• Carregando...
Imagem: Unsplash.
Imagem: Unsplash.| Foto:

Gostaria de apresentar-lhes um texto meu que foi publicado na coluna do amigo jornalista Paulo Briguet, da Folha de Londrina, em 17 de março. Na época, estava visitando parentes e meu filho Pedro, no interior de Minas Gerais. Comentarei o artigo que publiquei em fevereiro a respeito do excelente desempenho científico da Estônia, pequena nação do Leste Europeu considerada modelo de desenvolvimento econômico. O gasto por artigo na Estônia é 3,2 vezes menor do que no Brasil, apesar de ambos investirem praticamente o mesmo valor em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação ao % do produto interno bruto (PIB).

ESPECIAL: Pesquisa no Brasil: impacto global e estratégias de solução

Por falta de espaço na coluna, não coloquei o valor do dispêndio em P&D em dólares em poder paritário de compra (do inglês PPP), 39,9 bilhões dólares PPP e 501 milhões dólares PPP para Brasil e Estônia, respectivamente. Com esses dados podemos calcular o valor unitário das milhares de publicações de cada país (em 2017): 150 mil dólares PPP para a Estônia e 510 mil dólares PPP para o Brasil. Uma diferença de 3,4 vezes.

E a quantidade de publicações por pesquisador? No caso do Brasil, em 2017, tivemos 0,25 publicação por pesquisador (são 317 mil cientistas no Brasil, de acordo com a Unesco, e 78,3 mil publicações). No caso estoniano, com 7,2 mil cientistas, houve 0,47 publicação por pesquisador. Outro ponto importante é o custo da P&D por pesquisador. No Brasil, sai por 126 mil dólares PPP por ano (em 2016). Para a Estônia, o gasto é 70 mil dólares PPP por cientista por ano. Esses valores não incluem os salários dos professores universitários, grandes motores da ciência e tecnologia (C&T) nacional. Vejamos o artigo (os dados abaixo foram atualizados para a nova versão do ranking da Scimago que foi ao ar em 01 de junho):

“Mostrei, em artigos recentes, que a ciência brasileira, apesar de estar na 14ª posição mundial em quantidade de artigos científicos, amarga uma péssima posição em impacto científico relativo – determinado em citações por publicação(CPP). Uma nação pequena, como a Estônia (com apenas 3.350 publicações em 2017 e CPP = 4,65), apresenta maior impacto relativo do que o poderoso Reino Unido, com 209,6 mil publicações e CPP = 3,74. No ranking CPP da Scimago, de países com pelo menos três mil publicações em 2017, a Estônia ficou em 5º  lugar; e o Reino Unido, em 20º (o 1º lugar coube à Suíça; CPP = 4,92). O Brasil (CPP = 2,25) ficou na lastimável 58ª posição entre 70 países, apesar das 78,3 mil publicações. No ano anterior (2016) o Brasil ficou em 56º lugar entre 67 países.

Os críticos habituais dirão que o problema é a falta de verbas. Por isso, publicamos artigos tão pouco citados. Entretanto, essa visão é distorcida, pois o Brasil e a Estônia apresentaram em 2016 praticamente o mesmo dispêndio em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação ao PIB: 1,27% e 1,28%, respectivamente, de acordo com a Unesco. Apresentei esses dados na imprensa recentemente, em 27/02/2019. Porém, façamos mais contas.

O PIB do Brasil em 2016 foi de 1,79 trilhões de dólares; e o da Estônia, 23,3 bilhões de dólares. Assim, o gasto em P&D de cada país foi de 22,8 bilhões de dólares e 299 milhões de dólares, respectivamente. A relação do gasto total em P&D (em dólares) e o número de publicações em 2016 resultou em 305 mil para o Brasil e 95 mil para a Estônia, uma diferença de 3,2 vezes. Isso não significa que uma publicação brasileira custe 305 mil dólares, pois uma grande parte dos gastos em P&D é direcionada para setores não envolvidos com produção de ciência, como o desenvolvimento de tecnologias. Ademais, há uma grande parcela de publicações brasileiras em revistas nacionais que não aparece no banco de dados da Scimago. A Estônia produz publicações por 1/3 (um terço) do valor brasileiro, duas vezes mais citadas (a diferença de CPP entre os dois países foi de 2,1 vezes em 2016 e 2017).

Nos últimos dias, recebi muitas mensagens deselegantes de pesquisadores brasileiros. Afirmaram que, por causa de meus artigos, os ‘políticos de Brasília’ iriam cortar ainda mais as já parcas verbas da ciência. Faltou pouco para me rotularem de ‘traidor dos cientistas do Brasil’. Esquecem meus críticos que quem paga o custo da ciência, pelo menos grande parte dela, é o povo brasileiro, por meio dos impostos. É inaceitável que o Brasil produza quase 80 mil publicações por ano (em 2017) que apresentam, em média, baixo ou nenhum impacto. O que precisa é reduzir os gastos com as pesquisas sem impacto e direcioná-los para quem faz ciência com impacto e relevância e que gera citações e/ou patentes lucrativas.

Talvez os cientistas e acadêmicos brasileiros precisem publicar menos, porém com mais qualidade, impacto e relevância. Precisamos focar nossa atenção em grandes descobertas ou invenções, caso desejemos sair da 58ª posição mundial de impacto científico. De fato, saímos: em 2018 ficamos na 63ª posição entre 73 países. Alô, Bolsonaro! Há muito trabalho pela frente!”

=============================

Já deixou de ser novidade que a atividade de P&D é muito mais eficiente na Estônia. Mas o que pretendo com os artigos que escrevo? Batalhar por maior (muito maior!) eficiência em nossa atividade de P&D. O Brasil tem uma imensa população de pesquisadores que cresceu muito na era Lula-&-Dilma. Entretanto, nossa comunidade científica publica menos do que a da Estônia (em publicações por pesquisador), possui dispêndios por pesquisador mais elevados e publicações mais caras do que a Estônia. Para piorar, o impacto de nossos artigos é cerca de duas vezes menor do que dos estonianos. Esse é o triste panorama. Triste realidade.

Qual a mágica necessária para que nos aproximemos mais da Estônia e menos de Cuba na ciência? O paraíso castrista consegue a proeza de estar sempre abaixo do Brasil nos rankings de impacto de ciência. Parabéns, socialistas! Bem, como diria Lênin, “o que fazer”? Publicar menos? Focar em produzir menos artigos, mas com mais qualidade? “Produzir” menos doutores por ano e focar na qualificação técnica dos doutorandos? Atualmente, saem do forno no Brasil mais de 20 mil doutores e 50 mil mestres! Em 2008, já havia publicado um artigo em uma revista canadense de Biologia e, por meio de entrevistas com colegas biólogos-pesquisadores, percebi uma queixa recorrente quanto à qualidade dos doutores recém-graduados (Hermes-Lima et al. 2008, Perceptions of Latin American scientists about science and post-graduate education. Comp. Biochem. Physiol. A 151, 263-271). Se a reclamação era grande naquela época, mais dez anos atrás, imagine hoje!

O ponto que desejo tratar aqui não é “louvar” a Estônia como se fosse a Meca da ciência mundial. Mas apontar para sua alternativa de fazer C&T de excelente qualidade e com baixo custo por pesquisador e por artigo. Costumo dizer que, apesar do governo Bolsonaro admirar a atividade de C&T de Israel (que eu também admiro), não considero que os israelenses, nesse aspecto, sejam um exemplo para nós. Isso porque eles gastam 4,2% do PIB em P&D, valor superior ao da Suíça ou dos Estados Unidos (3,3% e 2,7% do PIB, respectivamente). É dinheiro demais! Precisamos encontrar soluções inspiradas em países que invistam de forma semelhante a nós em C&T (de 1,1 a 1,3% do PIB), mas que apresentem grande efetividade científica (medida em CPP), como é o caso da Espanha, da Irlanda, da Itália e da Nova Zelândia (além da Estônia, naturalmente). Prometo em breve dissecar, de forma econométrica, a ciência e tecnologia desses países, comparando-os com o Brasil.

Desde 2007, tenho conhecimento do trio “Irlanda, Itália e Espanha” no quesito de elevada efetividade científica com baixo custo (vide o artigo Hermes-Lima et al. 2007, Whither Latin America? Trends and challenges of science in Latin America. IUBMB Life 59, 199-210). É preciso atualizar os dados de 2007 e ver que lições tirar desses países.

Para finalizar, transcrevo abaixo um trecho de um comentário do “Professor Lampião”, um amigo da área de Humanas de uma Universidade Federal nordestina. Não é preciso ser um gênio para entender o motivo de manter seu nome em segredo! É um pesquisador que sofre grande perseguição em seu local de trabalho, por não ser adapto do socialismo. Vamos ao seu comentário:

“Um ponto importante a ser ressaltado é que tanto o Brasil quanto a Estônia não têm o inglês como língua oficial. Mesmo assim, a Estônia consegue fazer mais com menos. A princípio, é comum imediatamente questionarmos a educação de língua estrangeira no Brasil. Mas, quem faz pesquisa, normalmente é doutor. É de praxe que tais cursos, no Brasil, exijam algum nível de proficiência em um segundo idioma (normalmente o inglês). Assim, parece que existe um componente cultural: no Brasil, muitas áreas evocam o argumento de que os problemas são regionais, específicos de nosso país. Para isso, a publicação deve ser feita em revistas específicas, que supostamente interessariam apenas à audiência brasileira, e que terminam por não terem indexação internacional e, ademais, por estarem em português, quase não são citadas por pesquisadores internacionais. São montanhas de “papel pintado”. A questão é: será que outros países não teriam suas próprias peculiaridades também? Ou o Brasil é o único que precisa publicar em sua própria língua (falada por apenas 3,5% da população mundial), se isolando do resto da comunidade científica? Ainda pergunto: por que pesquisadores da Estônia publicam em inglês e não em estoniano?”

Recado final: gostaria de agradecer à Prof.a Cíntia Araújo, doutora em Linguística pela UFMG, e ao Prof. Ricardo da Costa, historiador da UFES, pela revisão deste texto!

*** Observação: veja abaixo a posição do Brasil, ano a ano, no ranking da Scimago de impacto entre países com ao menos 3000 publicações anuais. Comparamos com o CPP da Suíça, que é o nosso “padrão ouro”. Percebe-se que patinamos entre aproximadamente 42 e 47% do impacto suíço:

2018: 63º lugar entre 73 países. CPP = 0,50 que é 42,4% do valor suíço (CPP = 1,18)

2017: 58º lugar entre 70 países. CPP = 2,25 que é 45,7% do valor suíço (CPP = 4,92)

2016: 56º lugar entre 67 países. CPP = 4,56 que é 46,8% do valor suíço (CPP = 9,74)

2015: 53º lugar entre 63 países. CPP = 6,37 que é 43,5% do valor suíço (CPP = 14,63)

2014: 50º lugar entre 62 países. CPP = 7,69 que é 43,3% do valor suíço (CPP = 17,75)

* Marcelo Hermes-Lima, Prof. de Bioquímica da Universidade de Brasília (UnB)

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]