Na abertura do ano legislativo, uma nova proposta do projeto de lei “Escola sem Partido” foi protocolada na Câmara dos Deputados. Embora grande parte do texto continue semelhante, algumas mudanças significativas foram notadas. O documento atual, por exemplo, assegura aos alunos o direito de gravar as aulas e veda aos grêmios estudantis a promoção de atividade político-partidária.
Leia também: Existe Escola sem Partido em outros países? Conheça casos polêmicos
À Gazeta do Povo, Beatriz Kicis (PRP), deputada que protocolou o novo projeto ESP, e Miguel Nagib, advogado e fundador do movimento, contam quais são os objetivos com as mudanças. Para Beatriz, agora, sim, estão “começando a dificultar a vida dos doutrinadores”.
Leia a entrevista:
Depois de seguidas tentativas para votar o “Escola sem Partido”, o PL acabou sendo arquivado em 2018. Na época, o então deputado Marcos Rogério (DEM), presidente da comissão, atribuiu o que chamou de “sepultamento” do ESP aos próprios apoiadores da proposta. Você acha que esse ano será diferente?
Beatriz: Na verdade, isso ocorreu porque a esquerda, como estava mais organizada, conseguiu obstruir. Mas o projeto tinha, sim, votos suficientes para ser aprovado na comissão. Agora temos um congresso novo, bem mais conservador, com quase 50% de renovação. Acredito que temos muito mais chance de fazer o ESP passar.
Embora grande parte do texto do projeto continue semelhante, algumas mudanças significativas podem ser notadas. Uma delas é a questão de que o aluno poderia gravar as aulas. O documento, porém, não especifica que tipo de gravação seria, se áudio ou vídeo. Como isso vai funcionar?
Miguel: Da maneira como está redigido, o texto permite tanto o registro de vídeo como de áudio. Para os pais, obviamente, o mais importante é o registro fonográfico. Só assim eles poderão aferir a qualidade do serviço que está sendo prestado pela escola, o que é um direito deles, considerando que a CF assegura “garantia de padrão de qualidade” do ensino.
Na educação básica, o estudante, normalmente, não tem maturidade para aferir a qualidade do serviço prestado pela escola. Pelo contrário: para o aluno que não gosta de estudar, quanto pior o serviço, melhor, menos ele tem de estudar. Isso acontece muito: é o pacto da malandragem entre o mau professor e o aluno médio. Por isso, é muito importante que os pais possam acompanhar, tão de perto quanto possível, o processo pedagógico vivenciado por seus filhos, o que é um direito reconhecido também pelo ECA.
Beatriz: Na verdade, esse direito de gravar já existe. Os estudantes que quiseram sempre gravaram. Nas aulas que eu dou, por exemplo, meus alunos gravam e eu nunca tive o menor problema com isso.
É importante deixar claro que essa polêmica surgiu porque uma professora, que hoje é deputada em Santa Catarina, conclamou os estudantes a gravar os professores que estavam fazendo doutrinação em sala de aula. Imediatamente houve uma reação a isso, e os professores começaram a dizer que não aceitavam que gravassem as aulas. Quem reclama disso são os professores que querem abusar em sala de aula, querem poder falar o que bem entendem. Esses aí têm que ser incomodados mesmo, eles têm que ser coibidos de molestar as crianças.
Se um professor começar a molestar, causar problema, infringir a lei, o estudante pode ligar o modo vídeo. Se o professor chega na sala de aula vestindo uma camiseta do Che Guevara, por exemplo, é claro que o aluno pode filmar. Por que um professor tem que dar aula usando uma roupa assim? Se um estudante colocar uma camisa do Bolsonaro em sala, ele é expulso, porque é a parte mais frágil. Todo mundo tem o direito de se proteger em um caso desses, o código penal prevê isso também. Ao ver alguém em flagrante delito, você pode, inclusive, dar voz de prisão, só que o brasileiro não é acostumado a fazer isso.
Utilizar o celular em sala de aula não poderia prejudicar o aluno, distraí-lo, de alguma forma, e fazer com que ele fique mais preocupado em fiscalizar o professor do que reter o conteúdo ministrado?
Beatriz: O ESP não quer, e não prega, que os alunos saiam usando celular em sala de aula para perturbar o andamento da classe. Claro que não. Tem que ter disciplina, não é para ele ficar se distraindo, é para ligar o modo gravador. Não queremos radicalizar, queremos proteger as crianças dos abusos, essa é a verdade.
Leia também: Escola Sem Partido: quando a polarização política chega às escolas
Miguel: Há muita confusão sobre isso, o que ocorre, em parte, pelo fato de hoje as gravações serem feitas por meio de telefone celulares, e existem leis que proíbem o uso desses aparelhos em sala de aula. É evidente, no entanto, que essas proibições só se justificam por motivos pedagógicos, ou seja, para que o aluno não fique conversando ao telefone durante a aula. Não faz sentido proibir o aluno de usar o celular na função gravador, para que ele possa, em casa, quando for estudar, ouvir novamente as explicações do professor. O ideal seria que as próprias escolas fizessem essa gravação e disponibilizassem para os alunos. Mas, se isso não acontece, a escola deve assegurar aos alunos o direito de gravar as aulas.
Também houve alteração do texto em relação à abordagem de gênero. Você poderia nos explicar o motivo?
Miguel: O sentido é o mesmo: tem que respeitar o direito do aluno à intimidade. Não tem cabimento, por exemplo, uma professora entrar em uma sala de aula do 5º ano com um pênis de borracha de 15 cm, para ensinar crianças que estão em fases desiguais de desenvolvimento psicológico e amadurecimento sexual, a colocar camisinha. Isso é um desrespeito.
Especificamente no que tange às questões de gênero, o texto apenas salienta que o poder público não pode permitir uma abordagem ideológica dessas questões. Se as autoridades responsáveis pela definição dos conteúdos curriculares entenderem que isso é necessário (ter um tópico “questões de gênero”), isso tem de ser abordado do ponto de vista científico. Sem proselitismo e sem dogmatismo. De todo modo, é importante deixar claro que o projeto não impõe a abordagem desse conteúdo.
O documento também diz “É vedada aos grêmios estudantis a promoção de atividade político-partidária”.
Miguel: Existe uma lei de 1985 que disciplina o funcionamento dos grêmios estudantis. Ela assegura aos estudantes do ensino fundamental e médio o direito de se organizar como entidades autônomas, representativas dos interesses dos estudantes secundaristas, com finalidades educacionais, culturais, cívicas, esportivas e sociais. No entanto, ela não fala nada de atividades político-partidárias. Nós apenas queremos deixar claro que é permitido tudo o que está na lei, e esse tipo de atividade, especificamente, não está. Nós achamos importante impedir que esses grêmios sejam usados como um instrumento de ação política, de partidos e sindicatos dentro das escolas, como vem acontecendo hoje.
É importante salientar que o ESP não está criando nenhuma obrigação nova e nenhum novo direito para ninguém. Tudo aquilo que está escrito no projeto já está na Constituição Federal e nas leis brasileiras. O que fazemos é expressar, em uma linguagem mais simples e menos técnica, aquilo que já está garantido.
A proposta do ESP ainda alcança escolas públicas e privadas, certo?
Miguel: Se aplica às escolas particulares naquilo que a escola presta serviço público. As instituições particulares, especialmente as confessionais, prestam um duplo serviço. Primeiro, o serviço educacional, de natureza pública e, por causa disso, são autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo poder público. Mas elas também prestam serviço de caráter particular, auxiliando os pais na educação religiosa e moral dos seus filhos. Existe um contrato, e é aí que isso vai ficar estabelecido. Nessa parte, o estado não tem de se ‘meter’ (a menos que haja uma violação à ordem pública ou aos interesses da criança e do adolescente).
Beatriz: As regras são as mesmas. A diferença, por exemplo, é que se um diretor de escola particular quiser colocar um cartaz no colégio amanhã, ele já pode fazer isso, e ninguém pode reclamar, independente da lei. Se a instituição segue o princípio do movimento, ela coloca o que quiser, pois tem mais liberdade.
Você acha que, de alguma forma, professores que não têm intuito de doutrinar os alunos podem acabar sofrendo injustiças? Uma situação hipotética: o docente pode, por exemplo, falar sobre darwinismo e ser acusado de pregar ateísmo, ou dizer que a espécie humana sobreviveu graças à reprodução gerada pelas relações heterossexuais e ser acusado de homofobia. Como eles vão lidar com isso?
Beatriz: Alguns professores levam pra esse lado de querer se proteger, porque o escola sem partido não propaga nada disso do que ele está falando. O ESP acha que o professor não pode ensinar criacionismo, ele tem que ensinar aquilo que a ciência entende como sendo científico. Jamais, em uma aula de biologia, alguém vai poder reclamar que o professor está ensinando sobre darwinismo. Isso é um absurdo.
Mas muitos docentes não querem o ESP porque querem ficar a vontade pra falar o que quiserem. A verdade, porém, é que até o estatuto do servidor público não permite que ele faça o que bem entender no seu ambiente de trabalho. Ele tem que cumprir regras, e é, por exemplo, impedido de manifestar apreço ou desapreço por alguém. Professor têm que cumprir a lei. E sala de aula não é terreno sem lei.
No dia 30 de janeiro, o Ministério Público do Paraná emitiu uma nota em repúdio ao ESP. Isso, de alguma maneira, intimida o movimento?
Miguel: Eu vejo isso como um escândalo, pois caberia ao MP, justamente, promover a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes que estão sendo vítimas de doutrinação [política e ideológica] em sala de aula. Mas o MP não só não atua no sentido de coibir essas práticas ilícitas que notoriamente estão ocorrendo nas escolas de todo o país â e o Paraná não é exceção â, como tenta impedir que a própria sociedade faça isso.
Sob a falsa alegação de que estaria defendendo a liberdade de cátedra dos professores, o MP está acobertando, na prática, a ação dos militantes disfarçados de professores no segredo das salas de aula. Ora, é evidente que a liberdade de cátedra não dá aos professores o direito de fazer propaganda político-partidária em sala de aula; o direito de perseguir alunos que discordam das suas opiniões; o direito de dizer aos filhos dos outros o que é certo ou errado em matéria de religião e moral. Mas é isso o que está acontecendo; é contra isso que nós estamos lutando, e o MP deveria lutar contra isso também. Mas, como eu disse, além de não fazer nada, ele tenta impedir a sociedade de fazer. É uma vergonha.
Leia também: Ceará publica resolução contra o Escola sem Partido
Recentemente, o PSOL protocolou o projeto “Escola sem Mordaça”, de autoria da deputada Talíria Petrone. Como você vê isso?
Beatriz: A esquerda vai chiar, vai estrebuchar, vai fazer gritos de guerra e não vai trazer nenhum argumento. É o que ela fez nos últimos dois anos. Onde é que tem mordaça? Eles não conseguem mostrar onde tem mordaça no ESP.
A única coisa que eles dizem é que o projeto não deixa o professor falar. Ué? A gente quer que o professor fale amplamente de tudo, mas que não imponha sua visão aos alunos. Pode falar de política à vontade, mas que fale os dois lados da história, que não engane as crianças e não tire delas o direito de conhecer a verdade, os dois lados da moeda. Na verdade, quem coloca censura o tempo todo tem sido eles. Essa é apenas mais uma falácia da esquerda. Mas já estamos acostumados.
Você acha que esse ano será mais desafiador nas escolas, ou seja, terá mais denúncias de doutrinação?
Beatriz: Eu acho que a tendência é que não tenha mais, não. Penso que agora, sim, estamos começando a dificultar a vida dos doutrinadores. Antes, as pessoas eram doutrinadas e nem percebiam, elas não tinham noção disso, mas agora elas estão mais atentas.
É impressionante a quantidade de jovens, por todo o Brasil, que apoia o projeto ESP, que faz denúncias. Há muitas pessoas que têm uma luta apaixonada em prol do movimento.