Os Estados Unidos apresentam um comportamento esquizofrênico em relação a suas universidades e, em menor medida, a suas faculdades de graduação.
Por um lado, as faculdades que formam profissionais em medicina e negócios, bem como os programas de graduação e pós-graduação em matemática, ciências e engenharia, são os melhores do mundo. Os Estados Unidos dominam as listas de melhores universidades compiladas em pesquisas globais conduzidas do Reino Unido ao Japão.
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Por outro lado, as humanidades e as ciências sociais há muito tempo perderam sua reputação. Acesse a Amazon ou vá à livraria mais próxima, e os livros sobre literatura, arte e história provavelmente não serão produto de professores universitários ou de editoras universitárias.
Poucos ainda acreditam que os atuais programas de artes liberais prepararam os formandos para escrever de forma persuasiva e elegante, para ler criticamente e pensar indutivamente enquanto se baseiam em um amplo corpo de conhecimentos literários, linguísticos, históricos, artísticos e filosóficos. Para ser justo, esse nem mais é o objetivo do ensino superior. Quando estudantes de faculdades de elite apresentam petições questionando a liberdade de expressão ou o direito de convidados darem palestras, esses escritos geralmente estão cheios de erros gramaticais e incoerências.
As faculdades, com algumas importantes exceções (Hillsdale se destaca entre elas), simplesmente não garantem mais o ensino dessas habilidades. É claro que ainda existem aulas maravilhosas, reitores corajosos que resistem às correntes e professores esforçados que ensinam com excelência, recebendo pouca recompensa e pouco crédito por seu penoso trabalho. Mas eles são uma minoria e estão diminuindo.
De modo geral, o diploma de graduação, mesmo em um curso de artes liberais renomado, já não garante que aquele que se formou será capaz de ler, raciocinar, calcular ou utilizar um repertório de conhecimentos adquiridos de forma muito mais eficaz do que alguém sem diploma. O declínio da universidade é uma tragédia que se desenvolve desde os anos 19660, mas a erosão se acelerou graças ao viés ideológico e a seu irmão gêmeo, a incompetência. Apresento a seguir cinco outros importantes catalisadores recentes.
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I - Dívida
Os estudantes nos Estados Unidos devem cerca de 1,5 trilhão de dólares em empréstimos estudantis, em grande parte a taxas de juros superiores às das hipotecas atuais. Pelo menos meio trilhão de dólares não tem condição de ser pago e não será pago. É difícil saber se esse sistema de empréstimo insustentável é um dos reflexos ou uma das causas do declínio da universidade – ou ambos.
Mas a dívida estudantil esmagadora desempenha vários papéis perniciosos na sociedade em geral. Os alunos adiam o casamento e os filhos, uma tendência que está afetando negativamente a demografia norte-americana. A casa própria é deixada para depois, em favor de se continuar na casa dos pais em uma adolescência prolongada. Acaba-se assim com a velha ideia de se tornar adulto aos vinte e poucos anos. A maioria dos termos pejorativos usados hoje, como “floco de neve” ou “guerreiro da justiça social”, origina-se da realidade de que essa dívida estudantil contínua, e da qual nunca se parece estar definitivamente livre, comprometeu o desenvolvimento de homens e mulheres adultos e consumiu a sua juventude.
Grande parte da dívida se deve a empréstimos garantidos pelo governo federal que foram vendidos aos estudantes, e que são vistos por eles como empréstimos virtuais – um subsídio que não precisa necessariamente ser pago de volta. E as universidades veem a garantia de empréstimo como um sinal verde para elevar seus custos acima da taxa anual de inflação. Graças a esses enormes influxos de dinheiro para as universidades, os estudantes contam com centros de recreação do Club Med e apartamentos bem equipados, enquanto os administradores contratam uma legião de burocratas da diversidade e da inclusão, cujas principais funções são monitorar o pensamento do corpo docente, doutrinar estudantes e proteger seus superiores de acusações de racismo, machismo, homofobia, nativismo e xenofobia interseccionais. Talvez o último czar da diversidade contratado possa apagar as luzes em mais uma faculdade de artes liberais particular incapaz de fechar as contas.
Essa dívida estudantil inacreditável surgiu em um momento no qual as grandes universidades de pesquisa não mediam mais seus fundos e receitas em milhões, mas, em alguns casos, em muitos bilhões. Em outras palavras, algumas instituições se deram muito bem, mesmo que a maioria dos alunos não se desse.
Qualquer doação de ex-alunos que não seja estritamente direcionada deveria ser vista como um desperdício de filantropia; elas funcionam como drogas pesadas dadas a um viciado em estágio terminal. E a ideia mais assustadora para a maioria dos socialistas acadêmicos de elite é que o governo possa taxar doações acima de 5 bilhões de dólares às universidades ou adotar algum tipo de solução ao estilo dos esportes profissionais em que as franquias mais ricas do campus devam ser compartilhadas com as mais pobres.
II - O currículo terapêutico
A maioria dos cursos universitários de literatura e história – apesar de seus títulos às vezes anacrônicos e tradicionais – tem como foco a “diversidade”. Isto é, eles apresentam seja uma peça de teatro ou um romance, seja um evento ou período histórico passados, em termos de como eles retrataram ou afetaram negativamente os pobres, as mulheres e as minorias. A agenda maior é ideológica: instruir como o presente, visto como superior, pode engendrar meios para garantir que pensamentos incorretos e preconceitos que ocorreram ao longo da história e da literatura não contaminem a vida e a sociedade contemporâneas.
O que muitas vezes se esquece é que o politicamente correto vem ao preço de não se aprender uma língua, de não se conseguir ler as peças de Shakespeare, de não se dominar o básico da Guerra Civil americana ou da Segunda Guerra Mundial – ainda que saibamos que para a juventude a aprendizagem é muitas vezes um jogo de ganho zero, com apenas poucas horas no dia para estudo e leitura.
Os estudantes de hoje, como seus professores, não apenas não têm, como nem mesmo sentem necessidade alguma de ter, familiaridade com Tucídides ou com o Inferno de Dante, ou com alguma ideia sobre as Guerras Napoleônicas ou sobre a obra de T. S. Eliot. E pelo menos uma razão pela qual eles não possuem esses conhecimentos é que ensinar e ler esses textos e estudar histórias complexas como essas são atividades muito mais difíceis que aquilo que se ensina em muitos cursos terapêuticos sobre preconceitos, vieses, “-ismos” e “-logias”. Tornar-se crítico aos problemas sociais não é a mesma coisa que ser educado. Enquanto a primeira atividade é fácil e busca a afirmação da maioria, a segunda constitui uma experiência dura e muitas vezes solitária.
Por fim, a moralidade do currículo está de cabeça para baixo. Se o propósito da universidade contemporânea é empoderar os marginalizados e os anteriormente discriminados, então seria difícil imaginar aulas que pudessem privar mais os estudantes universitários de primeira geração dos conhecimentos e das ferramentas analíticas capazes de garantir seu sucesso.
Duas propostas simples – exigir para a obtenção do grau de bacharel um exame de saída análogo aos testes de admissão exigidos para se entrar na universidade e permitir que os professores optem por um mestrado acadêmico em vez de uma credencial de ensino – exporiam a atual pobreza do currículo. Talvez metade dos graduados do país não seria capaz de passar por um exame de saída básico nas áreas de artes e ciências. E, se fosse dada a chance, a maioria dos professores preferiria estudar para um mestrado acadêmico a passar um ano com o “Ministério de Credenciais”.
III - Estudo acadêmico e internet
O ensino superior investe uma fortuna e tanto no “desenvolvimento” do corpo docente, mais especificamente em períodos sabáticos, subsídios, reduções de carga de aulas, tempo livre, progressões aceleradas, prêmios em dinheiro, aumentos por mérito e incentivos para conduzir pesquisas. Em teoria, tais subsídios são um investimento sábio, mesmo nas ciências humanas e sociais. A investigação em grande parte desconhecida do público feita por estudiosos expandiria o corpo do conhecimento. Idealmente, o trabalho aparentemente estreito e pouco conhecido chegará no futuro a exames e ao conhecimento popular. Estudiosos tornam-se ainda professores melhores na medida em que fundamentam seu trabalho em sala de aula com os fatos e dados de suas próprias investigações de caráter mais específico.
Além disso, o estudo acadêmico beneficia o grande público. Por exemplo, o tedioso trabalho de estabelecer com precisão textos de Linear B nos permite entender melhor por que a civilização micênica entrou em colapso de modo mais ou menos misterioso no século XIII a.C. O trabalho de arquivo que reconstrói ano a ano a cronologia de figuras históricas como Ulysses S. Grant ou William Tecumseh Sherman permite aos biógrafos desses personagens fornecer ao público uma apreciação mais rica de suas carreiras complexas. Graças ao trabalho acadêmico, muitas vezes subestimado, temos hoje uma compreensão mais matizada em relação a visões simplistas anteriores, como a noção de que o Tratado de Versalhes foi demasiadamente punitivo.
No entanto, à medida que as universidades se expandiram, a pesquisa acadêmica se enraizou profundamente no carreirismo e, em muitos casos, tornou-se um exercício mesquinho e escolástico de crítica e, em outros, fez-se abjetamente política. Então veio a internet, que destruiu muitas hierarquias acadêmicas e trouxe a lei do ringue para o mundo da pesquisa. Em vez de esperar um ano para uma revista de prestígio fazer a revisão pelos pares (supostamente cega, mas na maioria das vezes não tão cega assim) de seu artigo, que, quando publicado, vai atingir uma audiência de 20 a 30 estudiosos, a maioria dos acadêmicos pode agora postar qualquer coisa em um blog e às vezes encontrar uma audiência de centenas, senão milhares de pessoas.
A falta de revisão pelos pares, crítica especializada e intervenção editorial obviamente abriram o caminho para trabalhos incompetentes, mas a opinião de milhares de leitores online, curtindo e descurtindo, também ajudou a separar o joio do trigo.
Em suma, milhares de autodidatas e estudiosos independentes estão publicando agora como bem entendem, e muitas vezes suas ideias e pesquisas são tão boas quanto, ou melhores, do que a custosa burocracia universitária da produção acadêmica. Ao olharmos para 75 anos de investimento maciço em pesquisa acadêmica desde o pós-guerra, se torna cada vez mais claro que em nosso momento de superespecialização e partidarismo pós-moderno os resultados muitas vezes já não justificam tamanho tempo de liberação das atividades de sala de aula ou ganhos carreiristas que a “pesquisa” proporciona. As universidades fariam um melhor serviço investindo em professores de tempo parcial para acabar com a exploração daqueles profissionais com contratos provisórios.
IV - Cursos online e pagos
A internet também destruiu muitos outros protocolos e, por extensão, títulos universitários e a noção de um alto clero de estudiosos da Ivy League, além da ideia da santidade do campus. Não são apenas os autodidatas que agem ao estilo freelance e postam suas palestras através de podcasts gratuitos: hoje as próprias faculdades oferecem aulas online. Os professores que conseguem falar com mais eficácia e sem anotações diante de uma câmera e conquistar audiências anônimas de milhares de pessoas nem sempre são os professores que ganham os prêmios de ensino tradicionais ou têm suas promoções aceleradas.
Cursos pagos vistos como “fábricas de diplomas” são ridicularizados por faculdades sérias na lógica de que eles não oferecem nem “a experiência universitária” nem uma “educação ampla”, mas simplesmente vendem unidades de certificação online em habilidades profissionais, educação e negócios. Mas se as universidades não oferecem um currículo de artes liberais rico, que enfatize literatura, filosofia e história, e se o campus moderno é um campo minado em termos culturais e políticos, onde talvez quatro das dez emendas do Bill of Rights não são seguidas, então é natural que milhões se perguntem: “Por que pagar por essa solenidade tóxica?”
As faculdades teriam um argumento válido ao dizer que a interação próxima entre professores e alunos, o cenário maior das oportunidades culturais disponíveis em um campus físico e a oportunidade de ver e conversar diretamente com um instrutor dentro de uma sala de aula são essenciais para uma experiência de graduação. Mas esse argumento não é levantado. Em vez disso, elas o invalidaram por sua própria intolerância e pela deformação do currículo.
V - Titularidade do cargo
Sempre haverá um argumento a favor da titularidade do cargo pelo fato de administradores e acadêmicos serem por natureza pessoas tímidas e vingativas, que previsivelmente se dobram à demanda da massa para que se demita alguém por dizer algo que outra pessoa não goste.
Mas a experiência de oitenta anos com a titularidade do cargo como regra sugere que ela não mais incentiva visões diversas ou protege a liberdade de expressão – na verdade, a universidade é hoje uma das instituições mais monolíticas e ideologicamente repressivas da sociedade. Além disso, em muitas instituições estaduais, entre 40% e 50% dos cursos oferecidos são ministrados por professores não titulares de meio período, que não gozam dessa proteção profissional.
Em suma, a titularidade tornou-se um sistema de castas medieval. Ela dá aos hierarcas segurança na carreira para a vida inteira, sem muita revisão após a posse do cargo ou incentivo à diversidade de pensamento, enquanto simplesmente exclui milhares de submembros do corpo docente como não dignos de tal segurança profissional. A titularidade poderia ser facilmente substituída por contratos de cinco ou dez anos, especificando as expectativas de ensino e pesquisa sem discriminar entre o corpo docente de tempo parcial e o de tempo integral.
Estamos entrando em uma era na qual a faculdade, como historicamente entendemos esse termo, não será mais considerada essencial para alguém receber educação. E o número de faculdades diminuirá, seja por causa de fusões, conversões para instituições online ou falências. As razões para essas mudanças existenciais não são apenas tecnológicas e econômicas, mas são encontradas no interior da própria universidade. Ela quebrou seu pacto com o público de oferecer uma educação desinteressada e de qualidade a um preço acessível para a juventude do país – acabou fazendo, na verdade, exatamente o oposto.
* Victor Davis Hanson é professor emérito de História Clássica na California State University.
©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
Tradução: Alexandre Siloto Assine.