série escolar. Escolas públicas e particulares precisam seguir as diretrizes do documento.
Após a apreciação do CNE, o documento seguirá para as mãos do Ministério da Educação (MEC). O órgão federal, por sua vez, decide se homologa ou não a BNCC. O aval para a sua implementação pode ocorrer mesmo se o parecer for rejeitado pelo pleno do CNE. A palavra final vai estar nas mãos do ministro da Educação, Mendonça Filho. A outra opção do ministro é encaminhar a base para uma reanálise do CNE, o que irá atrasar ainda mais sua implementação.
“A votação depende da dinâmica do trabalhos da semana. Segunda e terça-feira temos reunião da comissão. Na quarta e quinta-feira, o pleno do CNE está convocado. Há um esforço de todos os membros para finalizar o quanto antes”, garante Eduardo Deschamps, presidente do CNE.
O texto atual, concluído após milhões de contribuições populares e institucionais, inclui as referências curriculares da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. As diretrizes do Ensino Médio, por conta da recente reforma aprovada pelo Congresso, devem ser apreciadas pelo CNE no início de 2018.
Urgência
Para a deputada federal Professora Dorinha Rezende (DEM-TO), relatora da subcomissão que analisa a BNCC na Câmara, o documento é uma necessidade urgente da comunidade escolar do país, sob pena de punir pedagogicamente uma geração inteira de estudantes . Embora admita que ainda possam ocorrer mudanças no texto, a parlamentar diz que a base já está “bastante madura” para ser aprovada. “Existem algumas arestas a serem aparadas, mas não são alterações de grande proporção”, garante.
Segundo Dorinha, a apreciação da BNCC precisa ganhar velocidade para que o período de implementação - este, sim, um processo mais longo e complexo - possa começar o quanto antes. Pelos cálculos da parlamentar, o documento deve levar cinco anos para estar consolidado em todo Brasil. “São muitas questões a serem modificadas depois da homologação, entre elas a formação dos professores e os livros didáticos do MEC, que precisarão ser refeitos”, exemplifica.
Olavo Nogueira Filho, diretor de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, reconhece que as etapas de construção da versão final foram bastante participativas. Apesar da pluralidade na sua composição, a BNCC, de acordo com Nogueira, não irá agradar a todos. “Não vamos conseguir fazer uma base que contemple a todas as vertentes da discussão escolar. Não haverá uma base ideal”, assinala. Ele diz que o processo de implementação da base já prevê alguns momentos de revisão do texto. Em até dez anos, o documento deve ser revisitado para sofrer adequações, como ocorre em países que já adotam uma base curricular há mais anos, casos de Inglaterra, Finlândia e Austrália.
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Na visão do Todos Pela Educação, a parte mais desafiadora será, de fato, a fase de implementação da BNCC nas redes escolares. O impacto do documento será sentido em diversas escalas, desde a mudança nos livros didáticos fornecidos pelo MEC até a adequação dos conteúdos que caem no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que deverão ter a BNCC como parâmetro. Para Nogueira, porém, o mais importante será o novo modelo de formação dos professores.
“No fim das contas, o dia a dia da escola está na sala de aula, no professor. Se não formos capazes de darmos as condições para que o professor implemente a base, isso inclui a atratividade da carreira docente, o impacto da base vai ser diminuído”. A Lei de Diretrizes e Bases (LBD) preconiza a gestão compartilhada da formação dos professores entre federação, Estado e município. Mas vai recair sobre o governo estadual a primeira fase deste processo considerado chave, já que a mudança irá partir dos professores que já estão na ativa.
O secretário de Educação da Paraíba, Alessio Trindade, considera quase impossível a base começar sua fase de implementação no próximo ano. Trindade acredita que a BNCC será tema debate eleitoral presidencial e, por isso, não descarta mais mudanças. “Na Paraíba não vejo chance de implementar em 2018, já estamos em processo de organização do próximo ano letivo”, descarta. Ele vê o ano de 2020 como mais possível para a largada oficial da BNCC.
Pontos polêmicos ainda sem consenso
Na última safra de contribuições recebidas, o CNE acolheu 235 observações. A manutenção ou retirada do Ensino Religioso (ER) nas escolas foi a recordista de menções. Foram 38 considerações recebidas pelo CNE sobre o tema. A maior parte pede a manutenção da disciplina no currículo do Ensino Básico, mesmo que de forma opcional.
O MEC retirou o ER da última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas já se pronunciou publicamente recuando da decisão. O julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, que considerou constitucional a oferta da disciplina nas escolas, mantendo a matrícula facultativa, aumentou a pressão por parte de entidades religiosas a favor da volta do assunto para a BNCC.
“O CNE tem uma comissão do Ensino Religioso há sete anos. É um trabalho de muitas mãos. Nosso primeiro entendimento era de que não deveria constar [no texto], cada sistema deveria regulamentar o Ensino Religioso, isso é muito claro na LDB. Mas dentro das discussões do CNE e do MEC, revisando sobre tudo que ouvimos, vamos atender a essa demanda”, explica Rossieli da Silva, secretário de Educação Básica do MEC.
Em ofício enviado para o CNE em março deste ano, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) demonstra seu descontentamento com a retirada do ER da terceira versão da BNCC. No documento de três páginas, a CNBB argumenta que o tema está previsto na Constituição e presente em uma resolução da CNE de 2010, que trata das diretrizes curriculares para a Educação Básica. O texto da normativa do CNE diz que o ER, de matrícula facultativa, “é parte da formação básica do cidadão”.
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“A permanência da disciplina Ensino Religioso no texto da Base Nacional Comum Curricular é exigência preconizada em lei de natureza constitucional e leis regulamentares da matéria, e dela não poderão proceder as legislações infraconstitucionais em âmbitos federal, estaduais e municipais”, afirma a CNBB, que conclui no mesmo ofício: “A omissão do Ensino Religioso, na 3ª versão do documento, revela a sua inconstitucionalidade. Por isso, julgamos necessário mantê-lo no texto final da referida Base Nacional Curricular Comum, a fim de evitar diferentes interpretações que dificultam a sua regulamentação e prática”.
Integrantes de um grupo de pesquisa de Ciências Humanas da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) também enviaram considerações a favor da inclusão do ER na última versão da base. Para eles, o tema esteve presente durante todo o processo de elaboração da primeira e segunda versão da BNCC e que sua taxa de aceitação passou dos 93%. A Coordenação da área Ciências da Religião e Teologia do CAPES também se manifestou de forma semelhante. Das considerações recebidas pelo CNE, é quase unânime a manifestação a favor da manutenção do ER na base.
Na versão mais atual da BNCC disponibilizada pelo MEC, o ER ainda não aparece no texto. A inclusão, no entanto, está no pacote de sugestões do CNE e deverá ser posto no parecer que será votado até a próxima quinta-feira (6).
Menções a "gênero" dividem opiniões
A incorporação da ideologia de gênero e orientação sexual como parte do currículo nacional também foi uma das protagonistas do debate em torno da BNCC. “Esta questão chegou a desviar o foco do debate, que é a BNCC, e não a questão de gênero”, salienta Nogueira, do Todos Pela Educação.
Com 22 contribuições a respeito do tema - sem contar o que foi discutido nas cinco audiências realizadas em diferentes cidades ao longo deste ano - a questão recebeu uma roupagem científica nos documentos enviados por algumas entidades. Assinado por 12 médicos, o documento que chegou ao CNE em agosto deste ano expõe uma série de argumentos baseados em pesquisas internacionais para defender a retirada da ideologia de gênero do texto.
O grupo de médicos considera arriscada a colocação do termo no currículo por conta da falta de comprovação científica. Eles rebatem dois pontos que vêm ganhando força em alguns segmentos da educação. O entendimento de que “Homem e mulher são construções sociais e culturais, logo não existem” e de que “Os seres humanos, ao nascerem, são páginas em branco, cujos dados são preenchidos pela sociedade”.
“O que procuramos mostrar é que ideologia de gênero não tem ainda a força da certeza, da evidência, para que seja ensinada a nível nacional para crianças das escolas da rede pública e privada. Pedimos encarecidamente que não façam da nossa educação um experimento científico que falta na busca dessa certeza. Nossas escolas não são laboratórios, nossas crianças não são cobaias”, conclui o documento.
Já a Aliança Nacional LGBTI, em ofício enviado em abril deste ano, reluta contra a retirada dos termos identidade de gênero e orientação sexual. O grupo alega que a exclusão destes assuntos poderia gerar uma onda ainda maior de preconceito, respaldada pela desinformação quanto ao significado reais dos termos. No ofício, a Aliança faz citações de uma obra de referência internacional ratificada pelo Brasil, chamada “Princípios de Yogyakarta”, que trata da aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
No documento, a entidade apresenta uma série de pesquisas sobre a violência sofrida pelos estudantes brasileiros nas escolas. De acordo com a Aliança, 73% dos estudantes LGBT foram agredidos verbalmente e 36% foram agredidos fisicamente; 60% se sentem inseguros na escola por serem LGBT. Segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, em 2012, houve 9.982 denúncias de violações dos direitos humanos de pessoas LGBT, bem como pelo menos 310 homicídios de LGBT no país.
Outro documento que converge com a opinião da Aliança Nacional LGBTI é a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, lançada no ano passado. O relatório apresenta uma série de análises e resultados de pesquisas virtuais realizadas com adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. O documento relata as experiências que estes jovens tiveram nas instituições educacionais relacionadas a sua orientação sexual e identidade de gênero.
Para a deputada Dorinha Rezende, não há menções de cunho ideológico na última versão do documento. “O assunto entra como um conteúdo didático, e não ideológico”, afirma. Nogueira, do Todos pela Educação, lamenta o fato de que essa discussão tenha tomado uma proporção maior do que a própria BNCC. “Nossa crença é de que é um debate que está na sociedade e a escola precisa levar isso para a educação. O debate gira em torno da forma como isso é colocado. É um tema presente na sociedade, portanto, é fundamental estar presente na sala de aula”, diz.
De acordo com o secretário da Educação Básica do MEC, a educação é um ambiente de acolhimento a todos, portanto, deve respeitar todas as diferenças. “Esse é o espírito da base, estamos seguindo todas as diretrizes e protocolos do Brasil. Não há discussão de mudança a isso porque nós não entendemos que tinha ideologia de gênero no texto. O que tem é respeito a todos. A base trata de aprendizagens essenciais, valores e atitudes que o aluno deve aprender”, explica.
Na última versão da BNCC, as menções à questão de gênero aparecem de forma mais sutil em conteúdos das disciplinas de Artes, Educação Física, História, Geografia e Ciências.
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