Entrevista
Maria Silvia Bacila Winkeler, professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
A professora explica por que as universidades deixaram de apoiar o uso de cartilhas na alfabetização e fala da relativa eficácia dos métodos atuais.
Por que o método da alfabetização por imagens, como o da cartilha Caminho Suave, deixou de ser divulgado como foi por tanto tempo?
Essa metodologia foi um marco histórico porque mudou a forma de alfabetizar e conseguiu sistematizar uma forma de trabalho com base em pequenas frases. Mas nós não tínhamos a compreensão que temos hoje. Atualmente essas frases são criticadas porque forçam estruturas artificiais, como é o caso de
"Bia é a babá do bebê". Nós não falamos assim no dia a dia, normalmente não usamos frases que começam sempre com a mesma letra. Isso torna esses pequenos textos das cartilhas pobres de sentido.
O que causou essa mudança?
Costuma-se dizer que foi o construtivismo que causou a mudança, mas na verdade o advento do construtivismo acompanhou essa preferência por trabalhar de forma mais reflexiva. Optou-se por entender o universo do letramento a partir do aluno e não do professor. No entanto é importante destacar que as novas formas de alfabetizar não dispensam a necessidade do aluno entender que dentro de uma palavra existe som, mas há outras formas de fazer as crianças compreenderem diferentes textos numa perspectiva muito mais ligada ao modo como realmente se compõe os textos.
Os métodos atuais são mais eficazes?
Sim, mas mesmo com eles você pode acabar caindo em situações de repetição em que não se leva o aluno a pensar. Para uma boa aula é preciso sempre saber o porquê do uso de cada prática. O material didático não é a razão do processo pedagógico. O motivo principal são as aplicações e as construções que se realizam.
Quem tem mais de 20 anos de idade talvez se lembre das atividades dos primeiros anos escolares, nas quais o alfabeto era apresentado pouco a pouco, a começar pelas vogais, com letras sempre acompanhadas por imagens. O método desenvolvido pela educadora Branca Alves de Lima, falecida em 2001, foi predominante nas escolas do país durante meio século, e estima-se que alfabetizou cerca de 30 milhões de brasileiros. Hoje em sua 130.ª edição, a cartilha Caminho Suave, obra que consagrou a alfabetização pela imagem, já não é a unanimidade de décadas passadas, mas continua com vendas volumosas além de ter conquistado nichos bastante variados.A estreia da cartilha no mercado editorial ocorreu em 1948 e em pouco tempo o método se popularizou ao ponto de substituir o chamado método analítico, amplamente difundido pelo Ministério da Educação até 1945. Baseada nas dificuldades enfrentadas para alfabetizar crianças, especialmente as moradoras da zona rual, Branca Alves de Lima criou o sistema que apresentava as letras do alfabeto inseridas como iniciais dos nomes de objetos, animais e outros elementos do cotidiano, como o caso do "A" de avião, ou o "B" de bola. Figuras dos elementos citados estavam sempre ao lado da letra apresentada. Em seguida eram mostradas sílabas, com seus respectivos sons, então palavras e frases.
Segundo a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia Sônia Maria dos Santos, que estuda o papel das cartilhas na história da alfabetização no Brasil, para a época em que foi lançado o método era inovador. "O diferencial foi a associação que a autora fez do processo de aquisição da língua escrita com a imagem, o que era inédito no país." Para a pesquisadora, por mais que os estudos acadêmicos nessa área tenham evoluído, os números de 2010, que mostram a Caminho Suave como a mais vendida das cartilhas na livraria Folha, provam que ainda há uma grande distância entre os estudos teóricos e a prática dos educadores nas escolas.
Novos usos
Há cerca de dez anos a editora Edipro, em um acordo que envolveu o compromisso de não alterar em nada o método, comprou os direitos autorais da Caminho Suave. Desde então, atualizações foram feitas, como o acréscimo das letras K, Y e W e a inclusão de novas ilustrações, mas a essência do sistema criado pela autora permanece intacta nas atividades propostas.
A diretora da Edipro, Maíra Lot Micales, conta com orgulho que foi alfabetizada pela cartilha e revela que a publicação conquistou outros públicos mesmo depois que o MEC deixou de avaliá-la para sugerir livros didáticos baseados no construtivismo. "Vendemos muito para uma geração de avós e pais alfabetizados pela cartilha que a usam como reforço em casa com as crianças", diz Maíra, ao contar sobre a relação emocional que muitos consumidores criaram com a publicação.
Mas a Caminho Suave não parou nos saudosistas. Vendas para professores e bibliotecas ainda formam a maior parte do volume de saídas. Além disso, estrangeiros que querem aprender português e vêm de países com outro tipo de alfabeto, como os japoneses, são compradores frequentes. Pesquisadores da alfabetização de todo o mundo também encomendam o material, como confirmam lotes recentemente enviados para Inglaterra e França.
No Paraná, a Associação Escolar Passos do Saber, da cidade de Rondon, no interior do estado, foi uma das instituições que recentemente encomendaram as cartilhas da Edipro. De acordo com a coordenadora pedagógica Sílvia Nunes de Paula, a escola adotou a cartilha como material de apoio há três anos, depois de encontrar dificuldades em usar os livros atuais. "Recebemos material didático de uma rede conveniada, mas sentimos falta de uma complementação. A cartilha é mais objetiva e tem nos ajudado", diz.
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Interatividade
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