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Opinião

O Escola sem Partido e a impostura dos “direitos humanos” do Enem

| Jonathan CamposGazeta do Povo

Sei que é chato ficar contando vantagem, mas não posso deixar de fazer um registro sobre a estupenda vitória do Escola sem Partido na disputa judicial sobre a validade da regra do edital do Enem de 2017, que prevê a atribuição de nota zero às redações que desrespeitem os “direitos humanos”. Na semana passada, a Ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, rejeitou, definitivamente, o pedido de suspensão da decisão do TRF da 1ª Região que havia reconhecido, em caráter provisório, a nulidade da regra citada, afastando sua aplicação pelo INEP, que é a autarquia responsável pelo exame. Portanto, graças ao ESP, nenhum dos mais de 6 milhões de brasileiros que fizeram o Enem em 2017 vai levar zero na redação por suposto desrespeito aos “direitos humanos”.

A expressão vai entre aspas porque, na verdade, os “direitos humanos” do Enem não têm nada a ver com os direitos humanos propriamente ditos, que são aqueles previstos na Constituição, nas leis e tratados internacionais com força de lei no Brasil. De fato, o INEP não exige dos candidatos nem dos corretores qualquer familiaridade com essa legislação.

Ora, na falta de um referencial objetivo, que só poderia ser dado pelas normas legais que os definem, o que se compreende por “direitos humanos” no contexto do Enem? O que é que o estudante deveria respeitar para que sua redação não fosse anulada?

Percebendo o problema, o INEP decidiu utilizar uma cartilha para tornar pública a seguinte interpretação do edital: “É necessário respeitar os direitos humanos, não romper com valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural.”

Esse blá-blá-blá, todavia, pouco ou nada acrescenta em objetividade ao que já consta do edital. Exceto num aspecto: reforça nos participantes a certeza de que, no Enem, respeitar os “direitos humanos” significa respeitar o “politicamente correto”, que nada mais é do que um simulacro ideológico dos direitos humanos propriamente ditos.

E é essa, com efeito, a mensagem captada e retransmitida pelos gurus do Enem, como se vê dessas dicas extraídas da internet: “Não exponha opiniões muito radicais”; “é muito importante para o corretor que você tenha uma visão de mundo civilizada”; “às vezes sua opinião pode ser preconceituosa ou racista e isso não lhe ajuda em nada”; “caso a sua opinião desvie um pouco [do politicamente correto], é melhor deixá-la de lado”; “Fazer comentários politicamente incorretos e desrespeitosos também pode prejudicar”; “mesmo que você tenha opiniões mais polêmicas, com um tom intolerante, guarde-as para você”; “Tome cuidado com ideias preconceituosas...”.

Entendeu o recado? É por isso que defender a descriminalização do aborto, por exemplo, não viola os “direitos humanos do Enem”, embora exista um tratado internacional sobre direitos humanos que assegura o direito à vida desde a concepção. Em compensação, experimente manifestar a mais leve censura ao comportamento homossexual, para você ver o que acontece.

Ou seja: sob o rótulo enganoso de “respeito aos direitos humanos”, o que Enem está impondo aos estudantes é a ditadura do politicamente correto. Diante da ameaça de zerar na prova de redação ‒ a mais importante do exame ‒, os participantes se veem forçados a abjurar de suas crenças e convicções para não perder a chance de ingressar numa universidade.

Não é preciso ser ministro do STF para saber que isso viola ostensivamente o direito à livre manifestação do pensamento e a garantia, expressa no artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal, de que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.

Essa regra absurda, de refulgente inconstitucionalidade, vem sendo repetida nos editais do Enem desde 2013, sacrificando, no altar do politicamente correto, direitos humanos (sem aspas) de milhões de jovens cidadãos brasileiros. E tudo isso acontece, leitor, debaixo do imenso e empinado nariz do Ministério Público Federal, instituição que possui entre suas atribuições constitucionais a de zelar pelo respeito dos Poderes Públicos aos direitos dos cidadãos (CF, art. 129, II), mas que sabidamente só tem olhos para os direitos de algumas minorias e movimentos apaniguados ou controlados pela esquerda.

Segue um breve relato dos principais episódios dessa guerra travada e vencida solitariamente pelo Escola sem Partido.

Em dezembro de 2015, após a realização das provas, a recém criada Associação Escola sem Partido ingressou com uma ação civil pública para que o INEP se abstivesse de anular qualquer redação por alegado desrespeito aos “direitos humanos”. A juíza, no entanto, embora pudesse dispensar esse requisito, entendeu que, por haver sido constituída havia menos de um ano, a associação não poderia promover a ação civil pública. Primeira derrota do ESP.

Diante do obstáculo temporal ‒ e mesmo sabendo que seria inútil ‒, decidimos pedir ao MPF para que fizesse aquilo que tentamos fazer. Com esse objetivo, o ESP enviou representações a cada uma das unidades do MPF nos estados. Foram 27 representações demonstrando por A+B a inconstitucionalidade daquela regra. Conforme esperado, todas foram arquivadas. Segunda derrota do ESP.

Em janeiro de 2016, pedimos ao MPF, em Brasília, que promovesse a responsabilização do presidente do INEP por crime de abuso de autoridade (atentado contra a liberdade de consciência e de crença dos candidatos) e ato de improbidade administrativa (violação ao princípio da impessoalidade, ao conferir aos corretores das provas o poder de atuar segundo suas próprias concepções e preferências políticas, ideológicas, morais e religiosas). A representação foi arquivada liminarmente sob o falso argumento de veicular “apenas manifestação de discordância do representante quanto a critério de avaliação em edital”. Terceira derrota do ESP.

Em novembro de 2016, tão logo completado um ano de existência, a associação ajuizou nova ação civil pública para que fosse reconhecida a nulidade da regra em relação ao exame de 2016 e futuras edições do Enem. O pedido de liminar ‒ para que os candidatos fossem informados, antes da prova, de que não estavam obrigados a dizer o que não pensam na redação ‒ foi indeferido, porque, segundo o juiz, a regra questionada “apenas visa proteger os direitos humanos e prevenir o discurso de ódio”. Recorremos, mas a decisão foi mantida pelo tribunal. Quarta e quinta derrotas.

Em março de 2017, pedimos ao juízo de primeiro grau uma nova liminar para que o INEP fosse impedido de adotar a maldita regra no edital que seria publicado em abril. O pedido foi indeferido. Sexta derrota.

Recorremos, insistindo em que nenhum candidato poderia ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. E foi aí que o jogo virou. Dez dias antes do primeiro dia de provas, a 5ª Turma do TRF da 1ª Região deferiu, por maioria de votos, contra o parecer do representante do MPF, para não variar o pedido da associação para impedir o INEP de anular qualquer redação no Enem/2017 sob alegação de “desrespeito aos direitos humanos”.

Num país em que boa parte da elite intelectual se acostumou ao cabresto ideológico do politicamente correto, a decisão caiu como uma "bomba" Onde já se viu? Tá liberado o discurso de ódio, então?

Mas é claro que o MPF não ia deixar isso barato. Desta vez, a própria chefe da instituição, Raquel Dodge, entrou em campo para pedir à presidente do STF a imediata suspensão da decisão do TRF. A Ministra Cármen Lúcia, porém, negou o pedido do MPF e garantiu, na véspera do primeiro dia de prova, que nenhum candidato seria punido por exercer o seu direito constitucional à livre manifestação do pensamento.

E foi essa a decisão que a Ministra Cármen Lúcia confirmou na semana passada, sepultando de vez a pretensão do MPF de impedir que estudantes insubmissos não alinhados com o politicamente correto possam ingressar numa universidade.

Mas isto só vale para o Enem de 2017. Em abril, quando sair o edital do Enem/2018, saberemos se o governo pretende insistir no erro de usar a redação do Enem como filtro ideológico de acesso ao ensino superior (por via das dúvidas, o ESP vai requerer uma nova medida liminar para obstar a reedição da regra).

O filtro ideológico atua de duas formas: induz as escolas a martelar o politicamente correto na cabeça dos alunos, a fim de que eles tenham um bom desempenho no Enem, e expele do sistema o estudante insubordinado que repele, por temperamento, a opção pragmática da autocensura. Previne-se, desse modo, que ideias politicamente incorretas se reproduzam dentro da universidade, espalhando-se perigosamente para outros domínios da sociedade, como o magistério, as redações dos jornais e o próprio Ministério Público, por exemplo.

Ou seja, com a exigência do respeito aos “direitos humanos” no Enem os burocratas da educação incentivam a doutrinação em larga escala, assegurando o uso das escolas como importante instrumento de engenharia social. A vitória do ESP representa, portanto, um imenso revés nessa estratégia covarde, antiética e inconstitucional posta em prática pelo INEP, com o respaldo de todo o establishment educacional do país.

Diante das decisões do TRF e da Presidente do STF, não é difícil antever a procedência final da ação civil pública, para que o INEP seja impedido de repetir essa exigência nas próximas edições do exame. Seria um erro, porém, acreditar que por não serem mais obrigados a martelar o politicamente correto na cabeça dos alunos, os professores e as escolas deixarão de fazê-lo espontaneamente. Nada disso. A procedência da ação, caso venha a se concretizar, será uma condição necessária, mas em nenhuma hipótese suficiente para restabelecer o respeito ao pluralismo de ideias e à liberdade de consciência e de crença nas escolas e universidades.

* Miguel Nagib é fundador da Associação Escola sem Partido

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