Está na pauta do Congresso Nacional proposta de renovação da legislação que criou o FUNDEB – o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica. A proposta apresentada pela relatora, deputada Professora Dorinha foi mal recebida pelo Governo, e o assunto deve esquentar nos próximos dias. Embora focado no FUNDEB, a matéria está relacionada com o financiamento da educação básica como um todo.
O FUNDEB trata apenas de parte dos recursos da educação, o que tecnicamente se chama de “subvinculação”. A lei do FUNDEB apenas determina como os recursos – cujo gasto já está vinculado à educação – serão redistribuídos entre estados e municípios e como devem ser gastos. Não implica, necessariamente, em dinheiro novo. Mas seus efeitos e implicações vão muito além da mera redistribuição de recursos. Daí a importância do tema.
O governo gasta cerca de 350 bilhões de reais com educação, cerca de 6% do PIB. Desse total, cerca de 4% se destina à educação básica, que vai do atendimento em creches ao ensino médio e educação de adultos, só exclui o ensino superior. São cerca de 38 milhões de alunos na rede pública.
O FUNDEB separa parte desses recursos – cerca de 150 bilhões de reais, de um total aproximado de 240 bilhões destinados à educação básica – e cria uma nova fórmula para dividir entre estados e municípios. Com isso, estados e municípios que têm menos recursos recebem um pouco mais para financiar a educação. Isso contribui para reduzir a desigualdade entre municípios – mas isso ocorre apenas dentro de cada estado. A diferença entre estados ainda é muito grande. E isso afeta apenas parte dos recursos totais.
Atualmente o mínimo que um município recebe é cerca de três mil reais. A média de gastos é de cerca de seis mil reais – mas há municípios que gastam mais de 20 mil reais. A lei que criou o FUNDEB expira ao final do próximo ano e precisa ser aprovada novamente, sob pena de extinção. Essa oportunidade gerou vários debates, alguns no seio da comissão especial criada para o fim. Outros correram por fora, com projetos e sugestões apresentadas por indivíduos e/ou instituições da sociedade civil – curiosamente nenhuma universidade pública apresentou propostas.
O principal aspecto da proposta da Deputada Professora Dorinha refere-se ao aumento da participação financeira do governo federal, de 10% para 40% do total do FUNDO, ou seja, de cerca de 13,8 bilhões para cerca de 55 bilhões de reais por ano. O outro é o que aumenta de 60% para 70% o valor do FUNDEB a ser destinado ao pagamento de professores. Um terceiro é o que torna o fundo permanente – atualmente ele tem caráter provisório. A proposta também muda vários conceitos, um deles é o de que União, Estados e Municípios seriam responsáveis solidários pela educação – na versão atual da Constituição existe um regime de colaboração e a União só entra em caráter supletivo.
Nos últimos quatro meses, tive a oportunidade de coordenar dois seminários sobre o tema, iniciativa do Deputado Gastão Vieira (PROS/MA), na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Isso me permitiu me aprofundar no tema, conhecer e conversar com especialistas e organizar duas publicações com artigos pertinentes. O presente artigo apresenta os principais temas do debate e sugestões constantes da proposta que deles decorre.
Queda demográfica e professores aposentados que não serão repostos
Como pano de fundo temos a mudança demográfica: o número de alunos da educação básica vai se reduzir – cerca de 350 mil por ano nos próximos anos. Isso significa menor demanda por salas de aula e professores.
Por outro lado, o número de professores que podem se aposentar nos próximos 10 anos representa mais da metade do atual elenco. Isso significa uma oportunidade para criar novas carreiras, mais atraentes.
Mas, na outra ponta, o número de idosos com mais de 60 anos vai passar de 30 milhões para 55 milhões no mesmo período: isso significa competição por recursos escassos.
Por detrás desse cenário há uma paisagem desoladora – a maioria dos estados e municípios está quebrado e um número significativo deles tem uma dívida previdenciária colossal. A renovação do FUNDEB, portanto, deveria levar em conta todos esses fatores – o que, em seu conjunto, sugere a necessidade de usar os recursos de maneira mais eficiente.
É nesse contexto que são apresentadas as sugestões a seguir e que tocam em apenas algumas das questões dessa importante agenda.
Sugestões
Um Fundo permanente ou provisório? Para acomodar as mudanças demográficas parece prudente que o FUNDEB continue a ser provisório, pois isso permitiria flexibilidade para rever as regras em função de mudanças na economia e também no perfil demográfico. Se a economia não melhorar significativamente será muito difícil manter o mesmo nível de financiamento para um número cada vez menor de crianças e jovens – apesar da importância da educação.
Um só Fundo ou 28 fundos como é hoje? Para reduzir a desigualdade entre os municípios, seria mais interessante dividir o volume total de recursos igualmente entre os municípios. Hoje, o mínimo é de 3 mil reais por município; com um só Fundo o mínimo passaria para quase 4 mil reais.
Quem deve ser responsável pelo quê? Hoje a Constituição fala em “regime de colaboração” e, na prática, todo mundo mete sua colher de pau. A proposta de tornar a responsabilidade “solidária” é vaga e só torna mais complexo o que já é confuso. Uma solução mais simples seria caminhar no sentido indicado pela Lei de Diretrizes e Bases, atribuindo aos municípios a responsabilidade até o final do fundamental e permitindo a eles o poder de negociar com os estados a melhor solução para cada município. Para ter força na negociação receberiam os recursos e tomariam a iniciativa de negociar com os estados, se for o caso. Os estados teriam um prazo de transição para chegar a uma solução – que poderia, inclusive, ser a estadualização. O importante, para ter eficiência e cobrança, é que haja um só responsável pela educação infantil e fundamental em cada município.
Faz sentido vincular recursos para pagar professores? Aumentar o valor vinculado? A rigor qualquer tipo de vinculação enrijece a liberdade do gestor e pode comprometer a eficiência. Na prática, a maioria das vinculações está atrelada a interesses corporativos. Num ambiente de restrição financeira e redução demográfica faz pouco sentido manter essa subvinculação e, menos sentido ainda, ampliá-la.
Qual deve ser a participação do Governo Federal? Nas duas últimas décadas dobramos os gastos com educação e a melhoria do desempenho dos alunos foi pífia. Os dados também mostram baixa relação entre gastos e desempenho. Isso sugere que o papel mais importante do governo federal deveria ser o de estimular a eficiência e a melhoria do desempenho. O quanto o governo federal pode e deve gastar e o quanto disso deve estar vinculado ao FUNDEB certamente será objeto de fortes debates nas próximas semanas – mas não será o valor a ser gasto que contribuirá para melhorar a educação.
Nas próximas semanas ficará claro se prevalecerá a pressão corporativista ou se haverá espaço para levar em conta a realidade fiscal do país, os desafios da transição demográfica e a incrível oportunidade que temos de inaugurar um novo regime de financiamento com ênfase na clareza de responsabilidades, eficiência e nos incentivos ao bom desempenho.
* João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto.
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